A trajetória do PT e as ações da Lava Jato, segundo o sociólogo Werneck Vianna, representam, na atualidade, a cordialidade e a civilidade expostas em Raízes do Brasil
Raízes do Brasil é um clássico não porque reflete sobre o Brasil dos anos 30, mas porque é uma obra “aberta”, que tem sido “recepcionada de forma diferente” a cada geração, e que tenta compreender o Brasil a partir das tensões entre cordialidade e civilidade, que parecem permear a sociedade brasileira desde o início da sua história. Aliás, diz o sociólogo Werneck Vianna, “quem começou esse tipo de leitura de Raízes do Brasil como obra aberta foi o próprio autor, que ao longo do tempo foi revisitando, corrigindo e revisando sua obra. Ele deixou esse caminho, essa pista para que as gerações futuras pudessem interpretar a obra a seu modo”.
Em um exercício de compreender a atualidade de Raízes do Brasil, o sociólogo sugere que a atualização mais contemporânea da obra pode ser identificada na “ação da Lava Jato”, “que atua no sentido de ser um investimento contra a nossa tradição de cordialidade”, porque os “principais personagens” dessa Operação, diz, fazem parte do “movimento americanista, uma categoria com a qual o Sérgio Buarque trabalha, que estariam em oposição à Ibéria, à cordialidade”. E acrescenta: “Eu diria que o alvo principal da Lava Jato é esse de romper com o patrimonialismo, entre essas relações entre Estado e mercado, Estado e interesses, essas relações cordiais e não civis entre os empresários e os dirigentes políticos do Estado”.
Werneck Vianna pontua ainda que embora Raízes do Brasil aluda a uma civilidade que “prometeria uma sociedade mais impessoal, igualitária, menos patrimonialista”, “a cordialidade permanece, independentemente da obra, como uma presença no nosso enredo, nas nossas estruturas políticas, na nossa cultura, na nossa mentalidade, na nossa formação, a um ponto tal que se pode perguntar se ela é de fato erradicável de tudo”. E conclui: “Eu diria que de todo, a cordialidade não é suprimível entre nós, e o que quer que venhamos a fazer conosco e com a nossa história, ela vai persistir como presente porque ela é uma marca desde o nosso nascimento”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Que leitura o senhor faz de Raízes do Brasil? Que Brasil é apresentado nessa obra que foi publicada há 80 anos?
Luiz Werneck Vianna – Neste ano a Companhia das Letras fez uma edição crítica de Raízes do Brasil, que é uma referência. Um aspecto que me chama atenção é de que Raízes do Brasil não deixa de ser uma obra aberta no sentido de que cada geração a tem recepcionado de forma diferente. Aliás, quem começou esse tipo de leitura de Raízes do Brasil como obra aberta foi o próprio autor, que ao longo do tempo foi revisitando, corrigindo e revisando sua obra. Ele deixou esse caminho, essa pista para que as gerações futuras pudessem interpretar a obra a seu modo.
Raízes do Brasil é um clássico, um marco, mas que foi escrito em um momento muito particular do Brasil e do mundo. Sérgio Buarque começa a redigir a obra na Alemanha, sob a influência da teoria social e política que lá se cultivava. Na primeira versão da obra, ele mantinha uma posição de reserva quanto ao liberalismo. No Brasil estamos nas circunstâncias do levante de 1935 , da emergência do integralismo , de muita radicalização na política brasileira, que levou logo depois ao Estado Novo, cujo autoritarismo despertou uma nova animação nas concepções liberais de que Sérgio Buarque vai se se tornar um exemplo.
Cordialidade X Civilidade
Assim, em 1948 Sérgio Buarque revisou a obra em aspectos cruciais, mas, de qualquer forma, ele não suprimiu a ambiguidade que lhe é constitutiva quanto ao tema da cordialidade. A cordialidade seria algo a ser valorizado, um caráter nacional a ser preservado, uma singularidade importante do país e, de outra parte, seria algo que nos limita e nos distancia da impessoalidade e da civilidade contemporânea. O advento da civilidade prometeria uma sociedade mais impessoal, igualitária, menos patrimonialista. Essa é a promessa que, no capítulo final, dedicado à “nossa revolução”, Sérgio Buarque sugere: a industrialização e a urbanização crescentes, de uma forma lenta e processual, estariam minando o estatuto patrimonial que teria predominado na nossa formação e, com isso, ensejando a formação de uma sociedade dominada pelos padrões da civilidade.
