Está esquisito: a que se devem essa difusa sensação de mal-estar e esses pequenos abalos que vêm surpreendendo a rotina do cotidiano não só nos grandes centros metropolitanos? Por que uma parte da juventude escolarizada se empenha, nos espaços da internet, na procura por um herói sem rosto e anônimo - a multidão, construção cerebrina da fabulação de profissionais de utopias, de quem se espera a recriação do nosso mundo?
Também está esquisita essa descrença generalizada nas pessoas e nas instituições diante da Constituição mais democrática da nossa história republicana e das políticas bem-sucedidas de inclusão social levadas a efeito nos últimos governos. Esquisitice que beira a ironia quando se constata que as Forças Armadas, em meio a um processo de revisão da Lei da Anistia que as contraria, são mobilizadas para tudo, até para intervenção direta na questão social, como na chamada pacificação das favelas cariocas. E, como se sabe, não haverá Copa do Mundo sem elas.
É crível compreender tal estado de coisas pelo preço dos tomates? E quanto às jornadas de junho, ainda resiste a explicação singela de que foram desencadeadas pelo aumento em centavos dos preços das passagens dos serviços de transportes urbanos? Faz algum sentido esperar pela próxima campanha à sucessão presidencial com o olhar fixo nos índices da inflação? O mal-estar pode até ser medido, como se pode ver nas recentes pesquisas eleitorais que indicam robustos 24% do eleitorado com a opção de votos brancos e nulos, inocentando o observador de fazer uma avaliação idiossincrática.
O economicismo, ideologia reinante entre nós, fruto nativo do nosso longevo processo de modernização, retruca com acidez aos argumentos que lhe são estranhos com o bordão "é a economia, estúpido!", com o que filosofa sub-repticiamente, identificando o homem real com o consumidor, e não com o cidadão, a seu juízo uma simples abstração.
Nessa visão rústica da dimensão do interesse, somente o que importa é o bolso, o poder de compra, e as ideias e as crenças de nada valem, dando as costas a lições de clássicos como Marx e Weber, que estudaram seu papel na produção da vida material. Basta lembrar a análise do primeiro sobre a ética calvinista e a formação do espírito do capitalismo e a afirmação do segundo sobre como as ideias podem se tornar uma força material.
Alexis de Tocqueville, em sua obra-prima dedicada ao estudo da Revolução Francesa, O Antigo Regime e a Revolução, demonstrou não só a importância para a produção daquele evento, capital na passagem para o mundo moderno, do papel das ideias e dos intelectuais - os iluministas que forjaram o conceito de direito natural com base na Razão -, como expôs, com base em sólida empiria, o processo especificamente político com que a monarquia se teria isolado da sua sociedade, em particular do Terceiro Estado, a sociedade civil da época. E sem deixar de registrar que, às vésperas da revolução, a França estaria conhecendo um bom momento em sua economia, e que o campesinato - personagem decisivo naqueles acontecimentos - estaria experimentando um inédito movimento de acesso à terra.
Entre nós, desde que se fixou a hegemonia do viés economicista no senso comum, para o que a influência do marketing político tem sido considerável, toldando a percepção do que é próprio à política como o lugar da produção de consenso e de legitimação do poder incumbente, nada de surpreendente que ela venha sendo degradada a um mero registro desconexo de questões de bagatelas.
Esquisito, então, que a presidente da República, quadro do Partido dos Trabalhadores (PT), possa vir a ter sua indicação à sucessão presidencial substituída pela do presidente de honra do seu partido, seu mais ilustre personagem e responsável por sua eleição, caso não sustente até o momento da convenção partidária indicadores aceitáveis de inflação. Esquisito que a Copa do Mundo, a ser disputada em nossos estádios pela nossa seleção de futebol, a Pátria de chuteiras - expressão que, como sentimos, tem seu quinhão de verdade -, seja recebida pelos brados de "não queremos Copa!", inclusive por um partido político no seu horário eleitoral.
Debalde procurarmos as razões desse estado de coisas na dança dos indicadores econômicos. Elas estão noutra parte, visível o fio vermelho com que ele se liga às jornadas de junho, que denunciaram a distância entre o governo e a sociedade civil, especialmente da juventude. Em princípio, isso não era para ser assim, uma vez que o PT tem em suas marcas de fundação a vocação para agir na sociedade civil e favorecer sua organicidade - e, de fato, começou sua história fiel a essa orientação -, de resto, refratárias à época, em certos casos até acriticamente, ao Estado e à sua história institucional.
No governo, porém, essa plataforma de lançamento cedeu, com uma guinada em favor da recuperação da política de modernização da nossa tradição republicana, aí compreendida até a vigente no regime militar. Nos seus fundamentos, passam a ser incorporados elementos da estratégia política de Vargas, com a ampliação do Estado a fim de nele incluir sindicatos e movimentos sociais, em alguns casos mesmo que informalmente, caso do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST).
Essa inclusão, contudo, não significou a adesão a um programa e a uma política, mas a satisfação de interesses segmentados, como atesta hoje o quadro atual da fragmentação das centrais sindicais. O triunfo maior da lógica dos interesses sobre a política veio com a adoção, e o sucesso, do programa Bolsa Família, perfeitamente compatível com os princípios neoliberais de raiz economicista. Sob esse registro, a sociedade não se educou nem se organizou, e corre o risco de se converter na multidão dos profetas apocalípticos que estão por aí. Ficou esquisito.
* É professor pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
- O Estado de S. Paulo (27/04/14)
Exceção feita aos temas macroeconômicos, do trabalho e da renda, a agenda nacional dos próximos anos está destinada a orbitar três pontos estratégicos: educação, saúde e mobilidade urbana, esta última abraçada com a segurança pública, as várias dimensões da infraestrutura e da gestão de cidades.
Além de estar na boca do povo, essa constatação vem sendo reiterada por diferentes analistas, operadores políticos e técnicos governamentais de distinta orientação. É de esperar, portanto, que figure em posição de destaque na plataforma dos candidatos que disputarão a Presidência da República em 2014.
Daqui para a frente, nenhum governo fará a diferença sem enfrentar com determinação e criatividade aquele tripé. Seja qual for o partido que governe, estará obrigado a fornecer respostas efetivas a ele, por onde passa boa parte do bem-estar da população e do futuro do País.
Isso significa, antes de tudo, que será preciso incrementar a cooperação entre os entes federados, já que não há como fixar boas políticas para aquelas áreas se os gestores operarem de forma isolada e autossuficiente. Políticas públicas continuam a ser políticas de Estado, e precisamente por isso têm mais chance de sucesso quando as instâncias por elas responsáveis dialogam entre si e trabalham umas com as outras. Educação, saúde e transportes não são definidos unilateralmente por Brasília, mas envolvem e dependem dos governos estaduais e municipais.
A solidão dos gestores também não faz sentido numa época que elogia a participação e a cidadania ativa. Políticas públicas que não nasçam da interação com a sociedade civil crescem tortas. Tornam-se pouco sustentáveis e expostas ao risco da descontinuidade ou da ineficácia. Ficam, também, mais intransparentes e suscetíveis a desvios e malversações.
Cooperação, coordenação, transparência e participação social - quanto mais houver disso, maiores as chances de sucesso.
Serão necessárias, também, evidentemente, clareza e consistência na formulação: uma boa teoria sociológica de base, diretrizes, princípios e metas - coisas que têm existido entre nós, mas de modo errático. Somos uma sociedade em que os políticos e os gestores se acostumaram a atuar com promessas vagas e genéricas, sem rigor técnico, mais preocupados com dividendos eleitorais e prestígio do que com resultados. É uma cultura que precisa ser enterrada.
Somada à dimensão orçamentária, com suas oscilações inevitáveis, a ausência de boas formulações técnico-políticas produz impacto catastrófico na qualidade do que se faz, comprometendo o desempenho governamental e prejudicando a população. Há dotações, parâmetros orçamentários, obrigações constitucionais, há boa vontade dos gestores e empenho de parlamentares atentos ao estado geral da Nação. Mas tudo parece insuficiente, seja porque sempre faltam recursos, seja porque se gasta mal.
É impossível detalhar, aqui, cada um destes pontos. Mas é possível destacar os vetores que os articulam, aquilo que poderia mudar a situação e representar um expressivo ganho de escala no enfrentamento da agenda estratégica.
O principal desses vetores está no campo político. Ele é o que pode produzir mudança e garantir avanços. E é, também, onde estão os maiores obstáculos. O sistema político não ajuda, os partidos falham em suas funções, os representantes são, na maioria, pouco preparados para interagir com a complexidade adquirida pela vida social. Tudo isso arrasta consigo os governos e a gestão pública.
Faltam ações focadas na construção de uma agenda nacional, de um projeto de sociedade. Todos apontam para a relevância da saúde, da educação e da mobilidade urbana, mas cada ator fala para seu próprio público: não debate, não interage nem se comunica com os demais. Ninguém dialoga com o povo e a sociedade civil. Não se disputa a hegemonia. A péssima qualidade do debate democrático prova isso.
Não se leva na devida conta que o capitalismo que hoje se tem no Brasil foi fruto de uma colaboração real (não intencional e não consciente) das duas principais forças políticas do País, o PSDB e o PT. Do combate à inflação e das medidas voltadas para estabilizar a moeda (governos FHC) às políticas de inclusão social e de apoio ao consumo popular (governos Lula/Dilma), a ação governamental impulsionou o capitalismo. Houve muito, é verdade, de imposições da globalização do capitalismo, que comprimiu o campo das escolhas governamentais. Mas o protagonismo político existiu e foi importante.
