terça-feira, 26 de novembro de 2013

Os grandes temas a debater (Renato Janine Ribeiro)



Melhorar serviços públicos é o novo desafio

Quais serão os grandes temas da disputa eleitoral, em 2014? De tanto se discutir filiação partidária e minutos no horário eleitoral, acaba-se esquecendo o que considero decisivo: a disputa pela hegemonia. Uma eleição não é só apuração de votos. É a luta "pela alma" dos cidadãos, na fórmula de Marco Aurélio Nogueira. Se tivéssemos um consenso forte entre os partidos - como no último pleito afirmava Plinio Sampaio, do PSOL, ao acusar Dilma, Serra e Marina de serem farinha de um único saco - apenas discutiríamos qual deles é mais apto a cumprir uma agenda comum. Mas nossa política está dividida. Sustentarei que temos três grandes temas para a sociedade debater; a questão é quais candidatos querem tratar de cada um deles.

O primeiro é o da inclusão social. Está no horizonte há décadas; desde Itamar Franco, os governos agiram nesse rumo. Mas só o governo Lula o inscreveu como política de Estado, como prioridade de governo. A inclusão fez os cem milhões de brasileiros que viviam na grande pobreza ou miséria, em 2005, baixarem em apenas cinco anos para metade desse número. Não acredito que em algum lugar do mundo já tenha havido ascensão social de tantos em tão pouco tempo. Mas esse inegável êxito dos governos petistas não está concluído. Restam dezenas de milhões no patamar mais baixo. O tema continua candente.

O segundo tema é o da corrupção. Aqui temos - infelizmente - um carimbo temático. Quem é pelo governo destaca seu sucesso na inclusão social. Quem é contra ressalta a corrupção. A crítica à corrupção do governo (federal, apenas) é o grande tema da oposição. Se a inclusão social gera apoio ao PT, a corrupção reúne o ódio a ele. Mas não importam nossas simpatias políticas: é um assunto importante. Há corrupção no país, embora não tenhamos indicadores objetivos para saber quem é mais corrupto. E a corrupção desmoraliza a política. Não pode ser tolerada. Foi um grave erro dos petistas relegar esse assunto a um segundo plano na discussão pública. Levou muitos a acreditar que só lhe deram importância enquanto estavam na oposição, virando a casaca mal chegaram ao governo. Não há como deixá-lo de lado.

O terceiro ponto é o que, a meu ver, foi trazido pelas ruas este ano: a exigência de serviços públicos de qualidade. Alguns amigos meus se incomodaram com as manifestações, considerando-as conservadoras. Não concordo, como não concordo com a desqualificação das queixas da classe média. Pagamos impostos para ter educação, saúde, transporte e segurança públicos. Mas estes não têm qualidade. Daí que a classe média pague - uma segunda vez - pelos mesmos serviços: põe os filhos em escolas particulares, paga plano de saúde, compra carro, contrata segurança na rua ou no prédio. Está aí a raiz de seu descontentamento com os impostos e com o governo federal, e não apenas, ou não essencialmente, em ideologias conservadoras. É justo, é necessário, a classe média indignar-se com isso. E sobretudo os pobres, que não podem pagar a mais: nosso maio começou com o clamor por transporte coletivo bom e barato para eles. A questão dos serviços públicos deverá estar na ordem do dia. Sustento que esse é o próximo grande desafio para a democracia brasileira, que foi capaz de conquistar as liberdades (1985), a estabilidade monetária (1994) e avançar significativamente na inclusão social (desde 2003).

Agora, a questão para as eleições: que candidatos, que partidos podem falar de cada um destes assuntos?

O PT continua sendo o melhor para falar em inclusão social, mas Aécio sabe muito bem que precisa disputar nessa área - rompendo com a rejeição de parte de sua base ao Bolsa Família. Seu mote pode ser: completar a inclusão social e ir além das medidas de emergência. Já a corrupção é um tema que o PT hoje subdiscute, enquanto as oposições o hiperdiscutem. Há exageros dos dois lados, mas é improvável que esse tema mude de dono. Quanto à qualidade dos serviços, que deverá logo tornar-se a bola da vez, o PSDB fala mais a respeito. Prometeu inúmeras vezes um "choque de gestão" (assunto do qual o PT pouco fala), mas é certo que os tucanos não mostram sucessos nesse capítulo. Quanto à Rede + PSB, tem estado omissa sobre os três pontos, o que me deixa cético, hoje, quanto a suas chances eleitorais.

Por ora, a oposição prefere falar aos empresários, não se sabendo ainda o que conseguirá propor ao eleitorado. O governo também corteja o capital, mas fala mais aos eleitores.

Porque nosso sistema eleitoral é curioso. Estamos agora no turno zero, em que os candidatos - sobretudo de oposição - fazem o tour do capital, para granjear apoio e financiamento. Os dois turnos, porém, são junto ao povo, cujas prioridades não são as dos ricos. O PT é o mais popular - embora sem ter maioria absoluta - nas urnas. Mas depois há um terceiro turno, que dura três anos, até as eleições seguintes, e de novo o dinheiro se faz ouvir. Equilibrar demandas sociais justas e o liberalismo inato dos empresários é um grande desafio. Por ora, prevalece a conversa com o dinheiro. Mas em breve os candidatos terão de falar ao povo, e os principais temas devem ser os que apontei.

É uma lástima que na última semana, em vez de discutirmos o futuro do país, tenhamos sido pautados pela questão da vida ou morte do deputado José Genoino. A execução das sentenças dividiria, de qualquer forma, a opinião. Portanto, esse assunto, por ser delicado, deveria ter sido tratado com a delicadeza necessária. Não o foi. O que aconteceu - e o que poderá acontecer - só aumentará o ódio no debate político brasileiro. A campanha se prefigura sombria.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico (26/11/13)

O poder, esse sedutor (Luiz Werneck Vianna/entrevista)



Para cientista político, a volúpia pela eternização no governo desarma a sociedade, impede mudanças e imobiliza o País

Juliana Sayuri

Após oito anos, revelados mais de R$ 100 milhões movimentados fora das regras do jogo, foram compiladas 50 mil páginas nos autos, 600 testemunhas on the record, 38 réus julgados, 25 condenados e muitas, muitas páginas impressas sobre a Ação Penal 470, o mensalão. No simbólico 15 de novembro, dia da proclamação de nossa República, José Dirceu, José Genoino e outros oito condenados se entregaram à polícia federal. "Viva o PT", bradou, de punho cerrado, o ex-presidente do partido.