Cordialidade vem do coração, cor, e isso seria a marca da personalização das relações sociais no Brasil, seria um traço da nossa resistência em mudar, em se tornar uma sociedade mais impessoal e regida pelas leis. A trama de Raízes do Brasil é essa, embora Sérgio Buarque não deixe de constatar e de valorizar, de certo modo, a cordialidade como uma forma nossa de ser — e essa é uma interpretação minha — que deveria ser preservada.
IHU On-Line – Contemporaneamente, como a obra tem sido reinterpretada?
Luiz Werneck Vianna – Essa discussão nas gerações posteriores passou a ser interpretada numa chave que ele mesmo permitia, da passagem do iberismo para o americanismo: a nossa formação ibérica, com o que havia de atrasado e personalista nela, estaria sendo ultrapassada por um processo de americanismo, que estaria mexendo com as suas raízes, as suas bases, prometendo uma sociedade moderna, diversa daquela com a qual nascemos.
Um traço ainda muito contemporâneo dessa apropriação ou dessa recepção de Raízes do Brasil está no próprio nascimento do Partido dos Trabalhadores, do qual Sérgio Buarque é um dos signatários, um dos intelectuais que manifestou publicamente apoio a esse partido, junto com outros, como Florestan Fernandes e Raymundo Faoro. Isso significaria o que nos idos das origens do PT? Significaria que o tema dos interesses, que é um tema caro da versão americanista, estaria se emancipando e se desvencilhando das estruturas políticas do Estado e com isso criando identidades a partir da própria sociedade civil. O PT nasce em oposição à consolidação das leis de trabalho, à ligação que havia entre Estado e sindicato, em oposição ao nacional-desenvolvimentismo, que faria com que os setores subalternos, os trabalhadores, não fossem animados pela luta pelos seus interesses, assim conformando uma identidade própria, e fossem absorvidos por uma ideologia nacional, pelas estruturas estatais. Nesse sentido, há uma comunicação evidente entre esse enredo com que o PT nasce e algumas das inspirações originais em Raízes do Brasil.
Os vínculos com o patrimonialismo de Estado
Contudo, assim como a ambiguidade entre civilidade e cordialidade é presente na obra do Sérgio Buarque, tal ambiguidade não deixa de, por ironia, continuar presente entre nós. O fato é que apesar de o PT ter nascido com essa vocação de dissolver e destruir os vínculos existentes entre os setores subalternos e o Estado, mais à frente, por volta dos anos 1990, tais vínculos são restaurados, como se a nossa história se revoltasse contra um enredo que a desenraizasse de suas marmas de origem. E daí que, de oposição às consolidações das leis do trabalho, de oposição à presença do Estado na economia, de oposição a um projeto nacional popular, nacional-desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek a Jango, o PT se converte a essa agenda e reforça a consolidação das leis do trabalho, especialmente ao fazer com que as centrais sindicais viessem a se vincular às verbas originadas do imposto sindical, o que reforçou por cima, pelas centrais, as relações do sindicalismo com o Estado — embora não tenha sido algo direto, foi isso que aconteceu. Essa presença foi revitalizada e a unicidade sindical, por exemplo, que era uma pedra de toque da consolidação das leis do trabalho, foi preservada, apesar do movimento originário do PT pela pluralidade no sentido de desvincular e dissociar o Estado das estruturas corporativas existentes e de apostar num sindicalismo que nascesse de baixo, e da auto-organização dos trabalhadores que deviam, nas suas contribuições voluntárias, via acordos coletivos, angariar recursos.