PT e PSDB, porém, em vez de explorarem a parceria, optaram por declarar guerra um ao outro, com o propósito de ocupar espaços de poder e salientar, mediante uma retórica simplista, exagerada e caricata, aquilo que os distingue. Estabeleceram um pacto informal: não coopere comigo que contigo não cooperarei. Deixaram, assim, de contribuir para completar a construção que empreenderam, pouco fizeram para suavizar o capitalismo e propor à sociedade outro modo de produção e de organização econômico-social, outro padrão de convivência.
Se convergências explícitas e programáticas entre os dois pilotos tivesse havido, as coisas teriam sido melhores. Haveria um bloco reformador hoje no País, ao qual se vinculariam o PSB e os demais partidos democráticos. Sua força magnética seria tanta que isolaria os setores retrógrados e empurraria o PMDB de volta às origens.
Falar isso em ano eleitoral é puro wishful thinking. Nos próximos meses, discursos maniqueístas e verborrágicos dominarão o cenário. É a lógica da política e da luta pelo poder. Mas não há por que arquivar as esperanças. O tempo para ajustes e articulações encolheu, mas ainda existe. Sempre é hora para que se acenda o farol alto e se descortine o horizonte.
*É professor titular de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp
O Estado de S. Paulo (26/04/14)
Um dos nossos pensadores disse em algum lugar que Brecht era um legítimo homem de esquerda porque estava sempre disposto a recomeçar do zero. Essa a nossa credencial, embora alguns não arredem pé de ideias e crenças liquidadas pela realidade. Os que recomeçamos do zero, a cada derrota, podemos, por isso, no momento em que reaparece o fantasma do anticomunismo — mais velho, aliás, que o próprio comunismo —, abrir um diálogo com a direita.
De fato, nada garante que ela está sempre errada e a esquerda sempre certa. A única caução de uma ou de outra é a ética, um imperativo categórico anterior às ideologias, às escolhas políticas e aos dispositivos que lhes deram corpo histórico — às vezes tenebroso como o stalinismo. Bobbio quis demonstrar que de direita é quem prioriza a liberdade, de esquerda quem prioriza a igualdade.
É outra forma de dizer ética. Desde que a mais-valia se tornou a forma dominante (há outras) de apropriação do fruto do trabalho, podemos escolher o lado do capital ou do trabalho. Não é simples assim. Saramago se dizia um comunista hormonal, circunstância biológica, nata, que também pode ser reivindicada pelo anticomunista.
A direita contemporânea nos abriu os olhos para o fracasso das revoluções de esquerda. Não passamos no teste da realidade, todas resultaram em regimes de partido único ou tiranias. O marxismo, cuja prova de verdade é a prática, não foi aprovado pelo próprio critério. Sobrevive na “teoria da práxis” — o homem faz o mundo fazendo-se a si mesmo — e como método de análise historiográfica.
Muitos da direita acreditam que os governos Lula e Dilma são de esquerda. Tomam a nuvem por Juno. Nenhum desses governos fez qualquer reforma social (e teve tempo e base parlamentar para isso) — nem a agrária, nem a urbana, nem a tributária, nem a política... Nunca passou do assistencialismo. Está muito atrás do governo Goulart, derrubado porque as iniciou. Em compensação, o PT praticou a corrupção, desmoralizando a esquerda sem ser de esquerda, e oferecendo munição à direita — ela lhe fica devendo esse favor. É o que tem levado manifestantes de direita à rua, acordando os piores demônios — a ditadura, o golpe, a tortura, a cassação, o expurgo etc.
Os tempos são outros. O golpe civil-militar de 64 teve clima favorável: intervenção americana (que não envergonhou os “patriotas”), inflação galopante, medo patológico da revolução cubana (1959-61), antitrabalhismo do grande capital, unanimidade da mídia contra Goulart etc. O golpe de 64 foi uma contrarrevolução, embora ao se autobatizar Revolução Redentora dissesse uma coisa para falar outra.
A derrubada de Goulart, eleito e forte entre os trabalhadores, foi saudada por muitos democratas de direita. Caíram em si aos poucos. E tiveram de aguentar a carinhosa marchinha de Zé Kéti:
“Marchou com Deus pela democracia, agora chia, agora chia... Você perdeu a personalidade, agora fala em liberdade.”
Com todo o respeito.
Joel Rufino dos Santos é historiador
Fonte: O Globo (19/04/14)
A história de Medeia é um clássico da mitologia grega, consagrado na tragédia de Eurípedes, cuja primeira encenação ocorreu em 431 a.C., no começo da Guerra do Peloponeso. É um retrato dramático das forças antagônicas que governam a alma humana. Medeia, a personagem principal, luta com todas as forças e todas as armas contra adversidades da sua vida. Na obra de Eurípedes, Jasão e Medeia, como refugiados, vivem em Corinto com seus dois filhos. O rei Creonte convence Jasão a abandoná-la e se casar com sua filha; para tanto, expulsa Medeia e os dois filhos da cidade. Egeu, rei de Atenas, concede asilo a Medeia, mas a feiticeira decide se vingar de Jasão. Primeiro, através de um ardil, mata Creonte e a filha dele; a seguir, mata os próprios filhos e foge num carro alado, cedido pelo deus Hélio, seu avô.
O mito de Medeia apresenta o retrato psicológico de uma mulher simultaneamente tomada pelo amor e pelo ódio. Ela é a esposa abandonada, a estrangeira perseguida. Rebela-se contra o mundo que a rodeia e rejeita o conformismo tradicional. Tomada de fúria, assume a vingança como objetivo e exerce seu poder de persuasão, usa as palavras como armas terríveis. Uma das figuras femininas mais impressionantes da dramaturgia universal, Medeia narra o drama da mulher que deixa tudo — sua pátria, sua família e seus sonhos — para seguir ao lado de um grande amor. Foi capaz de qualquer atitude para atender os caprichos de Jasão, mas acaba abandonada.
Medeia de Eurípedes foi filmada pelo italiano Pier Paolo Pasolini e pelo dinamarquês Lars Von Trier. Inspira a feiticeira de Capitão Marvel, história em quadrinhos do genial roteirista Bill Parker e do desenhista CC Becker. Também é Joana, a personagem central do musical A gota d’água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, escrita em 1975, a partir de um roteiro de Oduvaldo Viana Filho, que adaptara a peça para a televisão. Na obra, a tragédia se desenrola numa favela carioca.
Jasão
O mito de Medeia tem tudo a ver com os riscos do “Volta, Lula!”. A possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva substituir Dilma Rousseff como candidata do PT, a cada dia que passa, deixa de ser apenas um desejo de petistas e empresários, contrariados por terem sido excluídos da cozinha do Palácio do Planalto, para se tornar uma possibilidade real, diante da má avaliação do governo e da gradativa queda da presidente nas pesquisas. Cada vez que Lula intensifica sua agenda para fortalecer os petistas nos estados e mete a colher na campanha de reeleição de Dilma, mais forte se torna o desejo de que seja ele o candidato por parte de aliados e eleitores.
Dilma, porém, tem ganas de poder. Pretende mesmo se reeleger e trabalha intensamente para isso. Lula sabe disso. Não pode correr o risco de encarnar o papel de Jasão e reeditar a mítica tragédia grega, com Dilma no papel de Medeia, a mulher abandonada, disposta a se vingar da traição. É inimaginável uma disputa eleitoral com Lula candidato e Dilma contrariada na Presidência, com a caneta cheia de tinta e a alma tomada pela frustração e pelo ódio. As contradições que isso despertaria, entretanto, podem ser avaliadas a partir de episódios, como a compra da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, pela Petrobras, que opõem Dilma e a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, de um lado, e Lula e o ex-presidente da empresa Sérgio Gabrielli, de outro; ou o caso de Rosemary Névoas Noronha, ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo e assessora de confiança de Lula, defenestrada por Dilma logo no começo de seu mandato.
Têm razão, pois, os que trabalham para manter a candidatura de Dilma colada à imagem de Lula, na esperança de que essa unidade mantenha o favoritismo da presidente da República nas eleições deste ano. Por causa do desempenho do governo, é cada vez maior a possibilidade de a disputa contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB-PE) ir para o segundo turno. É aí que o “Volta, Lula!” pode despertar as forças poderosas do Monte Olimpo, mas só há uma hipótese de remover Dilma da disputa pela reeleição com sucesso — se ela própria matar sua candidatura.
Correio Braziliense (21/04/14)
E se existisse uma taxa mágica, capaz de prever o futuro de uma eleição? De passagem pelo Brasil no começo de fevereiro, Clifford Young, diretor-gerente do Ipsos, um dos maiores e melhores institutos do mundo, calculou em 85% as chances de Dilma Rousseff se reeleger presidente. Faltou dizer que a previsão tinha prazo de validade - e ele estava expirando.
O que não lhe faltava era confiança, porém. Em abril de 2012, o Ipsos calculou os mesmos 85% de probabilidade de reeleição de Barack Obama nos EUA. Não foi coincidência, mas o resultado do mesmo modelo de projeção baseado em cálculos estatísticos. Como todo modelo, seu sucesso depende da base de comparação - no caso, centenas de eleições pelo mundo - e de algumas assunções.
A principal delas é que quem já está no poder e quer continuar lá tem 2,6 vezes mais chances de vitória do que um candidato apoiado por ele. Por essa assunção, a Dilma de 2014 é uma candidata com mais do que o dobro de chances de vitória do que a Dilma apadrinhada pelo então presidente Lula em 2010.