De 2005 para cá, diversas críticas austeras e duelos intelectuais sobre os meandros da AP470 ocuparam o Aliás. Entre as primeiríssimas delas, uma entrevista marcante com o cientista político Luiz Werneck Vianna, professor da PUC-Rio e autor de A Modernização sem o Moderno: Análises de Conjuntura na Era Lula (Fundação Astrojildo Pereira, Contraponto, 2011), no dia 31/7/2005, às vésperas do depoimento de José Dirceu no Conselho de Ética, um dos momentos-chave dessa história.

A convite do Aliás, Werneck Vianna voltou para discutir os rumos políticos deste Brasil pós-mensalão. O diabo, diz, é "essa volúpia pela eternização no poder" – presente nos tempos de Lula, mas também em Collor e em Fernando Henrique, ressalva. "A ideia de ganhar tudo e todos fez parte desse projeto megalômano do PT, que pretendia permanecer no poder até o fim dos tempos", diz o intelectual, com palavras pausadas, por vezes hesitante. "Mas a história está aberta, sempre esteve", ressalva mais uma vez. E como Dirceu e Genoino serão lembrados, professor? "Alguém sempre pode dizer ‘a história me absolverá’. Bem, absolve alguns e outros não. A ver".

Que dimensão tem a figura do ex-ministro José Dirceu hoje? Em entrevista ao Aliás, em 2005, o sr. o dizia ‘o homem com faro e instinto de vida partidária. Não ligado aos movimentos sociais, mas um especialista na política – o Maquiavel do Príncipe’. Ainda o vê assim?

Certamente. José Dirceu ficou ausente do poder imediato, mas atuou nos bastidores. Esse tipo de atuação obviamente não lhe permitiu o exercício de uma influência maior. Mas, ainda assim, continuam presentes os traços principais, marcados na época em que ele teve a batuta na mão. Basta notar a forma como a campanha de Dilma Rousseff foi conduzida, em 2010. E como está sendo conduzida agora, pensando em 2014. Persistem as mesmas questões de fundo.

Quais questões?

Essa volúpia pela eternização no poder. Antes do PT, essa volúpia esteve presente em Collor e em Fernando Henrique. Mas realizar reformas, em tempo largo, como era pretendido por Collor, Fernando Henrique e Lula, implicou uma política que levou a muitas dificuldades. Certamente, Collor não soube administrar isso, não estabeleceu um sistema de alianças capaz de sustentar seu governo. Fernando Henrique, posteriormente, interpretou isso muito bem, e em nenhum momento perdeu de vista a necessidade de ter maioria governamental – à época, sua associação com o PFL provocou protestos inclusive entre aliados mais íntimos, a começar por Ruth Cardoso, muito desgostosa com esse tipo de aliança, entre outros dentro do próprio PSDB. Ficou esta lição: governos pretensamente longos, que miram o horizonte muito à frente, necessitam de sólidas alianças governamentais. Isto é, quem quer mudar precisa do apoio de setores que não estão realmente preocupados com a mudança – aliás, de setores até contestadores dos projetos mudancistas. Isso leva a um certo imobilismo na política.

Mas nada mudou?

Há mudanças. Vimos mudanças significativas com Fernando Henrique (como o Plano Real) e com Lula (como o Bolsa Família). A crítica da esquerda agora parece querer sustentar que o PT deveria ter unido forças próprias e aliados muito afins a seu projeto. Isso não permitiria esse arremesso para a persistência no poder. Mas imaginou-se que, perdido o governo, tudo estaria perdido. Não é verdade. É a questão ficou: o que a sociedade ganhou com esse arranjo entre atraso e moderno, entre forças de mudança e forças comprometidas com a conservação? E o que se perdeu? O que se pode levantar, contrafactualmente, é que um governo com um projeto de mudança possa, se tiver estratégias definidas, pensar num voo não longo, mas exemplar. Um voo que avance até onde se pode avançar – e que, principalmente, corra o risco de perder a próxima sucessão presidencial. Pense na vitória de Michelle Bachelet. O caso chileno está nos ensinando que um voo não precisa ser transoceânico, digamos assim, para realizar mudanças. Vale antes ter um projeto com objetivos definidos, pois assim um governo poderia parar num determinado ponto e continuar mais à frente, num processo mais avançado. É preciso ter perspectiva.

Todos perdemos perspectiva?

A política atual, como está, prejudica todos – e principalmente a própria atividade política, que perdeu aura, imaginação, ousadia. Ficou num canto, avançando milimetricamente onde podia. Onde não podia, deixou tudo ao andar "natural" dos acontecimentos. O ponto é: perdeu-se o impulso para as mudanças, com essa ideia de que era antes necessário garantir estabilidade para um governo longo. Isso desarmou a sociedade. A política aparece em lugares inesperados, fora de sua trama real e concreta, que seriam as instituições e os partidos. Certamente há algo universal nisso, quer dizer, acontece em diversos países. Mas no Brasil, essa falta de representação política se tornou algo absurdo, em que as representações são meramente nominais, como um poder de carimbo. O PT foi desarmado também, obrigado a todo momento a respeitar as estratégias gerais para garantir sua permanência ad eternum no poder, vide o caso das sucessões estaduais. Lula ainda é o detentor da hegemonia do PT. Aí, por que fazer política, se há quem a faça em nome de todos? Ao mesmo tempo, essa malha paralisa o próprio governante.

O sr. quer dizer que, certas vezes, perder (o governo) pode ser ganhar (o projeto)?

Sim. Perder no presente, mas tendo tentado realizar seu projeto, mobilizando bases e sociedade para seguir seus caminhos, poderia significar uma vitória no futuro.

De tempos em tempos, assistimos a uma faxina ética após um novo escândalo. Há cassações, impeachment, prisões, mas os esquemas se reestruturam. Nossas instituições são fortes nesses momentos de crise?

Sim, continuam fortes. Estamos passando por um momento de turbulência, pois lideranças políticas do partido hegemônico estão sendo apenadas. Enquanto as ruas estão silenciosas, os principais interessados estão se movimentando. O Judiciário tem desempenhado um papel fundamental, por ter uma relação autônoma com os demais poderes. Autonomia essa que falta a outros setores, como os movimentos sociais e étnicos, o movimento sindical e a UNE. Não à toa, o que ocorreu por fora desses movimentos assumiu uma forma abstrusa, os Anonymous e os Black Blocs.

Na ressaca das manifestações, a presidente Dilma Rousseff deu os primeiros passos para uma reforma política, proposta antiga do PT. A reforma é possível neste momento?