Esse é um momento - na equação que Sérgio Buarque estabelece entre cordialidade e civilidade - de reforço das estruturas que nos vinham da cordialidade, que nos vinham do mundo ibérico, desses vínculos com o patrimonialismo de Estado. Penso que esse enredo da nossa história, tal como ela tem se desenrolado, reproduz ainda as ambiguidades que a obra de 1936 já tinha notado e assinalado. É claro que mais à frente, nas edições revisadas, Sérgio Buarque vai tomando mais partido em nome da organização liberal da política, vai entendendo como negativa essa tradição patrimonial e cordial personalista, mas isso ficou como um ponto presente na nossa vida.
O combate e o retorno da formação ibérica
Eu escrevi há uns cinco anos um pequeno ensaio cujo título é O Estado Novo do PT, no qual registro exatamente esse processo que estou assinalando nesta entrevista, de como esse moderno que vinha, essa América que vinha por força da industrialização, da urbanização e da emancipação dos interesses, isso tudo foi transtornado pelos dilemas presentes na sociedade brasileira, a um ponto tal que todo o movimento que nasce para combater uma certa tradição, que nasce para combater a tradição ibérica, para combater a cordialidade, acaba por retrazer esses processos de forma subordinada na medida em que a intenção geral era a da liberação ao fim desse processo. Mas o fato é que, para se pôr em marcha esse projeto, o moderno pactuou com o atraso e a “civilidade pactuou com a cordialidade”.
Para tornar essa discussão ainda mais contemporânea, mais presente e de forma mais contundente, podemos identificar a ação da Lava Jato como essa grande presença nos dias atuais, atuando no sentido de remover a nossa tradição de cordialidade.
IHU On-Line – Então a Lava Jato é a tentativa atual de romper não só com a cordialidade, mas com o patrimonialismo presentes em nosso país?
Luiz Werneck Vianna – Eu concedi uma entrevista a você, da qual gostei muito , em que eu falava do espírito de missão que mobiliza esses personagens da Lava Jato, e identificava esses personagens a partir de uma leitura das crenças religiosas que os animam. Esses homens não são homens da catolicidade, mas são homens da Reforma. Seus principais personagens são ligados à Igreja Batista, como é o caso do Dallagnol . Nesse sentido, eles fariam parte desse movimento americanista, uma categoria com a qual o Sérgio Buarque trabalha, que estariam em oposição à Ibéria, à cordialidade. Acho esse um dado interessante para ser analisado, e que mostra bem a contemporaneidade das análises de Sérgio Buarque, ou seja, mostra exatamente como Raízes do Brasil permanece como uma obra aberta. Cada geração vai relendo-a do seu modo, de tal forma que podemos entender a Lava Jato como um canal através do qual o processo da civilidade se impõe sobre o da cordialidade.
Eu diria que o alvo principal da Lava Jato é esse de romper com o patrimonialismo, entre essas relações entre Estado e mercado, Estado e interesses, essas relações cordiais e não civis entre os empresários e os dirigentes políticos do Estado. Essas forças, ao que parece – está se mostrando agora -, tiveram um papel na montagem desse sistema. Basta ver as relações pessoais do ex-governador Sérgio Cabral com os empresários da construção civil . As cenas de comemoração disso em Paris, registradas pela imprensa, testemunham com muita força as relações cordiais de amizade entre esses negócios.
IHU On-Line - Nessa perspectiva de Raízes do Brasil ser uma obra aberta, que correções acertadas foram feitas pelo autor ao longo de sua revisão e em que aspectos ele não foi tão preciso em entender o Brasil e as relações brasileiras?
Luiz Werneck Vianna – A revisão mais importante foi a que ele estabeleceu ao valorizar a cultura liberal, a partir da segunda edição da obra. Essa mudança foi muito bem percebida, valorizada e enfatizada pelo ensaísta Antonio Candido num trabalho famoso a respeito de Raízes do Brasil. Diz-se até, de modo provocador, que há um Raízes do Brasil que é mais obra de Antonio Candido do que de Sérgio Buarque. Mas o fato é que todas as alterações que o próprio Sérgio Buarque introduziu foram no sentido de valorizar a cultura da democracia política liberal.
IHU On-Line – O que fez com que ele valorizasse o liberalismo e como o liberalismo é apresentado em Raízes do Brasil?