Quando Mr. Young fez sua previsão, parecia que o governo Dilma estava no limiar do paraíso: 56% de aprovação. Mas a notícia era velha, o quadro já estava mudando - e não era para melhor.
Segundo a tabela de redenção eleitoral do Ipsos, quando o governante tem de 40% a 45% de aprovação, sua chance de reeleição varia imensamente, de 54% a 81%. Pois Dilma está escorregando célere para o purgatório da opinião pública. Nas pesquisas do Ibope, a presidente caiu dos 56% de aprovação em dezembro para 53% em março e, chegou, na semana passada, a 47%.
Para Mr. Young, a presidente só precisa se preocupar se essa taxa cair abaixo de 40% - quando bate nessa marca, a chance de vitória do governante seria a mesma de ganhar no par ou ímpar. Outros cálculos, porém, mostram que o sinal vermelho no Palácio do Planalto já deveria ter acendido em março.
Por trás dos números e porcentagens está o simples desejo do eleitorado de continuar com o mesmo governante ou trocá-lo. Todas as tentativas de predição das urnas se resumem a aferir se a eleição é de continuidade ou de mudança. Se for de continuidade, dá governo; de mudança, oposição.
Contradições. No Brasil os sinais são contraditórios. Enquanto 2 a cada 3 eleitores dizem querer mudar tudo ou quase tudo no governo, a maior parte declara voto em Dilma. Até outubro, essas taxas vão necessariamente se aproximar. Mas qual vai puxar qual? A tentativa de resposta não tem a pompa de um modelo estatístico, mas se baseia na análise histórica das pesquisas do Ibope.
Melhor do que o simples "aprova ou desaprova o governo" é a pergunta que pede ao eleitor para qualificá-lo de "ótimo", "bom", "regular", "ruim" ou "péssimo". Nesse sistema há, além dos sinais positivo e negativo, uma medida de intensidade. Neste momento, por exemplo, a rejeição ao governo Dilma está quase tão intensa quanto ficou logo após os protestos de junho de 2013.
Pesquisa feita pela CEO do Ibope Inteligência, Marcia Cavallari, mostra que a conversão das taxas de "ótimo+bom" e de "regular" de um governante em intenção de voto é praticamente a mesma ao longo dos anos. Nas médias das eleições presidenciais, 84% de quem diz que o governo é ótimo ou bom e 36% de quem o chama de regular acabam declarando voto naquele presidente no 2.º turno.
Como há constantes, é possível criar cenários eleitorais de acordo com as variáveis. Traduzindo: sabendo-se o "ótimo+bom" e o "regular" de um governante dá para estimar qual sua votação no turno final. Se essas assunções estiverem corretas, Dilma precisa melhorar. A presidente necessitaria de ao menos 38% de "ótimo+bom" e de 34% de "regular" para se reeleger, raspando.
Em qual taxa mágica acreditar? Na tranquilizadora, que mostra Dilma ainda na zona de conforto eleitoral, ou na preocupante? Depende do viés de cada um.
Fonte: O Estado de S. Paulo (21/04/14)
"O petróleo é nosso" foi o lema de um grande consenso que embasou o controle estatal do território e dos recursos naturais no Brasil, bem como dos instrumentos de promoção do desenvolvimento econômico nos últimos 60 anos. Para o bem ou para o mal, na ditadura militar ou na democracia, o consenso nacionalista sobrevive ancorado em coisas que nós, brasileiros, identificamos como nossas.
A crise que sacode as joias da Coroa --Petrobras e Eletrobras-- e, surpreendentemente, instala-se em núcleos de excelência como Ipea, IBGE e Embrapa, tem origem para além da política e revela o mal endêmico do patrimonialismo embutido no Estado brasileiro. As coisas nossas estão se tornando "cosa nostra".
A apropriação privada do que é de todos tem, no âmbito do Estado, uma possibilidade de solução política. Podemos investigar, responsabilizar, separar o joio do trigo, sanear as organizações. Mas, e o imenso território da nacionalidade, expropriado do povo pela ganância de poucos, como recuperá-lo?
É difícil dimensionar a tragédia. A organização britânica Global Witness divulgou nesta semana uma lista de 908 ambientalistas assassinados nos últimos dez anos em 35 países. O Brasil é o campeão, com 448 mortes, quase a metade do total. Algumas foram amplamente noticiadas, como a da irmã Dorothy Stang, assassinada em 2005; outras, tratadas com indiferença. Em apenas 1% dos casos os culpados são condenados.
Amanhã é dia de outra tragédia: no 19 de abril, dedicado ao índio --que antes também era "nosso"--, só aqueles que se apropriam de seus territórios e riquezas têm motivos para comemorar. Prossegue, no Congresso Nacional, a tentativa de dificultar as demarcações e facilitar as invasões, com projetos de mudanças nas leis para tornar privado um direito que sempre foi público. Afinal, as terras indígenas pertencem à República, a todos nós, assim como os minérios no subsolo, as águas, as florestas e a biodiversidade.
Para que alguns se tornem "donos da pátria" é necessário tornar aceitável um nacionalismo excludente, etnocêntrico e assentado num sentimento de posse que anula a noção de pertencimento de índios, negros e pobres. O que é entendido como direito natural de uns, pode ser, no máximo, uma concessão que estes fazem aos outros. Esse é o nó central da nacionalidade.
A erradicação desse pernicioso sentimento de posse exigirá tempo e capacidade de autorreconhecimento das parcelas expropriadas da população. Exigirá também um maior senso de responsabilidade com o que é nosso. Felizmente, ainda existem índios, com quem podemos reaprender a ser brasileiros.
Há frases, ditas à direita ou à esquerda, que nos acompanham e martelam, com seu poder de síntese, em variadas circunstâncias, não importa quem as tenha pronunciado. Frases como aquela, atribuída ao neoliberal Milton Friedman, segundo a qual não há almoço grátis, ou a de Mário Henrique Simonsen, de que, se a inflação aleija, as contas externas desarranjadas matam. Já fora do domínio da "ciência lúgubre", cujos cobertores são sempre curtos e onde só o incurável triunfalismo pode decretar, de tempos em tempos, a descoberta da pedra filosofal, pertence a este grupo de sentenças, na política, entre outras, a ideia de que "a clandestinidade mata".
De evidência solar, essa ideia foi expressa por Gildo Marçal Brandão, um dos melhores analistas da trajetória do velho PCB. Gildo pretendia assim resumir o combate interno entre as duas almas do partidão, a militarista (e clandestina) e a civilista, que o acompanharam até quase o fim e se explicitaram de modo contundente, como não poderia deixar de ser, na crise de 1964 e de mudança de regime que daí adviria - da experiência democrática sob a guarda da Constituição de 1946 para o subsequente período excepcional de cerca de 20 anos, ele próprio ritmado por mudanças nada triviais, como a que, em 1968, assinalou o endurecimento repressivo sob a inspiração do Ato Institucional n.º 5 .
A ilegalidade determinada pelo Tribunal Eleitoral, em 1947, não afetou apenas aquele partido, então o mais importante da esquerda marxista (ou marxista-leninista, para usar a expressão da época), mas a própria qualidade da democracia entre 1946 e 1964. Impossibilitou, por princípio, uma coerente dinâmica legalista do PCB, apoiado em sua alma civil, e a consequente ampliação e atualização da democracia brasileira, aproximadamente como acontecia na França e, especialmente, na Itália. Sem dúvida, uma possibilidade entre outras, não passível de comprovação factual, mas sustentada pela crença razoável de que as exigências democráticas pressionam todos os atores e as respectivas agendas, modificando inclusive seus fundamentos de tipo integrista, como os que saturavam o "marxismo-leninismo".
A clandestinidade, porém, mata. No drama de 1964 - enquadrado, ainda por cima, no rígido esquema do bipolarismo internacional, que garantia à direita brasileira a mobilização automática do "campo ocidental" - faltou à esquerda o sujeito que, tal como na crise da renúncia de Jânio Quadros, pautasse a própria ação - e a de todos os demais setores reformistas, em primeiro lugar o PTB - pela defesa da legalidade constitucional a todo custo, ampliando o consenso em torno do presidente legítimo e, consequentemente, encurtando o terreno de manobra dos golpistas de qualquer origem ou orientação.
Isso teria implicado a renúncia à hipótese continuísta de um novo mandato para João Goulart, vedada constitucionalmente. Teria significado, nessa mesma linha, a deflagração do processo sucessório regularmente programado, com a candidatura de Juscelino Kubitschek, um democrata para cuja eleição em 1955 contribuíram os comunistas (na ilegalidade!), e também com a candidatura viável e competitiva de um representante da direita, evidentemente, Carlos Lacerda. Uma esquerda lúcida, civilista, adepta das reformas teria visto tempestivamente, e não só depois do desastre, que até um governo Lacerda, com o que significasse em termos de deixar a iniciativa aos adversários, seria infinitamente preferível a qualquer intervenção militar, com os desdobramentos imprevisíveis que teria, e teve, nos anos seguintes.
Forçoso mencionar, por dever elementar de justiça, o que nesse sentido tem dito reiteradas vezes, ao longo dos anos, um dos últimos grandes dirigentes vivos do velho partidão e protagonista dos fatos de abril (cf. a entrevista de Marco Antônio Tavares Coelho a Luiz Carlos Azedo "Era possível evitar o golpe de 64", Correio Braziliense, 28 de março de 2014). E longe de se esgotar sua validade na explicação do colapso do governo João Goulart, o raciocínio projeta-se para os acontecimentos posteriores. De fato, a alma militarista dos comunistas, incendiada por acontecimentos recentes no Terceiro Mundo, como, em especial, a revolução cubana, conheceria uma revivescimento, reforçado, ainda por cima, por um corte geracional acelerado nos anos 1960, que, sob alguns de seus aspectos mais radicais e intolerantes, não estimulava o convívio democrático e desvalorizava a institucionalidade "burguesa".