Possível é, não há nenhum obstáculo material. Há obstáculos imateriais: a (falta) de vontade do legislador, comprometido com o estado de coisas anterior. Se há uma grande movimentação social, como vimos, passando ao largo da política e sem deixar rastros nem animar os partidos, sem vivificar os movimentos, aí realmente se pode imaginar que temos uma situação difícil adiante, que demandará muito tempo para encontrar uma saída razoável.

Desde 2005 foram feitas críticas às investigações de corrupção a governos passados. Mas há indícios de que o esquema de Marcos Valério também serviu ao PSDB. É justo que a corrupção fique circunscrita ao PT?

Não. A corrupção é um mal endêmico no Brasil. Está presente na nossa história "desde sempre". Mas agora a sociedade conhece instrumentos novos, trazidos pela Carta de 1988, e operadores novos, como o Ministério Público e a Polícia Federal, que exercem uma vigilância inédita.

A imprensa tratou o mensalão como o ‘maior escândalo de corrupção do País’. Que papel tiveram a mídia e a opinião pública nesse processo?

O papel da mídia foi importante, também por estar vinculada à opinião pública. O mensalão – aliás, a Ação Penal 470, como procuro sempre descrevê-la – foi um caso de corrupção política. Nas motivações dos autores dessas infrações não esteve o impulso por aquisição de riqueza, mas aquisição de poder. Esse foi um fato que a sociedade e os tribunais julgaram severamente, na expressão de muitos dos ministros do STF: foram crimes contra a República, isto é, crimes contra todos. E é explosiva essa relação entre o poder judiciário, a opinião pública e a mídia, pois a alta visibilidade desses processos deixa pouco espaço para o réu se defender. Mas isso não dá para impedir, é o avanço da esfera pública no mundo. Que fazer? Fechar as portas dos tribunais? Silenciar os jornais? É só ver o caso das biografias. Vamos ficar com os vícios e as grandes virtudes disso, que é tornar públicas determinadas cenas que realmente mereçam ser públicas, que não podem transcorrer nem em segredo de Justiça nem em silêncio obsequioso da imprensa. Isso faz parte do desenvolvimento de uma democracia de massas.

Muitos criticam as ordens de prisão, cumpridas no 15 de novembro, dizendo que o tribunal é autoritário. Quão supremo é o STF?

É relativo, pois as decisões podem ser contestadas na Câmara, no que se refere à perda de mandato dos condenados. O STF pode muito, mas não pode tudo. No fundamental, o papel que a Justiça tem cumprido é um processo de limpeza de território para que a democracia possa prosperar, para que não seja poluída pelos que detêm poder político e econômico. Ainda há um longo caminho a percorrer – e esse caminho não pode dispensar uma vida política mais rica, com partidos mais vigorosos e movimentos sociais autônomos. Tudo isso ainda está por acontecer.

Com biografias respeitáveis, o ex-ministro José Dirceu e o deputado José Genoino saíram do banco dos réus e foram para a prisão. Como serão lembrados na história?

Não sei. A história deles deve ser preservada. São figuras importantíssimas para a história do PT, sobretudo José Dirceu, a meu ver, a melhor cabeça política deles. Alguém sempre pode dizer "a história me absolverá". Bem, absolve alguns e outros não. A ver, né? É preciso deixar o tempo fluir. Mas o mensalão não é uma nódoa na vida republicana brasileira. O julgamento foi uma conquista. A democracia avançou. Os limites estão dados para o poder político: há leis – e o poder não pode tudo. Foi uma condenação justa, mas não há o que comemorar. Eu fui um preso político, um perseguido político. Não há razões para me regozijar com condenações dos outros. Esses, porém, são políticos presos. Foram condenados por uma corte com ministros inclusive indicados pelo PT.

Esse desfecho influenciará 2014?

Sim, certamente. Se favorecerá tal ou qual candidato, ainda não dá para dizer. Os partidos não são antenas sensíveis para o que ocorre na sociedade. São antenas para auscultar seus interesses imediatos e futuros. Se Marina Silva ou Eduardo Campos poderão recuperar a política... é muito difícil, penso. Também é difícil que isso se torne projeto de Aécio Neves. Mas quem vier agora terá que ter claro que a sociedade quer mudanças no mundo real. Operar mudanças implica dor e perdas – para ter outros ganhos. A ideia de ganhar tudo e todos fez parte desse projeto megalômano do PT, que pretendia uma permanência no poder até o fim da História do Brasil. Ora, a história está aberta, sempre esteve. Pede por movimentos, novas ideias, novas gerações. É muito difícil avançar, mas como diria o papa Francisco, bote fé. E assim vai, assim caminha a humanidade.

Fonte: O Estado de S. Paulo / Aliás (24/11/13)

A hegemonia imperfeita (Marco Aurélio Nogueira)



O PT está há 11 anos no governo federal, é o principal e mais bem organizado partido do País, mas não fixou uma orientação de sentido que agregue os brasileiros, ou a maioria deles. Tem votos, mas não consensos. Sensibilizou a opinião pública para o tema da desigualdade social, mas fez isso por meio do assistencialismo, e não de uma imagem de vida coletiva.

Passou-se o mesmo nos oito anos de FHC. Sua política de combate à inflação trouxe a cultura da responsabilidade fiscal para a gestão pública, mas não uma ideia de sociedade. Introduziu a linguagem da reforma do Estado e com ela pautou os governos que lhe sucederam, mas não conseguiu valorizar o Estado perante os cidadãos. E o que dizer das décadas seguidas de PSDB em São Paulo? Vitórias eleitorais sucessivas conseguiram atiçar algum sentimento an-tipetista, mas não anunciaram uma comunidade política. O legado tucano resume-se a obras e providências administrativas, como, aliás, ocorre em todos os lugares. Não contempla valores.

Há o "poder da mídia". Estrutura-se em imagens, informações, narrativas. A ilusão de que faz o que quer com a cabeça das pessoas tem levado a que se fale em ""mídia golpista", expressão tão provocativa quanto equivocada num contexto em que os grandes órgãos de comunicação têm suas "orientações" desmentidas no instante mesmo em que são emitidas. As redes sociais comprometem sua eficácia. Mas tais mídias alternativas são o espaço de todos e de ninguém. Não podem ser articuladas por uma ordem de comando ou por um sujeito unificador revestido de poder de agenda e capacidade de direção intelectual e moral.

