segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O voto secreto no Congresso (Renato Janine Ribeiro)



Foi ampla a indignação com o voto da Câmara, que não cassou o deputado Donadon, preso há dois meses na cadeia da Papuda. Voltou às manchetes a preocupação de acabar com o voto secreto nos Legislativos - ou pelo menos de reduzi-lo a um mínimo justificável. Respondendo a uma pergunta minha no Facebook, Pedro Abramovay defendeu o fim do segredo em casos não previstos na Constituição, como a eleição de presidentes das Casas do Congresso e de suas comissões. Uma emenda constitucional deveria acabar com o sigilo na cassação de parlamentares. Poderia ficar o segredo na apreciação de vetos do Poder Executivo - que pode pressionar parlamentares rebeldes - e na escolha de nomes para o Supremo Tribunal Federal (STF), por ser o órgão que julga os membros do Congresso.

Proponho aqui uma referência histórica. O parlamento mais duradouro do mundo é o inglês, datando de 1265. Desde cedo se dividiu em duas casas, uma reunindo os lordes, isto é, a alta nobreza, enquanto a outra, representando a grande maioria de plebeus, recebeu o nome de Câmara dos Comuns. A maior crise do parlamento se dá no começo do século XVII, quando os reis Stuart tentam fechá-lo ou pelo menos reduzi-lo a um órgão apenas consultivo, que raramente se reuniria - repetindo um fenômeno que então ocorria por toda a Europa, com reis absolutos fechando parlamentos mais ou menos eleitos. O rei Carlos I passa assim 11 anos sem convocar um legislativo. Mas em 1640, diante da necessidade premente de arrecadar impostos, é obrigado a reunir o parlamento. Este decide corrigir os desmandos do rei. Então surge a polêmica que nos interessa.

Os Comuns eram menos importantes que os Lordes. Qualquer lorde podia dirigir a palavra ao rei mas, dos plebeus, só o presidente da Câmara dos Comuns podia fazê-lo, em nome dos deputados. Daí, o nome que tem em inglês o presidente da Câmara Baixa: "speaker". Ele é quem fala. Em latim, era "prolocutor", quem fala em nome de. Ora, um privilégio fundamental dos Comuns era que ninguém soubesse quem tinha dito o quê - para evitar retaliações do rei.

O "speaker" lhe levava informações gerais, mas não devia detalhar os debates e os votos da Casa. Contudo, em 1641, quando os Comuns aprovam - por pequena margem - uma relação circunstanciada de suas queixas do rei, a oposição publica os debates ocorridos e a lista dos deputados que votaram contra o protesto. É a primeira vez que se quebra o sigilo das discussões e votantes, o que, no caso, choca os partidários do rei.

Porque o privilégio dos Comuns valia perante o rei e perante a sociedade. O sigilo das deliberações era em todas as direções. Mas, quando a Inglaterra conhece seu maior processo revolucionário, que resultará na deposição e execução do rei, acaba o sigilo do voto - significando que o povo tem o direito de saber o que fazem seus representantes.

Esse caso, na origem do voto aberto de quem nos representa, coloca a grande questão: aberto ou secreto perante quem? No Império e na República Velha, com o voto aberto, nossas eleições eram fraudadas. Por isso, a conquista do voto secreto do eleitor é um passo democrático decisivo. Ele não tem de prestar contas a ninguém. Já o deputado ou senador deve contas a quem vota nele. O voto secreto do cidadão é democrático, o do parlamentar, não. Porque o parlamentar não vota em seu próprio nome, porém no dos cidadãos que o elegeram.

Mas o voto aberto no parlamento só tem sentido se for mesmo aberto. Explico: sob o estado de sítio, pode ser suspensa a liberdade de expressão. Neste caso, quem saberá como votou um parlamentar - inclusive em questões candentes, como por exemplo a eventual cassação de um colega por pressão do Poder Executivo? Somente o próprio Poder Executivo. Ou seja, sem liberdade de expressão, o voto aberto perde sentido.

Comparo o caso à desobediência civil, que Gandhi tão bem utilizou contra o colonialismo inglês. Não fosse a liberdade de imprensa, quem saberia dos protestos no Hindustão? Por isso mesmo, quando lhe perguntaram o que faria ante Hitler, Gandhi fez sugestões ineficazes. Numa ditadura em que nada se possa divulgar, as ações democráticas de protesto serão esvaziadas.

Mas, se hoje o voto aberto nos parece seguramente o melhor, salvo exceções bem raras, é porque acreditamos na solidez de nossa democracia. Quem no Brasil teme um golpe de Estado, o fechamento do Congresso ou o de algum órgão de imprensa? Por isso, com poucas ressalvas (o sigilo na apreciação de indicações para o Supremo, bem como no estado de sítio e talvez para os vetos presidenciais), precisa ser suprimido o voto secreto nos órgãos legislativos. Devemos pressionar o Congresso para isso.
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Professor da USP

Fonte: Valor Econômico

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