O "combate nas trevas" da extrema esquerda militarizada, isolada socialmente e fadada a ser moída nas máquinas de morte montadas com o recrudescimento ditatorial, teve como contrapartida no campo oposicionista a sempre interessante e fecunda aliança entre liberais e comunistas do PCB, alinhados desde o começo no MDB, o "partido consentido" que acirraria as dificuldades do regime mediante formas superiores de luta, que podem ser sintetizadas no mecanismo historicamente decisivo representado pelo voto universal. Uma aliança que, a exemplo das frentes antifascistas dos anos 1930, em alguns casos teve o poder de alterar positivamente a cultura política até mesmo dos PCs stalinizados, ampliando seu raio de influência ao indicar o rumo de afastamento dos vários e entrelaçados aspectos autoritários (e totalitários) do bolchevismo original.
Aqui, porém, não se trata de fazer ou discutir doutrina, mas de saber na prática, a cada momento, se as esquerdas, hoje não mais clandestinas e muitas vezes com poder de mando legítimo, decifraram plenamente o claro enigma das liberdades "burguesas" e o assimilaram a seu patrimônio de valores. De uma resposta positiva a essa questão incessante dependem, em grande parte, as possibilidades de renovação democrática da civilização brasileira.
*Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta. É um dos organizadores das 'obras' de Gramsci no Brasil
O Estado de S. Paulo
As coisas andam esquisitas. Ou sempre estiveram, não sei. Dia agradável de trabalho na Serra da Canastra, revisitei a nascente do São Francisco e vi uma loba-guará se movendo com liberdade em seu território. De noite sonhei com o PT. Logo com o PT.
Sentei-me na cama para entender como os pesadelos do Planalto invadiam meus sonhos na montanha. Lembrei-me de que no início da noite vira a história de André Vargas e do doleiro Alberto Youssef na TV, os farmacêuticos do ar que vendiam remédios dos outros ao Ministério da Saúde. Pensei: esse Vargas é vice, no ano que vem seria presidente da Câmara dos Deputados. Como foi possível a escalada de um quadro tão medíocre? A resposta é a obediência, o atributo mais valorizado pelos dirigentes, antítese de inquietação e criatividade, sempre punidas com o isolamento.
Vargas fazia tudo o que o partido queria: pedia controle da imprensa e fazia até o que o partido aprova, mas não ousa fazer, como o gesto de erguer o punho na visita do ministro Joaquim Barbosa, do STF, ao Congresso. Em nossa era, esse deputado rechonchudo, que poderia passar por um burguês tropical, simboliza o resultado catastrófico da política autoritária de obediência, imposta de cima.
Num falso laboratório, com o nome fantasia de Labogen (gen é para dar um ar moderno), Vargas e Youssef tramavam ganhar dinheiro vendendo remédios ao ministério. O deputado, que ocupava o mais alto cargo do PT na Câmara, trabalhava para desviar dinheiro da saúde! É um tipo de corrupção que merece tratamento especial, pois suga recursos e equipamentos destinados a salvar as pessoas. A corrupção na saúde ajuda a matá-las.
A catástrofe dessa política autoritária se revela também na escolha de Dilma Rousseff para suceder a Lula. Sob o argumento de que os quadros políticos poderiam abrir uma luta fratricida, escolheu-se uma técnica com capacidade de entender claramente que Lula e o PT fariam sua eleição. A suposição de que o debate entre candidatos de um mesmo partido seria ameaçador para o governo é uma tese autoritária. Nos EUA, vários candidatos de um mesmo partido disputam as primárias. E daí?
Lula sabia que um quadro político nascido do choque de ideias seria um sucessor com potencial maior que Dilma para ganhar luz própria. E a visão autoritária de Lula - sair plantando postes nas eleições, em vez de aceitar que novas pessoas iluminassem o caminho - contribuiu para a ruína do próprio PT.
Tive um pesadelo com o PT porque jamais poderia imaginar que chegasse a isso. Os petistas, aliás, carnavalizaram uma tradição de esquerda. Figuras como André Vargas erguem os punhos com a maior facilidade, como se estivessem partindo para a Guerra Civil Espanhola na Disneylândia. E os erguem nos lugares e circunstâncias mais inadequados, como num momento institucional. Um vice-presidente não pode comportar-se na Mesa como um militante partidário. O correto é que tivesse sido destituído do cargo depois daquele punho erguido. Mas o PT e seus aliados não deixariam o processo correr. Ele são fortes, organizados, bloqueiam tudo. Será que essa força toda dará conta do que vem por aí?
Estamos em ano eleitoral e Dilma, nesse cai-cai. É compreensível que as esperanças se voltem para Lula como salvador de um projeto em ruínas. Mas como salvar o que ele mesmo arruinou? O esgotamento do projeto do PT é também o de Lula, em que pese sua força eleitoral. Ele terá de conduzir o barco num ano de tempestades.
Para começar, essa da Petrobrás, Pasadena e outras saidinhas. O vínculo entre Youssef, Vargas e a Petrobrás também está sendo investigado pela Polícia Federal. Mas a relação do doleiro com o governo não deveria passar em branco. Num dos documentos surgidos na imprensa, fala-se que Youssef estava numa delegação oficial brasileira discutindo negócios em Cuba. Por que um doleiro numa delegação oficial? Por que Cuba?
Muitas novidades estão aparecendo. Mas essa do André Vargas, homem influente no partido, um farmacêutico do ar que neste momento deve estar erguendo os punhos no espelho, ensaiando para ser preso, interrompeu meu sono em São Roque de Minas com uma clara mensagem: o PT é um pesadelo.
Tenho amigos que ainda votam no PT porque acham ser preciso impedir a vitória da direita. Não vejo assim o espectro eleitoral. Há candidatos do centro e da esquerda. Que importância tem a demarcação rígida de terrenos, se estamos diante de fatos morais inaceitáveis, como a corrupção na Saúde, o abalo profundo na Petrobrás, a devastação da nossa vida política?
Cai, cai, balão, não vou te segurar. Estivemos juntos quando os petistas eram barbudos e tinham uma bolsa de couro a tiracolo. Mudou o estilo. Agora têm bochechas e um doleiro a tiracolo. Naquela época já pressentia que não ia dar certo. Mas não imaginava essa terra arrasada, um descaminho tão triste.
É um consolo estar nas nascentes do São Francisco, ver as águas descendo para a Cachoeira Casca Danta: o lindo movimento das águas rolando para sentir a mudança permanente. Sei que essa é uma ideia antiga, de muitos séculos. Mas para mim sempre foi verdadeira. É o que importa.
Uma das grandes ilusões da ditadura militar foi interromper a democracia supondo que adiante as pessoas votariam com maturidade. A virtude do processo democrático é precisamente estimular as pessoas a que aprendam por si próprias e evoluam.
As águas de 2014 apenas começaram a rolar. Tanto se falava na Copa do Mundo como o grande teste e surge a crise da Petrobrás. Poucos se deram conta de que, com os sete mortos nas obras dos estádios brasileiros, batemos um recorde de acidentes em todas as Copas. De certa forma, são vítimas da megalomania, do ufanismo, de todas essas bobagens de gente enrolada na Bandeira Nacional comprando refinarias no Texas, deixando uma fortuna nas mãos de um barão belga que nem acreditou direito naquela generosidade. Ergam os punhos cerrados para o barão e ele responderá com uma merecida banana. Gestualmente, é um bom fim de história.
- O Estado de S. Paulo
O folclore político regional sempre nos brinda com novos mitos e lendas, quando não de máximas e atitudes, que atualizam e reforçam antigos hábitos e costumes. Assim o está sendo com a pesquisa eleitoral divulgada pelo jornal “A Gazeta” nesta semana. Aqui analisamos as repercussões, as condicionantes e os antecedentes desta no jogo político regional, para a maneira como os atores constroem expectativas e operam suas estratégias, constroem mundos e cenários, realistas ou imaginários. Veremos que tais especificidades e implicações nos levam ao âmago mesmo do discurso da “unanimidade” e à maneira como este se relaciona ao funcionamento do “mercado político” e mesmo da “geopolítica” regional – expressões que se incorporaram a nosso imaginário político e ao léxico dos jogadores. Veremos que o folclore, os mitos, as lendas encobrem algo que escapa às analises mais superficiais e imediatas.
Desmanche ou repactuação da “Unanimidade”? Ou como vencer uma guerra sem travar grandes “batalhas” opondo países imaginários?
A primeira reação possivel ou cogitada à enquete do Instituto Futura, divulgada esta semana, acerca da sucessão estadual seria: “Mas estão pesquisando por cidades agora?” e “Por quê?”
Pontifica o instituto em seu diagnostico: “No maior colégio eleitoral capixaba (299,5 mil votantes), o socialista larga na frente com 33,5% dos votos, ligeira vantagem sobre os 30,8% do peemedebista na menção estimulada do Instituto Futura para A GAZETA na Avaliação da Gestão.“¹
Não se sabe pela leitura da matéria se está-se diante de um levantamento acerca das eleições vindouras ou acerca da avaliação de administradores públicos correntemente exercendo seus mandatos.
A esta perplexidade decorrente da confusão de objetivos se assomaria a constatação de que não faz sentido pois o colégio eleitoral de Vila Velha ou de qualquer cidade isolada não elege o governador nem senador. Por certo elege deputados estaduais e federais, que tenham seus “distritos” eleitorais excessivamente concentrados – e por isto mesmo vulneráveis.