Há muito poder econômico no mundo. A concentração de riqueza é assustadora. O capital não cabe em si e regurgita com frequência. A crise global é, na verdade, uma situação de conflitos incessantes que não conseguem ser coordenados e superados. É uma crise de direção política no sistema e no interior de cada Estado. A hegemonia do capital financeiro é real, mas não traz consigo uma fantasia organizada: é uma supremacia que não seduz nem convence, em que pese o investimento pesado em propaganda. A própria hegemonia dos EUA se faz hoje com muitos vácuos e oscilações.

O quadro é de crise de hegemonia. Não há mais, a rigor, uma "hegemonia neoliberal". Nem nenhuma outra. Cada sujeito, cada polo ou bloco tem limites (econômicos, corporativos, ideológicos) que o impedem de se tomar hegemônico, quer dizer, de dirigir em nome de um "projeto existencial".

No Brasil, as oposições não avançam porque não têm empatia ou discurso que as qualifiquem como artífices de mudanças. A presidente Dilma, por sua vez, é beneficiada pela posse dos instrumentos de governo e mantém posições mesmo sem dispor de propostas que empolguem.

Falar em hegemonia é falar em poder das ideias, componente decisivo de qualquer operação que tencione magnetizar pessoas ou mudar o mundo. Pode-se governar, com recursos político-administrativos e com dinheiro, mas não se muda a disposição cívica nem se deslocam estruturas sem ideias articuladas. A luta ideológica é mais decisiva que a eleitoral.

Fala-se de "hegemonia" sem muito rigor. Há os que a confundem com supremacia política. E há os que dizem que ela é a porta de entrada de uma visão totalitária do mundo. Não se valoriza o fundamental: hegemônico não é quem manda ou ganha eleições, mas quem consegue apresentar uma proposição crítico-racional para a sociedade. A busca de hegemonia é um exercício cultural interativo e dialógico. Não se resolve de uma vez por todas, com uma camisa de força, mas mediante discussão permanente. É uma construção sem prazo para terminar.

Privilegiada pelo marxista italiano Antonio Gramsci, a hegemonia é o dado que falta nos dias correntes. Há poder e poderes, mas não direção intelectual e moral, ou melhor, há muitas direções e nenhuma delas consegue prevalecer incontrastável. Há domínio e coerção, mas poucos consensos. O desentendimento dificulta a modelagem coletiva da experiência social.

Hegemonias existem, mas são imperfeitas. Carecem de base material e condições para que se unifique a vida social em tomo de projetos coletivos.

Gramsci queria, com o conceito, mostrar que não era preciso chegar ao poder político para ter influência no Estado e na sociedade. Que os subalternos e seus representantes políticos poderiam disputar posições importantes e fixar seus valores no arcabouço cultural das sociedades. Em suma, que dava para dirigir sem dominar, ocupar espa-: ços a partir dos quais direcionar a ação dos poderes estatais.

Não há como dizer que esse projeto não deu certo. As classes subalternas, ao longo do século 20, conquistaram muita coisa e imprimiram a marca de seus interesses, valores e projetos na comunidade política moderna. Mas essa hegemonia não foi suficiente para mudar com radicalidade a estrutura do poder. Houve maior compartilhamento de posições, mas o poder permaneceu concentrado e voltado para defender os interesses economicamente dominantes.

Quando Gramsci idealizou seu conceito, a hegemonia nascia da fábrica e podia ser pensada como estando enraizada no universo da produção. Hoje esse universo não referencia a sociedade. A fábrica está se robotizando, alterou suas plantas, espalha suas unidades longe do controle dos Estados. A classe operária, perdeu densidade e não pode mais ser vista como o sujeito político por excelência, levando consigo os partidos de massa e as utopias que desenhavam o futuro.

Vivemos cercados de poderes, mas eles coordenam pouco a vida social. Nem sequer regulam pressões e interesses. Fazem-nos mal, mas não são donos de nossa mente nem de nossos movimentos. São negativos mais pelo que deixam de fazer do que pelo que fazem. São pouco amados e muito difamados, agredidos e contestados, mas não conseguem ser responsabilizados. Desabam sobre as pessoas mas não as orientam.

Professor titular de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP

Fonte: O Estado de S. Paulo (23/11/13)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Notas sobre o fim do mensalão (Fernando Gabeira)



Depois de um duro dia de trabalho, liguei a TV para assistir aos debates no Supremo. Sou amarrado em debates. Sinto falta deles no Brasil de hoje.

Como não se fazem mais, qualquer coisa me diverte. Dormi num sítio em Olhos D"Agua e ouvi um velho rádio de pilha na escuridão do Cerrado. As vezes os locutores diziam bobagens monumentais. Eu ria um pouco e me sentia mais próximo do sono. Engraçadas ou não, eram vozes humanas chegando pelos ares, fazendo-me companhia naquela solidão que antecede o primeiro cantar dos galos.

Era fascinante ver os juízes debatendo algo que me parecia lógico. Uma vez dada a sentença, as pessoas passariam a cumprir a sua pena, exceto as que estavam pendentes de um recurso infringente. Gostei muito do infringente, mas ouvi outras coisas mais interessantes, como reflexo intempestivo. Fui um pouco mais longe na pesquisa para constatar que tempestivo é comum na linguagem jurídica, é algo oportuno, que corre dentro de um ritmo adequado.

Discutiram horas e constataram que estavam de acordo, ou pelo menos reconheceram que estavam de acordo, embora ainda fosse preciso pôr no papel a sua concordância. Pensei comigo: como discutem esses ministros! Discutiram meses para chegar a uma sentença e agora discutem horas para definir se é para valer ou não. Devem estar cansados e creio que os deixarei em paz nos próximos meses, com a devida gratidão pelos verbos e adjetivos que acrescentaram ao meu conhecimento.

O processo foi tão arrastado que, ao se concretizar, deu a impressão de algo já visto, uma reprise. José Dirceu e Genoino apresentaram-se com o punho erguido. Já escrevi sobre esse gesto, pensei. Nada tenho a acrescentar. No passado foi o símbolo da resistência comunista, chegou a roubar a cena numa Olimpíada. "Por que, então, o punho erguido?", perguntou um homem na rua. Disse-lhe que, no meu entender, a cadeia é muito difícil de suportar. Entrar na cadeia pensando que cometeu algo pelo bem do povo sempre ajuda a absorver a monotonia e o desconforto da prisão. "Mas não são inocentes", observou o interlocutor. Como quase todos na cadeia, arrematei. Quem visita um presídio constata que a maioria se diz inocente.

"E as regalias?", questionou. O que são regalias senão obter algo que os outros não conseguem? A pena mais dura é a supressão da liberdade, ainda que em prisão domiciliar. Filmei as celas que lhes seriam destinadas na Papuda, cubículos frios, sem vestígios de nenhuma regalia.

