• PSDB tem experiência em tomar governos pelo alto
É verdade que Temer não se cansou de dar tiros no próprio pé, mas aproveitou de maneira eficiente a janela dos seus sete primeiros meses de governo. Mesmo sob fogo intermitente da Lava-Jato, a confusão generalizada acabou jogando a favor de sua agenda. O grande emblema, a PEC dos gastos, foi objeto de aprovação no atropelo, sem que a grande maioria da população tenha entendido do que se tratava, sem que a oposição tenha conseguido inflamar as ruas. Agora que o entendimento parece um pouco mais amplo, quando a emenda já foi promulgada, as pesquisas mostram uma sólida maioria contra a medida. Ou seja, o efeito tecnocrático-surpresa não poderá mais ser usado no futuro. A conversa com o eleitorado terá de ser de outro tipo a partir de agora.
É isso o que provoca a sensação de que, fechada a janela, acabou o governo Temer. Ou pelo menos esse primeiro governo. Os discursos de Natal sobre futuras reformas e sobre medidas de estímulo à economia são concatenados e coerentes, mas não parecem passar de discursos, uma maneira de aproveitar o fim da janela com uma cantoria no peitoril. A Lava-Jato e lambanças de lavra própria tomaram de Temer todos os quadros mais próximos, aqueles em que confiava para coordenar o governo e negociar com o Congresso. Foram-se Geddel Vieira Lima e José Yunes, Eliseu Padilha está para sair, Moreira Franco subiu no telhado.
O PMDB nunca teve coordenação de governo como seu objetivo. Pelo contrário, nos últimos 20 entregou essa função para PSDB e PT. Seu objetivo é conseguir votos e vender apoio parlamentar. Coordenar governos de coalizão tem um alto custo. Em vez de colocar os melhores quadros em busca de votos para expandir a base congressual do partido líder, é preciso utilizá-los para produzir coordenação, para produzir agendas transversais, para dar uma cara mais ou menos uniforme e coerente à multidão de políticas governamentais. Do contrário, o que se tem é um ajuntamento e não um governo. O slogan do governo Temer ("Ordem e Progresso") e a mesquinhez visual de seu logotipo não passam de símbolo de sua total inaptidão para essa função coordenadora.
Ainda assim, o governo Temer tentou se colocar nessa posição da qual o PMDB se afastou desde pelo menos 1988, quando uma de suas costelas veio a formar o PSDB, um partido de quadros que pretendia justamente coordenar governos para além do arquipélago de interesses pemedebista. Raramente é cabível a autocitação, mas não há colunista que tenha passado incólume pela tentação. Que seja, pelo menos no texto de hoje. Apareceu escrito aqui em 18 de abril deste ano: "No final de 1992, quando, após o afastamento de Collor, Itamar Franco assumiu a Presidência, foram necessários seis meses até que FHC tomasse as rédeas do governo. A preparação do Plano Real tomou quase um ano inteiro. A situação atual é muito diferente. Mas a disputa em torno da figura que vai efetivamente liderar um governo Temer não poderá exceder os mesmos seis meses do caso do governo Itamar. Se pretender dirigir seu próprio governo, as chances de que Temer se mantenha no cargo diminuirão consideravelmente".
A última chance de sobrevivência para Temer é a formação de um novo governo a partir de fevereiro de 2017, sob o comando do PSDB. Os tucanos têm grande experiência em tomar governos pelo alto. É conhecida a história do veto de Mário Covas à entrada de FHC no governo Collor, movimento que salvou a futura carreira do ex-presidente do Real. Foi no vácuo do governo interino de Itamar Franco que o PSDB conseguiu finalmente chegar ao poder central. É o mesmo movimento que se vê agora, no governo Temer. Mas com algumas diferenças importantes.
Uma delas é que a decisão do PSDB de tomar o governo Temer foi feita às custas de um profundo racha interno. O emblema desse movimento foi a decisão de prorrogar por um ano o mandato de Aécio Neves como presidente do partido, um flagrante enquadramento das pretensões do grande vitorioso das eleições municipais de 2016, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. E, já que foi aberta a porteira da autocitação, o que apareceu neste espaço no dia 17 de outubro deste ano foi o seguinte: "Ao chamar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para uma 'conversa de amigos' na semana passada, Temer realizou o ato inaugural de uma negociação que tem como primeiro passo de sua construção contrarrestar a ascensão de Alckmin. Para isso, será necessário usar o poder federal para reequilibrar a balança do PSDB a favor de Aécio e contra o governo de São Paulo".
Outra diferença significativa é que o PSDB tem uma clara rota de fuga do governo que agora toma, um plano B. Se não conseguir imprimir ao governo Temer um rumo que mantenha vivas suas chances eleitorais em 2018, tem à mão o julgamento no TSE, que pode cassar a chapa eleita em 2014 e provocar uma eleição indireta pelo Congresso, afastando-se a tempo do naufrágio do governo que irá dirigir a partir de agora. Fracassando essas duas linhas de ação, volta ao jogo Geraldo Alckmin, o plano C. Parece estratégia demais para uma situação tão estruturalmente instável como a atual, parece cálculo demais para um cenário tão imprevisível quanto o que se tem. Mas é a única e a última cavalaria de que dispõe Temer para tentar se salvar. Uma cavalaria que pensa antes de tudo em salvar a si mesma.
fonte: Valor Econômico (19/12/16)