Mesmo que se aduza que o conhecimento de um resultado num colegio eleitoral local é relevante para recalibrar as estrategias de marketing e investimento de mobilizadores, isto é algo deve constar do relatório final – que é informação PRIVADA do contratante da pesquisa e do instituto – e não dobriefing que é lançado na imprensa.
É possível que se acessarmos o relatório geral vejamos que a pesquisa dá uma vantagem muito ampla ao governador, como notado por outros observadores da cena política.
Não poucos notarão que há ao menos um precedente para isto na historia eleitoral recente do ES: na década passada diriam que determinados setores “manipularam” pela margem de erro e pelo timing de divulgação das pesquisas visando deixar o então candidato Max Mauro em desvantagem sistematica (omitindo os ganhos de densidade e volume da candidatura ao governo estadual) nas semanas da vespera do pleito de 2002. A estas falhas de mercado que acentuam os riscos morais (moral hazards) (e não apenas meramente políticos) em que se envolvem os agentes econômicos no mercado, voltaremos a mais adiante.
Em princípio deixaríamos apenas ao Palácio e seus acólitos a leitura dos numeros e a “digestão” dos mesmos, como que a mais um factóide oportuno e conveniente. Mas ainda assim não resistimos à necessidade de oferecer nosso mesmo entendimento.
Eis que as forças do “Hartunguistão”, hoje representado através do PMDB e do DEM, e em menor escala, o PSDB, buscou cobrir o seu flanco mais vulnerável, a saber, a gestão mal-fadada do prefeito Rodney Miranda na cidade de Vila Velha, a mais afetada pelos eventos climáticos da virada do ano.
Estrategicamente o movimento foi louvável pois indica uma proatividade e uma assertividade maiores que as demonstradas pelo próprio governo em face de suas fraquezas e debilidades.
Contudo, o alinhamento de circunstancias endógenas e exógenas da política regional ainda favorece a coalizão governante de centro-esquerda, a começar pelo suporte muito próximo do governo federal nos esforços de reconstrução pós-chuvas. Em seguida pelos investimentos produtivos e de infraestrutura que foram retomados ou se acham em vias de o serem – exemplo do aeroporto de Vitória e outros empreendimentos.
E, por fim mas não menos importante, pela estreita colaboração do PT e do PMDB na esfera federal para neutralizar os planos eleitorais de Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos/ Marina Silva (PSB/REDE). Esta ultima condicionante por certo tolhe movimentos do governador mas também do seu predecessor no cargo, praticamente congelando ou desencorajando os prospectos de vir a ser o esteio da candidatura tucana no ES – como não foi ou se negou a ser no passado.
Em verdade isto toca precisamente no aspecto psicológico ou comportamental que é fulcral à questão que se coloca: a extrema e arraigada aversão ao risco dos atores políticos, que no caso do hartunguismo é genética, visceral.
Do mesmo modo não é crível que uma CPI (ampla) da Petrobras/Metro/Suape vá adiante em sua operacionalização no Congresso, nem tanto pela sobrecarga do escopo ou foco difuso dos fatos investigados, e mais pela pouca disposição dos maiores partidos envolvidos em mancharem deliberada e indelevelmente suas imagens em ano eleitoral – e por, conseguinte, se privarem deliberadamente de “fontes” vultosas inauditas de recursos de campanha eleitoral.
Em assim sendo, tanto as oposições regionais quanto suas congêneres nacionais tendem a manter o status-quo imobilizado dada a indisposição de travar combate. Não cabe falar de “batalhas” vindouras (Itararé, Stalingrado) nem mesmo em sentido alegórico, dada a condição de absoluta falta ou precariedade das “armas” à disposição dos contendores.
Portanto, não é crível a hipótese corrente de que os políticos capixabas sofram duma espécie tropical de Maclellanismo Eleitoral², como se aventa. Mas sim, de que se esteja presenciando mais um episódio em que se manifesta a prevalência da “racionalidade dos caranguejos”, caracteristica marcante do modo de fazer política no Espírito Santo, nossa singularidade – se é que se pode falar de uma.
Hartung, assim como Aécio (e mesmo Eduardo Campos) não se armaram adequada e suficientemente a ponto de poder desencadear uma ofensiva que reverta a estratégia dominante do governismo, para poder sobrepuja-lo e ditar os contornos, a dinâmica e os temas relevantes do conflito político.
Por certo, a “Rodneylandia” não é o único flanco em aberto que os acólitos do governo anterior enfrentam, como se nota pelo comportamento do senador Ferraço (PMDB) ao prometer apoio à reeleição do governador, numa virada que surpreendeu tanto os correligionários de seu mesmo campo, quanto os observadores de sua postura na Camara alta do parlamento federal. Ao alternar entre o oposicionismo na arena nacional e o situacionismo na arena regional, o herdeiro da oligarquia sulista certamente reeditou o duradouro habitus adesista e ambivalente da cultura política em que foi socializado – e em nome do qual fora preterido na sucessão do próprio Hartung, em 2010.
Não por acaso, os demistas que se colocaram na linha de frente do prefeito de Vila Velha, em especial o atual e o ex-presidente da Assembléia Legislativa, respectivamente deputados Elcio Alvares e Theodorico Ferraço, contra-atacaram a antiga administração da cidade canela-verde – leia-se Neucimar Fraga, que, ao passo em que se soma ao governismo regional, cerra fileiras tradicionalmente com o jovem senador, acometido duma súbita inflexão estratégica em sua carreira política.
A presente crise sucessória não assinala um “racha na base de governo” e tampouco a exaustão do que se convencionou chamar de “unanimidade” no discurso politico, como apontou a articulista do Século Diário³. Mas trata-se de uma cisão dentro do mesmo PMDB, ele mesmo a legenda pivotal do sistema politico regional e nacional, cisão esta que deixará sequelas muito duradouras a exemplo das que ocorrem em outros estados bem como na esfera federal. Os “caranguejos” metafóricos que habitam o peemedebismo – alguns de facto muito chegados ao estado putrefato das substancias que os alimentam -, aqui como em Brasília e outros estados, por certo não sabem ao certo para onde ir conjuntamente e, nesta desorientação, escolhem racionalmente as opções que maximizam seus prospectos de medio ou de longo prazo.
Hartung sabe muito bem que o ES está muito longe de virar o “Hartunguistão” sonhado pela Rede Gazeta e pelo Movimento Empresarial do ES (neste caso pela ótica detratora das mídias alternativas), como também por diversos analistas de variadas persuasões ideológicas e intrincadas conexões politicas. Do mesmo modo, o governador e os seus também sabe que a perpetuação por tempo indeterminado da “República de Castelo” (que chamamos aqui “Casagrandelandia”) é uma miragem irrealista. Só que no primeiro caso o projeto é sabotado pela saturação de material negativo (inquéritos judiciais, Rodney, denuncias de improbidade administrativa etc) no que difere do segundo caso.
A aposta geral do mercado politico é que Hartung está ensaiando outro blefe e não será candidato ao governo. Ao passo em que Casagrande, se quiser apoio do Planalto, vai ter que negar a Eduardo Campos a única ‘cabeça de ponte” que o PSB dispõe na região sudeste, sob a pena de ficar isolado das prioridades do governo federal. Coser e a solida maquina politica em que o PT ES se transformou estaria com a faca e o queijo e também a goiabada nas mãos para emplacar a campanha ao Senado se não houvessem Malta e também o candidato do governador, delegado Contarato, para complicar os seus prospectos, como se nota pela pesquisa recém divulgada (ver a imagem). Ao fim e ao cabo, cumpre dizer uma vez mais e sempre, pela natureza de nossa mesma cultura politica somos medrosos e arredios como caranguejos, temos uma intensa aversão ao risco – e PH expressa isto melhor que ninguém, assim como os outros dois.
Não sabemos se a pesquisa terá um impacto duradouro no mercado politico regional como se alardeia. Nem sequer sabemos a extensão ou a profundidade possivel destes. Para começar, em verdade a expressão “mercado politico” é propiciadora mais de confusões do que de esclarecimentos. A mesma tem um certo valor em certas disciplinas de Humanidades (Economia e ciência politica são as mais obvias…) e foi incorporada ao vocabulário (por vezes ao anedotário…) da politica regional na ultima década, assim como “geopolítica” e “arranjo institucional” sem que as pessoas refletissem seriamente acerca do seu significado. Pela lógica, mercado rima com competitividade e esta premissa é contraditória com o corolário da “unanimidade”. Pensando bem, como não existe competição perfeita nem na teoria nem na prática, o episodio se nos torna muito mais rico em especificidades e implicações, como se verá.
Com respeito às potenciais suspeitas e acusações de que a pesquisa se acha “manipulada” cumpra assinalar que o mesmo é valido para o arraigado habito de pensamento que instintiva e automaticamente atribui a todo e qualquer grupo de interesses solidamente organizado e atuante no espaço publico (MEES, Ipes/IBAD, Instituto Millênium…) o rotulo de “partido”, o que não reflete nem a vocação (muito menos abrangente e inclusiva) destes primeiros quando comparados aos últimos, assim como os papéis – representar nas arenas de governo é uma coisa, outra é financiar alguém que se pretende que o represente; se acha ausente a relação de delegação do representante para o representado no caso dos grupos de interesse mas se acha ou deve estar absolutamente cristalina e presente no caso dos partidos – e métodos de atuação – o fato de alguém financiar algum candidato não nos torna absolutamente predictável as ações deste no Executivo ou Legislativo, o teor absoluto das medidas que serão aprovadas ou implementadas. Por certo, a maneira como estes grupos de interesse operam e impactam o “mercado político” exacerbando as posições oligopólicas e mesmo monopólicas de determinados agentes e suas posições no jogo, refletem não apenas imperfeições intrínsecas a este mesmo campo, mas à mesma economia de mercado.