A entrada na cadeia de dirigentes do PT, num sistema penitenciário como o do DF, administrado pelo próprio PT, será uma experiência singular. Estamos muito longe das condições de cadeia suecas. Mas longe também do nível civilizatório que nossas possibilidades autorizam.

Homens que conduziram o País em determinada época são obrigados agora a conhecer uma dimensão que ignoraram. Com a experiência podem oferecer ao próprio partido um modelo de reforma que desarme a bomba-relógio que construímos, com nosso silêncio, para as novas gerações. Mas no momento nada indica que seguirão esses passos. É hora de negação.

Será difícil para um partido no poder com dirigentes presos fingir que a prisão não existe, que não cai água da goteira, que esse amontoado de gente em nossas cadeias não configura superlotação. A realidade vai acabar se infiltrando por alguns poros, mas o PT seguirá montado numa tese fantasiosa que talvez nem consiga abalar, nas eleições, sua pretensão de poder prolongado.

Que abandonem a realidade é problema deles. O nosso é testemunhar o desfecho de uma aventura histórica, amparada no conceito de que os fins justificam os meios. Reconhecer isso é deixar a casca de uma esquerda autoritária e aceitar amplamente a democracia, sem se sentir dotado de uma causa superior a ela e, portanto, podendo atropelá-la.

Reflexo intempestivo, para mim, é o Sol saindo subitamente da nuvem, mergulhando o objeto numa luz contrária que enche de aberrações violeta e lilases as nossas lentes. Mesmo nesses casos o Sol contrário não consegue ofuscar o objeto. Um pequeno rebatedor de fundo branco devolve à cena a luz do próprio Sol.

Esse rebatedor é o processo do mensalão, que foi julgado abertamente na TV e passou a ser visto como a semente de um novo tempo, em que a justiça se faz mesmo para os poderosos e todo o aparato jurídico que conseguem mobilizar. Você pode ver isso como obra de uma elite reacionária. Sinceramente, a História não vai registrar o episódio assim. Para grande parte dos brasileiros, a roda moveu-se. Para muitos, no último fim de semana estivemos mais perto de uma República.

A decisão do Supremo confirmou a ideia que tinha do episódio. Restava apenas acompanhar, pelos inúmeros debates, o processo por meio do qual a democracia brasileira iria metabolizar o grande pepino de julgar a direção de um partido no poder, capaz, portanto, de indicar os próprios ministros do Supremo. Foi uma tempestade tempestiva, para usar o meu novo vocabulário. Mais rápida, traria perigosa inundações; mais lenta, encenaria uma constrangedora comédia.

A tendência, no momento em que escrevo, é o debate sobre o direito dos presos do mensalão dentro do sistema penitenciário. Se levar a uma compreensão ampla da precariedade do próprio sistema, será um efeito colateral positivo. O efeito mais decisivo, porém, ainda levará muito tempo a passagem definitiva da esquerda, que dirige o País, para a aceitação plena dos caminhos democráticos, incompatíveis com o princípio de que os fins justificam os meios.

Tudo indica, por enquanto, que ela continuará dirigindo o País. Mas para onde? A esfera da política desprendeu-se da sociedade e o vazio se aprofunda. Negando ou aceitando a realidade do mensalão, deve prosseguir no poder. O problema é sacudir uma herança do século passado, século de punhos cerrados, em que nos sentíamos parteiros do futuro, capazes, pois, de ignorar as regras do jogo.

* Jornalista

Fonte: O Estado de S. Paulo

Palavras são palavras (Marina Silva)




Nos debates sobre o Código Florestal, duas linhas opostas de argumentação se formaram. Os movimentos sociais e ambientais diziam que a anistia aos desmatadores e a redução das áreas de proteção induziriam a novos desmatamentos. Parlamentares e governantes garantiam que o "novo código" não só reduziria como poderia até chegar ao sonhado desmatamento zero.

A coisa vem de longe. Em abril de 2008, o líder do PMDB no Senado, Valdir Raupp (RO), informou que apresentaria projeto de lei para o desmatamento zero na Amazônia, pois considerava possível triplicar a produção sem desmatar mais, usando novas tecnologias. No ano seguinte, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, disse ser possível dobrar a produção de alimentos em seu Estado reduzindo a área utilizada para o desenvolvimento da pecuária.

Na campanha de 2010, a candidata Dilma Rousseff assegurava "tolerância zero ao desmatador", descobrindo, no segundo turno das eleições, que, "sem a redução do desmatamento, não há sustentabilidade". No exercício da Presidência, não pareceu tão enfática. Mas seus líderes no Congresso descreveram o "consenso" no Código Florestal como um avanço, uma legislação mais simples e fácil de ser cumprida e que, além de reduzir o desmatamento, recuperaria a floresta em lugares onde já havia sido devastada. Uma maravilha.

Agora o governo anuncia que o desmatamento aumentou 28% no último ano. Parte desse aumento vem de terras públicas, onde aumentou a grilagem e a ocupação predatória. Os que ganharam politicamente com a mudança nas leis ganham com seu resultado, mas sem falar muito.

A política ambiental anterior vinha reduzindo o desmatamento e colocando o Brasil na liderança mundial de combate às mudanças climáticas. Agora podemos ter grave prejuízo no cumprimento das metas de redução de CO e quebra na liderança brasileira sobre o assunto, no momento de uma nova rodada de negociações internacionais sobre o clima, em Genebra.

Quem tem boca vai a Roma e o papel aceita tudo, dizia-se antigamente. Depois vem o pedido: esqueçam o que eu disse ou escrevi. As justificativas para o aumento do desmatamento não seriam legítimas, porém soariam mais sinceras se adotassem esse alheamento, em vez de tentarem nos fazer crer que não tem nada a ver com as mudanças no Código Florestal e no retrocesso pactuado entre governo e parlamentares para a revisão das leis ambientais.

Espera-se que, pelo menos, as palavras e promessas sejam mais moderadas na tentativa de mostrar uma face "ambientalista" antes das eleições do ano que vem.

Marina Silva, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente

Fonte: Folha de S. Paulo

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A prisão dos condenados (Renato Janine Ribeiro)



A prisão dos condenados no caso do mensalão – ou Ação Penal 470, como dizem seus defensores– levanta a questão dos efeitos políticos do julgamento. Não discutirei aqui se foi justo ou não, se os réus mereciam ou não a condenação. Penso que o papel desta coluna seja medir seus efeitos sobre nossa política. Este são quatro.

