sábado, 10 de agosto de 2013

10 PONTOS PARA ENTENDER O DEFICIT DE VISÃO REVOLUCIONÁRIA DOS MILITANTES (Augusto de Franco)

Por que os (velhos) grupos de militantes (jovens) não entendem bem o que está acontecendo no Brasil e no mundo nesta segunda década do século 21?

Não é bom esquecer a origem da palavra 'militante': é o Latim MILITANTIA, de MILITANS, particípio de MILITARE, “servir como soldado”, de MILES, “soldado”. Originalmente seu uso principal era eclesiástico, para referir-se a um “militante da Igreja”.

Os militantes, quer dizer, aquelas pessoas que querem organizar os outros para lutar, lutar, lutar... em prol de sua própria causa, em sua maioria são muito jovens, mas suas cabeças são, em geral, muito velhas.

Sim, uma geração não é uma faixa etária, uma geração é o que ela gera... Mas vá-se lá dizer-lhes!

Pois o fato é que - a despeito das grandes inovações introduzidas pelas ondas de alta interatividade que levaram ao swarming de 17-18J no Brasil - o comportamento dos agentes políticos organizados permanece ainda seguindo um padrão antigo.

Vejamos - para resumir em 10 pontos - algumas características dos (velhos) grupos políticos organizados de militantes (jovens):

1 - DIFICULDADE DE ENTENDER AS REDES (E DE SE ORGANIZAR EM REDE) | Todos (ou quase todos) se organizam hierarquicamente (mesmo quando acham que não, mesmo quando chamam suas organizações de rede eles não entendem as redes, quer dizer, não entendem a diferença entre descentralização e distribuição) e constituem grupos proprietários com logos e slogans distintivos, plataformas ou programas próprios (ainda que sejam apenas meia dúzia de palavras-de-ordem meio desconexas);

2 - ESTAGNAÇÃO NO PARTICIPACIONISMO | Todos eles expressam uma dinâmica mais participativa do que interativa (e vivem fazendo aquelas intermináveis reuniões e assembleias para decidir tudo); sim, eles não entendem as redes, quer dizer, não entendem a diferença entre participação e interação;

3 - IGNORÂNCIA DA COMPLEXIDADE E DA EMERGÊNCIA | A maioria deles acha que deve dirigir a massa (dar uma linha, impor uma orientação, mostrar o caminho, fabricar as palavras de ordem para os outros usarem, direcionar a energia para objetivos pré-fixados, dar foco etc.); em outras palavras: eles não apostam na auto-organização (nem sabem o que é isso porque não estudam, não investigam sistemas complexos e, assim, não podem mesmo entender a emergência);

4 - VISÃO DA POLÍTICA COMO UMA CONTINUAÇÃO DA GUERRA | Em sua maioria, acreditam que todo mal que nos assola é sempre causado por algum inimigo; quando o inimigo não é facilmente identificado ou não está muito claro, então se põem logo a construir um inimigo para lutar contra ele (porque acham que tudo é luta, que todas as conquistas da humanidade foram resultados de lutas); ou seja, estão intoxicados pela ideologia de que o ser humano é inerentemente competitivo: um homo hostilis estaria na raiz do fenômeno humano;

5 - CRENÇA NA VIOLÊNCIA COMO PARTEIRA DA HISTÓRIA | Alguns deles pregam e justificam a violência (sob a alegação de que não há violência maior do que a desigualdade ou a violência institucional);

6 - INCOMPREENSÃO DE QUE NÃO HÁ CAMINHO PARA A PAZ (POIS A PAZ É O CAMINHO) | Alguns deles desprezam a paz e desqualificam o discurso e a prática da paz ou da não-violência como ingenuidade (e acham que quem faz isso está, objetivamente, servindo aos propósitos dos "inimigos");

7 - ANALFABETISMO DEMOCRÁTICO | Muitos deles confundem democracia representativa com capitalismo (são anti-capitalistas, alguns inclusive são anti-globalização, como se a globalização fosse um plano urdido pelas grandes corporações que dominam o mundo e não um processo decorrente da alta conectividade) e acham que a democracia representativa é uma falsa democracia, instituída para servir aos interesses dos capitalistas (alguns, inclusive, qualificam os regimes democráticos representativos - como o que vige, embora não-tão-plenamente, no Brasil - como ditaduras, sem prestar atenção ao fato de que só estão podendo se manifestar em virtude das garantias que o Estado democrático de direito lhes confere);

8 - INCOMPREENSÃO DO SENTIDO FORTE DA DEMOCRACIA (COMO MOVIMENTO DE DESCONSTITUIÇÃO DE AUTOCRACIA) | Quase todos eles não dizem uma palavra crítica - e isso é espantoso! - sobre as sessenta ditaduras e sobre os outros tantos regimes autoritários que remanescem no mundo, sob o jugo dos quais ainda vive mais da metade da população do planeta (e onde não poderiam fazer qualquer protesto, mesmo pacífico; mas isso não importa porquanto acham que os inimigos estão concentrados nas menos de trinta full democracies realmente existentes, representativas em sentido pleno que, para eles, não passam entretanto de falsas democracias);

9 - INCAPACIDADE DE PERCEBER QUE O PROBLEMA É O SISTEMA HIERÁRQUICO (E NÃO ESTE OU AQUELE ATOR QUE OCUPA FUNÇÕES DIRIGENTES NO SISTEMA) | A maioria deles não percebeu ainda que a insatisfação difusa que está se manifestando, em várias partes do mundo, nesta segunda década do século 21, por via de grandes enxameamentos (e por outros fenômenos interativos) é uma denegação não-racionalizada porém generalizada do sistema (uma não aceitação do padrão de organização e do modo de funcionamento do sistema) e não um movimento contra esse ou aquele governante ou ator político, contra esse ou aquele "lado", contra essa ou aquela ideologia ou projeto político específico; e

10 - DEFICIT DE VISÃO REVOLUCIONÁRIA | Como consequência de todas essas dificuldades de entendimento, os militantes não entendem que tudo o que vem acontecendo, em quase todas as partes do mundo, sinaliza que a segunda democracia (a democracia dos modernos, a democracia representativa) está se esgotando e que estão se abrindo as possibilidades para a emergência de uma nova política, vale dizer, para uma terceira invenção da democracia (mais direta, mais interativa, mais democratizada), porém que não é possível fazer isso por fora da democracia, em ditaduras ou protoditaduras; ou seja, não perceberam que a democracia que temos é condição necessária para alcançar a democracia que queremos (ainda que não suficiente, posto que uma nova democracia não nascerá por um movimento interno de reforma ou por uma evolução da democracia representativa e, assim, terá que ser reinventada mais uma vez).

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