Certamente o MEES não perdeu poder ou influencia com o governo da centro-esquerda liderado por Casagrande haja vista a prevalência (digo prevalência não “dominância” e não “hegemonia” que são termos mais consagrados porem com significado e repercussões muito peculiares) da agenda “ES 2030″ nas ações do governo.
Com respeito à sociedade civil mais ampla o que se verifica é um problema mais amplo de apatia e desorganização que caracteriza as maiorias vis-à-vis as minorias – estas ultimas efetivamente povoaram, colonizaram a esfera publica para defender seus interesses empresariais e rentistas enquanto as primeiras foram imobilizadas pelos partidos que detem maior controle sobre os meios de mobilização social (notadamente o PT relativamente à CUT e as CEBs e o PSB relativamente à FETAES e certos segmentos juvenis).
Daí a sensação de que o personalismo tomou conta, assim como as maquinas politicas nele calcadas. A sensação realmente é a de que vivemos hora no “Hartunguistão” (como querem, por motivos opostos, o Século Diário e A Gazeta) hora na “Casagrandelândia” (como pretende a centro-esquerda palaciana). Com respeito ao Cel. Aurich apenas o tempo dirá se tem viabilidade e amplitude eleitoral. Por certo entra para dividir votos e financiamentos eleitorais.
Numa jogo político assim, saturado de folclore e de imaginação, como também de manobras e discursos os mais burlescos e dissimuladores, se tornam muito pervasivos os riscos morais (moral hazards) (e não apenas meramente políticos) em que se envolvem os agentes econômicos no mercado (neste caso os institutos de pesquisas), e os atores políticos no cenário representativo. Tanto num caso como no outro, aos custos de negociação mais característicos dum mercado marcado pela mais imperfeita competição (tanto que se diz popularmente caracterizar-se pela “unanimidade”) vão se deteriorando progressiva e talvez irremediavelmente, assim como os riscos envolvidos. E isto se torna algo mais duradouro e profundo que a constatação corriqueira do quão personalistas e irracionais se afiguram as andanças de nossos “caranguejos”.
É isto o que as batalhas folclóricas e os “países” imaginários encobrem.
A lembrança dos 50 anos da queda de João Goulart ocupou amplo espaço na imprensa. Nenhum outro acontecimento da história do Brasil foi tão debatido meio século depois do ocorrido. Para um otimista, isto poderia representar um bom sinal. Afinal, o nosso país tem uma estranha característica de esquecer o que ocorreu ontem. Porém, a reflexão e o debate sobre 1964 e o regime militar acabaram sendo dominados justamente por aqueles que conduziram o país à crise da república populista e que negaram os valores democráticos nos anos 1960-1970.
A tendência à hagiografia mais uma vez esteve presente. João Goulart foi transformado em um presidente reformista, defensor dos valores democráticos e administrador capaz. Curiosamente, quando esta narrativa é cotejada com relatos de assessores, como o ministro Celso Furtado, ou de um amigo, como o jornalista Samuel Wainer, cai por terra. Furtado, em entrevista à revista “Playboy” (abril, 1999) disse que Jango “era um primitivo, um pobre de caráter”. Wainer relatou que “uma vez por mês, ou a cada dois meses, eu visitava os empreiteiros e recolhia suas doações, juntando montes de cédulas que encaminhava às mãos de João Goulart. (…) Eu poderia ter ficado multimilionário entre 1962 e 1964. Não fiquei.” (“Minha razão de viver”, p. 238).
Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964. A quebra da hierarquia militar incentivada pelo presidente da República é sabidamente conhecida. A gravidade da crise econômica e a inépcia governamental em encontrar um caminho que retomasse o crescimento eram mais que evidentes. O desinteresse de Jango de buscar uma solução negociada para o impasse não pode ser contestado: é fato. O apego às vazias palavras de ordem como um meio de ocultar a incompetência político-administrativa era conhecido. Conta o senador Amaral Peixoto, presidente do Partido Social Democrático, que em conversa com Doutel de Andrade, um janguista de carteirinha, este, quando perguntado sobre o projeto de reforma agrária, riu e respondeu: “Mas o senhor acredita na reforma agrária do Jango? No dia em que ele fizer a reforma agrária, o que vai fazer depois?” (“Artes da política”, p.455)
Também causa estranheza a mea culpa de alguns órgãos de imprensa sobre a posição tomada em 1964. A queda de Jango deve ser entendida como mais um momento na história de um país com tradição (infeliz) de intervenções militares para solucionar crises políticas. Nos 40 anos anteriores, o Brasil tinha passado por diversas movimentações e golpes civis-militares. Basta recordar 1922, 1924, Coluna Prestes, 1930, 1932, 1935, 1937, 1938, 1945, 1954, 1955 — tivemos três presidentes da República e dois golpes no mês de novembro – e 1961.
Jogar a cartada militar fazia parte da política. E nunca tinha ocorrido uma intervenção militar de longa duração. Esperava-se um governo de transição que garantisse as eleições de 3 de outubro de 1965 e a posse do eleito em 31 de janeiro de 1966. Esta leitura foi feita por JK — e também por Carlos Lacerda. Os dois principais antagonistas da eleição que não houve imaginavam que Castello Branco cumpriria o compromisso assumido quando de sua posse: terminar o mandato presidencial iniciado a 31 de janeiro de 1961.
JK imaginou que Castello Branco era o marechal Lott e que 1964 era a repetição — um pouco mais agudizada — da crise de 1955. Errou feio. Mas não foi o único. Daí a necessidade de separar 1964 do restante do regime militar. Muitos que foram favoráveis à substituição de Jango logo se afastaram quando ficou patente a violação do acordado com a cúpula militar. Associar o apoio ao que se imaginava como um breve interregno militar com os desmandos do regime que durou duas décadas é pura hipocrisia.
Ainda no terreno das falácias, a rememoração da luta armada como instrumento de combate e vitória contra o regime foi patética. Nada mais falso. Nenhum daqueles grupos — alguns com duas dúzias de militantes — defendeu em momento algum o regime democrático. Todos — sem exceção — eram adeptos da ditadura do proletariado. A única divergência é se o Brasil seguiria o modelo cubano ou chinês. Não há qualquer referência às liberdades democráticas — isto, evidentemente, não justifica o terrorismo de Estado.
A ação destes grupos os aproximaram dos militares. Ambos entendiam a política como guerra — portanto, não era política. O convencimento, o respeito à diversidade, a alternância no governo eram considerados meras bijuterias. O poder era produto do fuzil e não das urnas. O que valia era a ação, a força, a violência, e não o discurso, o debate. Garrastazu Médici era, politicamente falando, irmão xifópago de Carlos Marighella. Os extremos tinham o mesmo desprezo pelo voto popular. Quando ouviam falar em democracia, tinham vontade de sacar os revólveres ou acionar os aparelhos de tortura.
Em mais de um mês não li ou ouvi qualquer pedido de desculpas públicas por parte de ex-militantes da luta armada. Pelo contrário, se autoproclamaram os responsáveis pelo fim do regime militar. Ou seja, foram derrotados e acabaram vencedores. Os policiais da verdade querem a todo custo apagar o papel heroico da resistência democrática. Ignoraram os valorosos parlamentares do MDB. Alguém falou em Lysâneas Maciel? Foi ao menos citado o senador Paulo Brossard? E a Igreja Católica? E os intelectuais, jornalistas e artistas? E o movimento estudantil? E os sindicatos?
Em um país com uma terrível herança autoritária, perdemos mais uma vez a oportunidade de discutir a importância dos valores democráticos.
Fonte: O Globo
Seis sinais extraídos das pesquisas Datafolha e Ibope divulgadas nas últimas semanas sobre a corrida presidencial:
1. A eleição presidencial caminha para o segundo turno
Embora Dilma Rousseff ainda tenha mais intenções de voto do que seus adversários mais prováveis juntos, sua vantagem vem diminuindo pouco a pouco. Na simulação com Marina Silva no lugar de Eduardo Campos como candidata do PSB na mais recente Datafolha, a soma dos rivais já supera a presidente em intenções de voto: 43% a 39%.
É um cenário improvável, mas mostra que quando há um nome menos desconhecido na parada, Dilma perde uma franja de seu eleitorado para a oposição. Mesmo que Marina não seja candidata a presidente, o efeito pode vir a se repetir com outros nomes à medida que eles se tornarem mais reconhecidos pelos eleitores.
À tendência recente das pesquisas, soma-se o peso da história. Nem Luiz Inácio Lula da Silva nem Dilma em situações mais favoráveis conseguiram se eleger no primeiro turno. Em 2006 e 2010, os saldos de popularidade do ex-presidente eram maiores do que é hoje o de sua sucessora. A popularidade rege a votação.
2. Aumenta a chance de pulverização dos votos
Não é um cenário tão pulverizado quanto o de 1989, mas os candidatos nanicos estão roubando votos dos favoritos como há muito não acontecia. Na pesquisa Datafolha eles já somam 6% das intenções de voto. Pastor Everaldo (PSC), Eduardo Jorge (PV) e outros do mesmo porte mostram que podem crescer durante a campanha e favorecer a realização de um segundo turno.