O primeiro efeito se deu já em 2005-6. Ele excluiu da cena política dois dos maiores nomes do Partido dos Trabalhadores: seu presidente, um político que lutara no Araguaia contra a ditadura e depois, no Congresso, se mostrara exímio articulador e negociador respeitado por todos os partidos, José Genoíno; e José Dirceu, político amado e odiado, que então exercia o cargo mais próximo que temos de primeiro-ministro. Dirceu e mesmo Genoíno eram presidenciáveis. Com a denúncia e sua repercussão na mídia, o PT ficou sem alternativas para concorrer à presidência. Ironicamente, o que o salvou, permitindo que mantivesse o poder em 2006, foi uma medida criada para Fernando Henrique Cardoso: a reeleição. A ironia está em que a reeleição não teria sido necessária para garantir um segundo mandato ao PSDB, que em 1998 ganharia as eleições com Serra ou Tasso sem problemas. Mas veio a calhar para o PT, em 2006, quando na falta de outro nome deu Lula de novo. O efeito inicial do mensalão foi robustecer o nome de Lula – que, lembremos, não parecia tão convencido de concorrer a sua própria sucessão.

Um segundo resultado, que data do mesmo período, foi converter nossa disputa política em guerra. É básico para qualquer analista político que a democracia se distingue dos outros regimes porque nela há adversários e não inimigos. Ela não é guerra. A democracia é o único regime no qual a divergência é admitida, e a oposição – que ao longo de milhares de anos foi presa, banida, executada com requintes de crueldade – tem o direito de falar, e de tornar-se governo. Mas desde o mensalão o que temos é um estado de guerra inscrito no espaço político, substituindo o debate pelo ódio. Vários oposicionistas comparam o País à Venezuela ou Argentina, onde o governo reprime a imprensa de oposição – o que não faz no Brasil – e tutela a Corte Suprema – o que também não acontece aqui. Para vários situacionistas, quem respeita a oposição, como eu, é considerado um perigoso ou desprezível direitista. Pois é.

Esses, os efeitos da denúncia de Roberto Jefferson, em 2005, e da manifestação da Procuradoria Geral, em 2007. Agora, e o julgamento?

Quando se julgam figuras de altíssimo escalão, a grande pergunta é pelo significado pedagógico. Poderia ter sido ótimo. O impeachment de Collor convenceu de sua culpa seus próprios eleitores. Havia uma oportunidade de provar que dirigentes importantes do partido que continuava a governar o País tinham cometido crimes e de condená-los por isso – ou de absolvê-los, caso inocentes. Infelizmente, ou pior, o processo apenas reforçou convicções preexistentes. Quem acreditava na culpa continuou acreditando. Quem considerava o processo um ajuste de contas dos derrotados nas eleições, um terceiro turno espúrio a criminalizar a esquerda, se convenceu de que a oposição, na qual incluía o Supremo Tribunal e a maioria da grande imprensa, montara uma paródia de justiça.

Não importa aqui a opinião pessoal. O efeito político do julgamento foi, apenas, fortalecer cada lado em suas crenças. Não substituiu crença por saber, fé por razão. Não teve efeito pedagógico –lembrando que pedagogia, ou educação, é o que faz alguém subir dos preconceitos ao conceito, sair da ignorância para o conhecimento, melhorar em suma sua relação com o mundo. Para quem odeia o PT, o processo foi a ocasião de se vingar do partido, com o pseudônimo de justiça. A oposição errou ao exigir condenações, em vez de fincar o pé no ideal de justiça. Para quem apoia o PT, o processo favoreceu uma atitude defensiva, recusando-se a discutir seriamente por que o partido que mais clamou pela ética no Brasil, ao longo de vinte anos, relativizou essa preocupação uma vez no poder. Ninguém aprendeu nada com o julgamento.

Último efeito, o do encarceramento. Tudo pode acontecer, mas até agora o que vimos foi que o PT, refazendo-se dos danos que sofreu em 2005, se saiu bem nas eleições de 2012, concomitantes ao julgamento. Este não o prejudicou politicamente. Com certeza, o espetáculo de dois de seus maiores líderes na cadeia indignará quem apoia o partido e rejubilará quem o detesta. Os quarenta por cento restantes da população como reagirão? Pode ser que não lhe deem tanta importância. Afinal, o impacto ocorrerá no momento da prisão e no quase ano restante muita água passará sob os viadutos. Mas o que eu lamento é a ocasião perdida: não só nossa disputa política virou guerra, não só o diálogo entre nossos dois melhores partidos cedeu lugar ao ódio, como um julgamento que poderia ter sido exemplar pariu um rato. Ao longo do processo, alertei para os riscos que corria a direita (termo que para mim não tem nenhum sentido pejorativo) ao querer ganhar a qualquer custo, e ao pressionar o Judiciário. Pois é, ela corre o risco de ter obtido uma vitória de Pirro – para lembrar o rei do Épiro que, no século III antes de Cristo venceu Roma, mas a tão alto custo que seus generais diziam: “se vencermos mais duas batalhas assim, estaremos perdidos”. Terá excluído dois nomes do PT, e nada mais. Lamento esse resultado. Preferia mais que isso. Preferia que a sentença final, fosse ela de absolvição ou condenação, granjeasse o respeito da sociedade, para acima das barreiras partidárias. Este, sim, teria sido um grande avanço.