Luiz Werneck Vianna – Foi o tempo e os acontecimentos que levaram ao nazifascismo, à guerra e à mudança na cultura política. Na primeira edição ele cita Carl Schmitt, um teórico de matriz autoritária do constitucionalismo alemão, mas a menção a esse autor, nas edições subsequentes, é eliminada, quando Sérgio Buarque faz profissão de fé no liberalismo. Essa edição crítica da Companhia das Letras é muito interessante porque vai evidenciando para o leitor todo esse processo de mudanças e de recepção de como a obra foi recebida e vem sendo recebida. Eu, aqui nesta modestíssima entrevista, estou tentando situar que esse enredo continua, tal como o exemplo que fiz da Lava Jato.
IHU On-Line – Alguns dizem que a obra dele inclusive segue uma perspectiva neoliberal. O senhor também percebe esse acento em Raízes do Brasil?
Luiz Werneck Vianna – Neoliberal ele não é mesmo. Sérgio Buarque faz uma adesão liberal democrática no sentido americano de democrata.
IHU On-Line – E como ele pensa o Estado a partir dessa revisão e adesão ao liberalismo?
Luiz Werneck Vianna – Nessa revisão ele não chega a esses aspectos mais particulares. O problema dele passa a ser a formação autônoma da vontade política do brasileiro. Tanto é que mais à frente ele vai apoiar a fundação do PT. E com que pretensão? Com a pretensão de que se constituísse, embaixo, vontades autônomas, independentes do Estado, de modo que essas vontades encontrassem formas de organização na política, nos partidos - no caso, o PT -, e o conflito seria o de interesses, por concepções ideais, seria uma forma de a democracia brasileira avançar no plano da civilidade, rompendo com o patrimonialismo então reinante. Ele via a revolução brasileira como uma revolução lenta, molecular, a ser realizada ao longo do tempo.
IHU On-Line – Sobre a democracia brasileira, Sérgio Buarque chegou a dizer que ela era um “mal-entendido”. Que atualizações ele fez em relação a esse ponto e que atualizações ainda são possíveis de serem feitas nos dias de hoje?
Luiz Werneck Vianna – A questão que fica é a seguinte: em 1936, que é a primeira edição, para o autor a democracia é um mal-entendido. E a partir da segunda edição, de 1948, essa percepção é derrotada pelas próprias cogitações do autor, quando ele manifesta claramente seu compromisso com um processo de democratização do Brasil.
Ele acaba por entender que a democracia não é um mal-entendido, mas algo que precisa ser construído; é um projeto das gerações vindouras, é um projeto permanente. Agora, não será fácil, dadas as nossas raízes. Essa é uma dialética complicada, mas enfim, a nossa dialética é complicada, porque nós nascemos da Ibéria e estamos numa trajetória em direção à América. Estamos fazendo ao longo do tempo essa trajetória, mas não em direção à América deles [norte-americana], mas à nossa América. E nesse particular há páginas em Sérgio Buarque que são magistrais de como, na prática da agricultura, por exemplo, os ibéricos colonizadores, de origem portuguesa, perceberam que o arado das terras, ao invés de ajudar o plantio e a colheita, prejudicavam, porque tiravam a riqueza do solo, e passaram a trabalhar a terra com práticas indígenas. Esses são momentos importantes e têm que ser analisados pela bibliografia, como num ensaio de Robert Wegner , que se chama Doze anos que abalaram as Raízes do Brasil.
Agora, a cordialidade permanece, independentemente da obra, como uma presença no nosso enredo, nas nossas estruturas políticas, na nossa cultura, na nossa mentalidade, na nossa formação, a um ponto tal que se pode perguntar se ela é de fato erradicável de tudo. Eu diria, com a irresponsabilidade disso ser uma entrevista, que de todo, a cordialidade não é suprimível entre nós, e o que quer que venhamos a fazer conosco e com a nossa história, ela vai persistir porque ela é uma marca que nos veio do nosso nascimento. Como disse Tocqueville em A democracia na América, as nações, assim como os indivíduos, são fiéis às suas marcas de origem. E uma das nossas marcas de origem seria isso que chamamos de cordialidade, essas características de ações dominadas pelo afeto, pelo coração. O que não quer dizer que nós não devamos avançar no sentido de uma relação cada vez mais civil, de que a civilidade triunfe entre nós e que nós derrotemos o patrimonialismo. Mas nós não nascemos do mundo da Reforma; o nosso mundo é o da catolicidade. Como sustenta Rubem Barboza Filho , aqui o mundo dos afetos importa muito e acho que essa é uma marca não suprimível. Essas ambiguidades estão na obra e ao mesmo tempo estão na vida. Aliás, elas só estão na obra porque estão na vida.