Não é só Dilma que eles podem atrapalhar, porém. O fato de os nanicos estarem saindo do zero é um sinal de que Aécio Neves (PSDB) e Campos não são suficientemente conhecidos nem têm sido convincentes o bastante para conseguirem atrair todos os eleitores que estão saindo da órbita de Dilma.
A dificuldade de fazer uma pré-campanha eficiente por causa da Copa do Mundo no Brasil e a vantagem excepcional de Dilma em exposição na propaganda na TV e no rádio vão tornar ainda mais difícil para Aécio e Campos se destacarem dos nanicos. Fica assim mais aberta a disputa pela segunda vaga no segundo turno.
3. Mudança depende de haver um novo rumo claro
O desejo de mudança brota da insatisfação. A insatisfação vem da perda da perspectiva de melhora de vida por grande parte da opinião pública. Salvo o Nordeste, no resto do Brasil os avanços da era Lula já foram assimilados e não propulsionam Dilma tanto quanto antes. Mais do mesmo não levará a presidente à reeleição.
Se não acreditam que o rumo está certo, os passageiros pressionam o capitão a corrigi-lo. A presidente tem duas opções: sinalizar com mudanças em um eventual segundo mandato, ou responder com a difusão da incerteza. Foi a narrativa de Fernando Henrique Cardoso na campanha de 1998. O medo de perder o rumo foi mais forte do que a esperança de mudar o curso.
4. Pessimismo econômico e mau humor são os inimigos de Dilma
Previsões coletivas de que a inflação vai aumentar são autorrealizáveis. Quando a grande maioria da população começa a acreditar nesse prognóstico, qualquer aumento abusivo de preço parece descontrole inflacionário. O tomate excepcionalmente caro sanciona a expectativa negativa e a cultura da indexação faz o resto. Salários perdem poder de compra, e o governo perde poder. Ponto.
5) O que estará em jogo na Copa é o orgulho de ser brasileiro
Mais do que o resultado da competição, a imagem projetada pela organização da Copa é o que mais tende a influir na eleição. De nada adiantará a seleção ser campeã se o sentimento dos anfitriões for o de vergonha por não terem feito uma boa festa. Especialmente se faltar água e luz. A sorte de Dilma depende menos de Felipão do que das construtoras e da meteorologia.
6) O "Volta, Lula" é uma armadilha disfarçada de último recurso
Substituir Dilma por Lula na chapa petista é um jeito rápido de enterrar a biografia de um e admitir a incompetência de ambos.
Fonte: O Estado de S.Paulo
Ex-preso político, José Arlindo diz que esquerda comente dois erros: dissociada da realidade, não previu o golpe; isolada da sociedade, optou pela luta armada
Por Ayrton Maciel – Jornal do Commercio (PE)
Dissociada da realidade do Brasil, distante das organizações sociais e sem lideranças relevantes nos movimentos de massa e nos sindicatos, uma vez que os líderes haviam migrado para o setor público. Esse era o estágio no qual chegou a esquerda em 1964, que tinha à frente o Partido Comunista Brasileiro (PCB, o Partidão) como a locomotiva das mudanças no País, nos dias que antecederam o 31 de março.
Passados 50 anos do golpe, a esquerda brasileira - na avaliação do ex-militante estudantil, ex-preso político, sociólogo e professor do programa de pós–graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPA), José Arlindo Soares - ainda não fez a autocrítica da sua participação no antes e no pós-64.
“Houve um equívoco na luta armada porque ela era incompatível com a realidade nacional, com as relações de forças, com a cultura nacional, o que provocou o isolamento da esquerda”, deduz José Arlindo em entrevista ao Jornal do Commercio sobre o golpe, a ditadura e as consequências de 64.
JORNAL DO COMMERCIO – Nos meses que antecederam o Golpe de 64, a esquerda fez uma avaliação equivocada de cenário e circunstâncias), por isso também teve um diagnóstico equivocado? Não dimensionou que esse processo poderia ser quebrado por um golpe?
JOSÉ ARLINDO SOARES - Foi um golpe não só militar, mas apoiado por setores civis e com a omissão do Congresso Nacional, porque a maioria do Congresso, que sustentava o próprio governo, a aliança PTB-PSD não apoiava as propostas de reforma de base. Uma minoria do PSD apoiava as reformas. Então, quando veio o golpe, veio a omissão. Juscelino Kubischeck votou na eleição indireta para a eleição de Castelo Branco (Humberto Alencar, general primeiro presidente militar) e orientou o voto. Ulisses Guimarães, também. Depois, Ulisses muda de posição ao longo da resistência. E só uma parte minoritária do PTB, que foi cassada, é que estava defendo (as reformas de base). Quando estudei o governo Arraes (1963-1964), analisei detidamente todas as greves de 1946 a 1964, e conclui que o movimento de massa vai saindo do setor privado e se abrigando no setor público. Ele ele ficou sem nenhuma organização de base no momento da resistência. Teve alguma resistência de um dia no setor ferroviário, alguma coisa nos bancários, uma passeata muito espontânea contra a deposição e teve a resistência de dignidade de Arraes ao não renunciar diante dos militares.Mas não um movimento orgânico de resistência.
JC – O senhor diz que a esquerda tinha perdido a capacidade de diálogo, de falar para as massas, e se limitava a falar para o mesmo segmento da sociedade - aquele ideologizado, a própria esquerda - terminou por contribuir para o Golpe de 64?
JOSÉ ARLINDO – Existia grande movimentos de massa, mas não existia uma análise da relação de forças conjunturais, da conjuntura, do entorno. Por exemplo, a proposta de reformas de base teria de ser aprovada pela maioria de um Congresso que era conservador. A aliança que sustentava o Jango não tinha solidez ideológica para aprovar aquela reforma de base e a esquerda trabalhava como se aquilo fosse um processo linear que ia desembocar na reforma de base. Para fazer as reformas de base, ou teria de ter paciência e esperar o longo processo de eleições que teriam pela frente ou fazer uma ruptura institucional como Brizola propôs no comício do dia 13 (de março de 1964, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro). Só que para fazer uma ruptura institucional não era apenas contar aquele povo que estava ali, era verificar como é que estavam as Forças Armadas, e se existia um empresariado nacional capaz de apoiar essa aliança desenvolvimentista. Acho que faltou essa análise de conjuntura de relações força, isso sem falar na questão internacional e no aguçamento da Guerra Fria com os Estados Unidos incentivando a deposição de governos progressistas.
JC - Então, a esquerda estava convencida de que se encontrava tão próxima do governo que achava irreversível o processo para chegar ao poder?
JOSÉ ARLINDO – Ela tinha perdido o contato com a realidade e com as organizações de base. Os Castelistas (militares alinhados com Castelo Branco) achavam que, no primeiro momento, eles não estavam unificados sobre qual seria a metodologia, o modelo de governo que queriam. Tanto que os partidos anteriores ao golpe continuaram existindo e chegaram mesmo a realizar eleições, em 1965, para governadores de vários Estados, tendo a oposição, com candidatos muitos moderados, ganhando em dois Estados. Ai, veio a pressão dos mais radicais para endurecer o regime, e o AI-2 inicialmente cassou os comunistas, os líderes mais proeminente que poderiam fazer alianças com comunistas, sindicalistas e intelectuais. Os Castelistas entendiam que, sem esse grupo, o regime podia continuar normalmente. Do outro lado, o grupo mais de direita e estruturado organicamente, achava que era preciso fazer uma limpeza radical na classe política e mudar todo o sistema. Foi quando o AI-2 acabou com os partidos e tirou as eleições diretas. É a radicalização do governo em cima da classe política. É ai que teve a oposição de Carlos Lacerda, Juscelino, porque eles e alguns políticos consideravam que os militares iam só arrumar a casa para devolver o País à normalidade democrática.
JC - Esse endurecimento não foi suficiente para tranqüilizar o regime?
JOSÉ ARLINDO - Porque foi um período muito ruim para o governo militar. Há uma crise econômica, o monetarismo desorganiza a economia do País, há uma depressão e uma parte da legitimidade adquirida na classe média começa a perder força. Nasce aí uma outra oposição, que não é mais aquela dos líderes políticos, mas do novo segmento que é a classe média, através do movimento estudantil, mais forte em São Paulo, Rio e Ceará. A repressão também era desigual, ainda não tinha sido instituído o sistema unificado de repressão pelo modelo DOI-Codi (Departamento de Operação e Informação, do Exército). Existia, mas ainda não sistematizada pelo regime militar. Essa fase do movimento estudantil foi uma fase de ouro da resistência, porque aproximou a oposição da sociedade.
JC - A relação que tinha sido perdida pela esquerda, antes do golpe, é retomada a partir dos estudantes pós-golpe?
JOSÉ ARLINDO - Exatamente. Essa resistência aproxima, então se faz um movimento de ruas com apoio das famílias. Havia uma grande aceitação daqueles estudantes na rua e de condenação e repúdio à ditadura e aos métodos de repressão. Ao mesmo tempo, se articulou alianças junto ao que dos partidos políticos, no caso o MDB (oposição permitida).
JC - Passados 50 anos do Golpe de 64, a esquerda não fez a autocrítica da sua participação nos fatos e circunstâncias pré-Golpe de 64. Por quê?