Renato Janine Ribeiro, professor titular de Ética e Filosofia da USP

Fonte: Valor Econômico

O Palácio Anchieta e a História do ES

 Três novos livros do historiador Gabriel Augusto de Mello Bittencourt serão apresentados ao público dia 21 de novembro, uma quinta-feira, às 19 horas, na Biblioteca Pública Estadual, na Praia do Suá, em Vitória:
·         “Jesuítas e Governantes do Espírito Santo (1551-2008): O Palácio Anchieta de Vitória”, 236 páginas, editado através da “Lei Rubem Braga” (nº 3.730/1991), de incentivo à cultura do Município de Vitória.
·         “Recriando as Trilhas de Anchieta (Os Jesuítas e a Obra de Anchieta no Brasil e no Espírito Santo)”, 232 páginas, editado através da “Lei Chico Prego” (nº 2.204/99), de incentivo à cultura do Município da Serra.
·         “Bittencourt – A Saga – Dez Séculos de História”, 280 páginas, editado com recursos próprios do autor.
Jesuítas e Governantes...” analisa a atuação de jesuítas e administradores do Espírito Santo ao logo de 473 anos, do início da colonização (23/05/1535) até o ano de 2008, com foco a partir do Palácio Anchieta. Afinal, dentro e em torno do Anchieta se deram os principais episódios da formação do hoje Estado do Espírito Santo, o que tornou o Palácio um importante “personagem” da História Capixaba. Recebeu o nome do jesuíta José de Anchieta, que nele atuou intensamente, hoje beato. Os jesuítas começaram a construí-lo em 1551 (inauguraram-no em 25/07/1551), para ser colégio de catequese dos índios da região e Igreja de São Tiago. A partir de < span style="mso-bidi-font-size: 14.0pt; font-family: 'Verdana','sans-serif'; mso-bidi-font-family: Arial;">1788, abrigou repartições do Governo e assim foi utilizado até 2008. É hoje um dos mais importantes museus de e sobre o Espírito Santo.
“Recriando as Trilhas...” é uma biografia do Beato José de Anchieta (Tenerife, Ilhas Canárias, Espanha, 19/03/1534-Reritiba, hoje Anchieta, ES, Brasil, 09/06/1597), que o coloca no contexto da atuação da Ordem Jesuíta no Espírito Santo. Mostra também o Anchieta naturalista e a homenagem que vem recebendo há 16 anos, no dia de seu falecimento (9 de junho): a caminhada “Passos de Anchieta”, que refaz os 100 quilômetros que ele percorria a pé, à beira-mar, entre Vitória e Reritiba (hoje Cidade de Anchieta).
“Bittencourt – A Saga...” é um levantamento dos antecedentes familiares do autor, situando como embrião o desbravador do Arquipélago das Canárias (Espanha) e seu primeiro rei, o nobre francês Jean de Bethéncourt (1360?-1426). Coincidentemente, foi na maior das Ilhas Canárias, Tenerife, a 19 de março de 1534, que nasceu o Beato José de Anchieta, biografado por Gabriel Bittencourt em um dos livros ora em lançamento.

O autor

Natural de Cachoeiro de Itapemirim (ES), lá Gabriel fez os primeiros estudos, complementados no Rio de Janeiro. Graduou-se em História, pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e é hoje mestre e livre docente em História, mestre e doutor em Direito.
Foi professor da Ufes, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Gama Filho, também do Rio, e é um dos responsáveis pela implantação do Curso de Direito da Faculdade Estácio de Sá de Vitória.
É membro e Presidente de Honra da Academia Espírito-Santense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES), além de membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e de participar de entidades assemelhadas em várias partes do Brasil, assim como na Argentina, Bolívia, Uruguai, Portugal e Espanha.
Sua produção bibliográfica inclui 24 títulos solos e participação em 32 obras coletivas, além de artigos em jornais e revistas de todo o Brasil. Tem dois outros livros em preparação, sobre a imigração para o Espírito Santo e sobre Direito Constitucional.

domingo, 17 de novembro de 2013

Fascismo! (Roberto Romano)


A linguagem política e ideológica vive de lugares-comuns, cuja significação é indefinida. Em agrupamentos nos quais imperam os slogans, o discurso é sempre equívoco. Nos debates jornalísticos e acadêmicos dos últimos dias, um signo retorna com força. Refiro-me ao apelativo "fascismo". Antes, faço uma pequena digressão.

Os slogans importam porque integram as técnicas de poder. Como enuncia uma psicanalista, "toda prática linguística repetitiva veicula uma potência de hipnose que leva o indivíduo rumo a comportamentos sociais ou mentais estereotipados" (ShoshanaFelman). A cultura política conhece a fina observação de Thomas Hobbes: na maioria das pessoas "o costume tem um poder tão grande que, se a mente sugere uma palavra inicial, o resto das palavras segue-se pelo hábito, e elas não são mais seguidas pela mente. É o que ocorre entre os mendigos quando rezam seu patemoster, Eles unem tais termos com os que aprenderam de suas babás, companhias ou professores e não têm imagens ou concepções na mente para responder às palavras que enunciam. Como aprenderam, ensinam a posteridade" (The Elements of Law).

A ética expõe formas de pensamento e de ação que se tomaram automáticas. Uma vez prescrito e interiorizado, certo modo de ser é repetido sem maiores reflexões. Caso a pedagogia se fundamente em valores positivos, a vida pública se beneficia. Se ocorre o contrário e o ensino segue parâmetros corruptos, os indivíduos e associações que os assumem arruinam a sociabilidade. Gritar um lugar-comum entra no rol dos automatismos éticos desprovidos "de imagens ou concepções".

Com o domínio do slogan, um religioso grita "fascismo" sempre que prerrogativas ou privilégios de sua grei são postos em dúvida. Se um conservador enfrenta críticas sobre as tradições a que se apega, logo ergue o grito de "fascismo" contra os oponentes. Quando as esquerdas não conseguem controlar setores opostos aos seus alvos, a palavra que vem aos lábios dos militantes é... fascismo. E assim por diante.

George Orwell, atacado por todas as facções políticas de sua época, tem um instrutivo escrito sobre o tema. Ele inicia com o mais óbvio: "A leitura atenta da imprensa mostra que, praticamente, nenhuma categoria de indivíduos deixou de ser qualificada de fascista". O mais relevante, no meu entender, encontra-se na seguinte tese do autor: "Mesmo os que lançam a palavra "fascista" para todos os ventos lhe atribuem, no mínimo, um significado emocional. Por "fascismo" eles entendem, grosso modo,algo cruel, sem escrúpulos, arrogante, obscurantista, antiliberal e contrário à classe operária".

Termina Orwell indicando ser impossível encontrar uma definição do fato que seja aceita por todos. "É impossível definir o fascismo de modo satisfatório sem admitir certas coisas que nem os próprios fascistas, nem os conservadores, nem os socialistas de todas as cores estão dispostos a admitir. Tudo o que podemos fazer, agora, é usar a palavra com certa circunspecção, e não, como se faz geralmente, rebaixá-la ao nível da injúria" (What is Fascism?, 1944).

Pouco antes, os intelectuais da França alertaram os europeus contra o terror fascista. E fizeram um diagnóstico preciso do fenômeno. O fascismo, disseram, "suprime todas as liberdades; retira dos indivíduos toda possibilidade legal de exprimir livremente sua opinião. As liberdades de reunião, de associação são anuladas. Não mais existe liberdade de ensino nem de imprensa. Tais liberdades não são respeitadas por nenhuma ditadura. Mas a fascista se caracteriza por uma técnica aperfeiçoada de opressão, completa, metódica e implacável. Nos primeiros tempos da ditadura os golpes, os assassinatos, o terror são os principais meios de controle. Mas os meios legais rapidamente se desenvolvem, sempre sancionados, aliás, por uma repressão ignóbil" (O que é 0 Fascismo?, Manifesto de intelectuais em 1935.0 documento original pode ser lido em Gallica.bnf.fr/).