IHU On-Line – Então esse é o aspecto da obra que se mantém apesar das revisões feitas pelo autor, justamente porque é uma marca brasileira?
Luiz Werneck Vianna – Acho que é uma obra, ao contrário do que alguns autores dizem, que ficou permanente, é fonte de inspiração contínua e é um trabalho genial de tentar “pegar” por algumas categorias, por uma concepção ensaística, a natureza de um país. Sérgio Buarque foi muito feliz nessa caracterização, embora, como ele mesmo observou, em determinados momentos perdeu o fio, exagerou, e se deixou levar por teorias que já eram anacrônicas.
IHU On-Line – Em Raízes do Brasil é possível compreender que visão ele tinha do nacionalismo?
Luiz Werneck Vianna – Creio que ele comporia o tema do nacional-desenvolvimentismo na chave da cordialidade, na chave da Ibéria, do atraso. Não creio que ele valorizasse isso de forma alguma.
IHU On-Line - No conjunto dos intérpretes do Brasil, que lugar essa obra ocupa?
Luiz Werneck Vianna – Um dos primeiros, junto com Gilberto Freyre, Caio Prado, a tríade do Antonio Candido. Mas o Sérgio Buarque não dava tanta importância a Raízes do Brasil. Ele achava que a importância da sua obra vinha de textos posteriores, como Visões do Paraíso , os ensaios dedicados à passagem do Império à República. Mas os autores posteriores a ele o consagraram por Raízes do Brasil e, ao meu ver, com toda razão.
IHU On-Line - Que elementos da obra ainda podem nos ajudar a pensar o Brasil de hoje?
Luiz Werneck Vianna – Eu acho que a americanização, nesse sentido, é um processo nosso, lento, desigual, cujas raízes são diversas da dos Estados Unidos da América do Norte. Nós temos aí diferenças de matriz, de origem, e marcas de origem não são suprimíveis, dizia Tocqueville, seja nas nações ou nos indivíduos. Está aí a psicanálise para mostrar como isso acontece com os indivíduos, e as ciências sociais para mostrar como acontece com as nações, a partir de trabalhos clássicos, como o do próprio Tocqueville.
A obra é um ponto presente na nossa história. Sérgio Buarque manteve muita ambiguidade ao trabalhar os temas da cordialidade e da civilidade, e acho que nós, contemporâneos, leitores dele, e atores da cena contemporânea, continuamos trabalhando isso com ambiguidade.
IHU On-Line – Quais as razões dessa ambiguidade?
Luiz Werneck Vianna – São as dificuldades do mundo: nem tudo é claro ou escuro; há coisas que são claro-escuro. Há situações em que ainda não é noite, mas também ainda não é dia, são essas horas de mudança imperceptíveis, lentas. E essas mudanças são o foco da análise de Sérgio Buarque. A nossa revolução não vai ser catastrófica, ela é um processo longo. Nós estamos vivendo isso de forma atribulada, e agora conhecemos esse atropelo da Operação Lava Jato, que tem a intenção de nos afastar de vez da matriz da cordialidade, da matriz patrimonial. Como um empreendimento radical isso é possível? Fica a pergunta. Isso não quer dizer que estou desqualificando essa intervenção. Ao contrário, eu a valorizo.
IHU On-Line – Essa intervenção é boa, positiva?
Luiz Werneck Vianna – Sim, é boa. Eu diria o que disse naquela entrevista que lhe dei — de que aliás gosto muito —, que a Operação Lava Jato é importante, mas ela sozinha não mudará nada.
(*) Luiz
Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade
Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo,
é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e
americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização
da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan,
1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG,
2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada.
Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e
Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).
Patricia Fachin - IHU On-Line
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