JOSÉ ARLINDO - Aí começa um outro grande equívoco da esquerda que é muito difícil falar, porque muitas pessoas tiveram suas vidas sacrificadas. Entre 64 e 68, a direita se organizava, tentava se unificar. Não foi fácil a luta entre as diversas facções militares, não foi fácil. Ela se organizou no AI-5. A pressão das massa, a passeata dos 100 mil (no Rio, de protesto contra a ditadura militar, em junho de 1968), a presença forte de intelectuais nas ruas, no teatro, na música popular, a greve de Osasco (São Paulo), isso fortaleceu a ala mais à direita que queria estruturar um sistema de repressão. Nesse ínterim, formou-se à margem do regime político um sistema repressivo. Claro que os caras (líderes militares) tinham o domínio, podiam não saber os detalhes, mas sabiam que tinha um sistema funcionando, que estava se organizando até 68. Não estou dizendo que o sistema foi provocado, que a repressão foi provocada pelos estudantes. Não, não foi. Os militares tinham certeza de que era preciso recrudescer a repressão. Eles estavam só estabelecendo o momento. No final de 68, depois do Congresso (clandestino) da União Nacional dos Estudantes (UNE) de Ibiúna (São Paulo), uma parte da esquerda estava convencida que era preciso partir para a luta armada.
JC – A inexistência da autocrítica sobre 64, de forma sistemática e coletiva, denota a dificuldade de assumir responsabilidades?
JOSÉ ARLINDO - É, não tem. Todo mundo tem dificuldade de se abrir completamente, e vai ter muitas discussões sobre isso. Essa questão da luta armada é uma coisa difícil (de discutir) pelo sacrifício pessoal que as pessoas tiveram. Não digo pré-64. O Prestes (Luiz Carlos) nunca explicou porque é que ele disse que estavam no governo, mas não estavam no poder, uma semana antes do golpe. Agora, a crítica não pode ser confundida como um contraditório da anistia. Uma coisa é o esquema da repressão, que haveria de qualquer forma, e que mereceria e merece punição, é violação dos direitos humanos. E é merecida a anistia aos presos. Outra coisa é dizer que houve um equívoco na luta armada porque (ela) era incompatível com a realidade nacional, era incompatível com as relações de forças, com a cultura nacional e provocou o isolamento da esquerda durante alguns anos”.
JC - Então, a esquerda equivocou-se na análise antes de 64 e cometeu um segundo equívoco de avaliação em 68, ao optar pela luta armada?
JOSÉ ARLINDO - Eu acho. O PCB não foi (para a luta armada), embora ele sofra (também) a repressão. Uma parte da esquerda, principalmente a jovem e estudantil, que fez uma crítica ao Partidão pela inanição, sai e vai para o PCBR, cria-se a Ação Libertadora Nacional (ALN). Boa parte dos grupos era dissidência do Partidão. Optam pela luta armada, que favoreceu ao isolamento, que levou a esquerda para um gueto. Um exemplo foi a Guerrilha do Araguaia, do PCdoB, que na concepção do campo cercar a cidade, vai se dar numa área absolutamente inóspita, sem nenhuma concentração de camponeses e nenhuma concentração de pequenas propriedades, não caracterizando a contradição do latifúndio. Era uma área de floresta. Longe das massas, longe de qualquer organização operária e de qualquer organização camponesa. Concepção que já havia fracassado na África e na Bolívia ( com Che Guevara).
JC - Mas era o mesmo modelo de Cuba?
JOSÉ ARLINDO - Um ilha, um País historicamente diferente. Aqui, a esquerda se isola, tanto a esquerda armada como a que eu pertencia, que também entra para a clandestinidade, o que foi uma imposição do AI-5. Era preciso organizar e mobilizar os sindicatos para uma insurreição. Só que esse discurso, que não era armado, era também um discurso que não batia na consciência da classe operária. Nós nunca conseguimos mobilizar as massas nessa direção da insurreição. Tínhamos uma participação na greve de Osasco (siderúrgicas em São Paulo), em 1968, mas em uma frente muito ampla. Já se disse que isso aguçou a repressão, pode até ter favorecido, mas a repressão já tinha uma lógica, que vinha se organizando dentro do sistema. Uma repressão paralela, embora consentida, ao regime militar. Falava-se à época que havia o sistema, que era aquilo que não se via, mas que existia. O sistema era o regime (o governo). Não acho que a luta armado tenha favorecido à repressão. Ela pode ter sido utilizada como pretexto, mas já havia uma lógica. Depois de 1967, o regime já tinha decido por aniquilar, não mais combater, mas aniquilar a esquerda.
JC - No final de 68, o general Costa e Silva decreta o AI-5, rasgando todos os direitos civis constitucionais, cassando mandatos e fechando o Congresso.
JOSÉ ARLINDO - O regime se reorganizou e tem início o milagre econômico. De 68 a 1973, a média anual de crescimento foi de 9,5%. Período de maior enfrentamento entre o regime e a luta armada. Perdemos os laços (sociais). Enquanto na fase da mobilização de massas (pré-68), havia o apoio de familiares e da sociedade, quando vem a fase da clandestinidade, os grupos (de resistência) ficam dependentes da sobrevivência, numa penúria (para atividades, ações, deslocamentos, contatos). Cada vez mais se isolavam e até o trabalho de massa ia se perdendo os contatos. A esquerda armada achava que tinha o contato (com a sociedade) pela propaganda armada, até via momentos cinematográficos, como o sequestro do embaixador norte-americano ( Charles Burke Elbrick, no Rio), e a desapropriação de armamentos (4º Regimento de Infantaria de Quitaúna, São Paulo) por Carlos Lamarca (capitão do Exército). Mas a continuidade disso levou ao homem o comum o medo e o isolamento (dos grupos).
JC – O maior exemplo disso foi o do PCdoB ao deflagrar a Guerrilha do Araguaia?
JOSÉ ARLINDO - A idéia das organizações era a de realizar ações armadas urbanas para se fortalecer e irem para o campo. Todas tinham essa mesma perspectiva. O PCdoB decidiu ir para a guerrilha rural, numa área incompatível com o próprio modelo que pregava, que era a lógica de Mao Tse Tung (líder da Revolução Chinesa). Mao trabalhou nas próprias cidades, mobilizando onde havia trabalhadores, onde existiam as contradições. No Araguaia, não tinha a base da contradição, que era a população rural organizada. Um equívoco.
JC - No começo dos anos 70, o povo começa a sinalizar que estava esgotado e queria liberdade?
JOSÉ ARLINDO - Em 1970, já havia sido os votos nulos. Teve uma repercussão o discurso (do regime) contra a esquerda, que quase aniquila com o MDB. A população estava completamente desmotivada para a política. Havia a repressão, ausência de qualquer liberdade e aí veio a avalanche de votos nulos. Em 1973, começam os sinais da crise econômica, a retomada da inflação e, nas eleições de 1974, vem a terceira fase da resistência. É a própria população que indica o caminho. A população indica o voto no MDB. Ganhou em 22 Estados ( eleição para o Senado). Houve uma repercussão no mundo, mesmo assim a repressão ainda matou parte do Comitê Central do PCB. Mas, aquela vitória do MDB foi responsável pela abertura lenta, gradual e segura do general (Ernesto) Geisel.
JC - O regime não tinha mais como postergar o processo para o seu fim?
JOSÉ ARLINDO - A gente tendia a pensar que só existe vida inteligente dentro dos partidos. Havia uma movimentação na sociedade, a Igreja tinha ampliado seus tentáculos sociais para os bairros, profissionais liberais começavam a se organizar e davam vitalidade à oposição ao regime. Deduzi: existe vida inteligente fora dos partidos marxistas. Existe uma sociedade nova, um campo de frente democrática eleitoral e social de resistência. Então, a legitimidade do governo militar é abalada na classe média, entre setores do empresariado, ressurge o movimento estudantil e as denúncias de violação dos direitos humanos toma uma dimensão maior, que sai da base da Igreja e é assumida por parte da sua cúpula. Isso vai mudando bastante as relações de força, que se estabelece na discussão sobre a anistia (1979), as libertação dos presos políticos e a volta dos exilados.
JC - Foi a última fase da resistência ao Golpe de 64?
JOSÉ ARLINDO - A última fase da resistência é essa, na qual novas forças entram em cena, novos personagens, organizações sociais, o chamado novo sindicalismo, que é oriundo do velho, que mudou por dentro. Aliás, a estrutura sindical é a coisa mais duradoura no Brasil (vem do Estado Novo), passou pela redemocratização de 1946 e os militares mantiveram a sua estrutura. O sindicalismo continua seguindo a sua trajetória tradicional.
JC - E a geração de 1968, por onde anda?
JOSÉ ARLINDO - Boa parte voltou-se para atividades técnicas ao sair da prisão, outra parte menor tornou-se militante e dirigente política. Uma parte no PT, outros no PSDB. Muitos trabalharam nos movimentos sociais. A geração maior entre 64 e 68, do movimento estudantil, chegou parcialmente ao poder através de Dilma. Porque Lula não é nem dessa geração, ele chega via estrutura sindical quando a ditadura está já no período claudicante. Uma parte dos que tiveram militância clandestina chegou ao poder. Assumiu que o País teria de marchar para uma democracia ampliada, social, sem aquela visão do socialismo de modelo que tinha propostas de estatização dos meios de produção, o Estado centralizado, o corpo do partido comandar o Estado.
JC - É o caso do PT?
JOSÉ ARLINDO – Acho que é o caso de alguns episódios. Vez por outra se vê pessoas falando em controle de imprensa. Aonde ocorreu isso, no mundo, levou à ditadura. Essa esquerda podia ser mais moderna. Não ficar namorando o Irã e mantendo laços com ditadores africanos. Acho que a esquerda não absorveu totalmente suas próprias experiências, suas responsabilidades. Embora que, em sua maioria, haja responsabilidade com o Estado de Direito. A Dilma tem responsabilidade com o Estado de Direito, ela tem responsabilidade.