Orwell e os intelectuais franceses, embora empenhados na luta contra o terror fascista, refletiram sobre ele sem cair na repetição automática do nome, à guisa de exorcismo ou injúria. As coisas "que nem os próprios fascistas" e seus adversários admitiriam vieram com o Holocausto, a morte industrializada sob comando de burocratas movidos por slogans. O fascismo, até no seu nome de batismo, é ameaça demasiado terrível e não deve ser admitido na luta política democrática. A banalização do uso atenua a sua essência, dissimula seu advento.

No Brasil, em vésperas de eleição decisiva para todos nós (em todos os matizes ideológicos), ensaiemos a forma e o conteúdo democráticos. Não existem, numa sociedade civilizada, inimigos políticos a serem perseguidos ou injuriados, mas seres que refletem e divergem quanto aos fins e aos meios na edificação do bem comum.

Ao falar do fascismo no prefácio do amaríssimo Animal Farm o mesmo Orwell proclama: "Se a liberdade tem algum sentido, ela significa o direito de dizer ao povo o que ele não quer ouvir". Assim opera o pensamento político. O uso da propaganda para exterminar inimigos é a via reta para os fascismos. Os povos dominados por aqueles movimentos e partidos só ouviram os seus mestres. As sociedades desfeitas pelas injúrias foram tragadas pelas palavras imprudentes ou por slogans gastos nas batalhas pelo poder.

O fascismo não admite distinções entre esquerda e direita, pois exige obediência absoluta às palavras de ordem do partido único. Quem perde a liberdade de enunciar "o que o povo não quer ouvir" é visto como besta-fera a ser perseguida. Fantasmas invocados costumam atender às preces dos aprendizes de feiticeiro, trazendo pesadelos coletivos.

Circunspecção diante da palavra e da coisa!

Ameaça demasiado terrível, ele não deve ser admitido na luta política democrática

* Professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é autor de "O Caldeirão de Medeia" (Perspectiva)

Fonte: O Estado de S. Paulo

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Ao gosto do freguês (Rosângela Bittar)


O objetivo, hoje, é fazer acreditar em vitória no 1º turno

Na entrevista com que brindou a imprensa para oferecer-lhe os resultados de uma pesquisa que encomendou ao MDA, instituto do qual é cliente, o presidente da Confederação Nacional dos Transportes, senador Clésio Andrade (PMDB-MG), apresentou uma coleção completa das distorções que têm solapado a credibilidde das pesquisas eleitorais no Brasil. Desconsiderou a candidatura do ex-governador José Serra (PSDB), decidindo por convicção pessoal que ele não será candidato; duvidou da candidatura Eduardo Campos (PSB), afirmando que ele próprio já disse (ele nega) que não sabe se será candidato ou se a candidata será Marina Silva; e ousou fazer uma distribuição discricionária dos benefícios de programas e dos votos de Marina entre os candidatos, pela qual Dilma Rousseff (PT) herda a maior parte.

Nada desse festival de arbítrio teve sua razão explicada. Desenhou os cenários que quis para o trabalho do instituto do qual é cliente e parceiro, e analisou os dados também como se analista de pesquisa fosse, sem ressalvas.

Clésio é integrante da base de apoio à reeleição da candidata líder, Dilma Rousseff, e dá a opinião que quiser sobre os resultados de pesquisas, encomendadas por ele ou não, por outros políticos do seu grupo e de sua aliança eleitoral, tenham que objetivos tiverem. Cabe à imprensa, porém, que tem responsabilidade com a informação, não tomar suas opiniões como se ciência fossem, porque não são.

Uma pesquisa como essa, além de outras feitas a soldo de clientes engajados, eles próprios candidatos ou com um objetivo de fortalecimento do seu poder dentro da aliança, ou de partidos políticos, perde em capacidade de projetar o que vai ocorrer mais adiante, no futuro próximo, uma das principais finalidades, se não a principal, de pesquisas eleitorais nesse momento, para referência do eleitor.

É um desvirtuamento decorrente do rei dos equívocos, que é a dupla militância do instituto de pesquisa, que trabalha para partidos, candidatos, organizações representativas de grupos, interessados em eleger determinados políticos. Com a exceção conhecida, no Brasil, do Datafolha, que não trabalha para partidos e candidatos. O país partiu para mais uma campanha eleitoral sem ter superado a distorção.

Está claro que as pesquisas de agora, tendo como cliente o governo, ou o PT, ou seus partidos coligados, têm um objetivo às vezes até declarados. Sua batalha do momento é fazer crer que a candidata Dilma Rousseff vai vencer no primeiro turno. Não para forçar de verdade a vitória no primeiro turno, isto ainda é uma questão da estratégia da campanha no ano que vem. Mas para ter efeito em uma ação que se desenrola agora: a negociação das alianças nos Estados. Destinam-se a criar um clima que facilite a montagem dos palanques estaduais.

Assim, é compreensível que os clientes de pesquisas definam as perguntas do questionário e analisem os dados como lhes aprouver tendo em vista o objetivo do momento da campanha, que é esse da vitória no primeiro turno. Mas é também nítido que a imprensa não deve tomar a iniciativa partidária como verdade científica.

Por exemplo, um dado que retrataria bem a realidade do momento e que está sendo omitido de pesquisa divulgada, talvez porque não interesse ao freguês, é que, quando apresentado o candidato e seu principal apoiador, como se fossem uma chapa, o resultado muda totalmente o quadro eleitoral: Dilma-Lula, Eduardo-Marina, Aécio-Fernando Henrique. Fica evidente, segundo quem conhece os dados, a transferência de votos de Marina para Eduardo, reduzindo a diferença entre ele e a candidatura líder e definindo o segundo turno entre os dois. O que, evidentemente, não interessa a quem quer fazer crer que tudo será liquidado no primeiro turno nem a quem ficaria de fora do segundo.

No lusco-fusco dos dados o MDA mostrou dados de pesquisa anterior sobre para quem iriam os votos de Marina: 7% para Dilma, 4% para Aécio, 4% para Eduardo Campos, 5% para brancos e nulos e 2% para indecisos. Diante da pergunta sobre a ausência de tão precisa distribuição do texto por escrito com os dados da pequisa, o repórter Fábio Brandt, do Valor, ouviu que isso constaria apenas da análise oral, não da impressa. O presidente da CNT deixou dúvidas também sobre suas considerações a respeito dos benefícios para a candidata Dilma Rousseff dos programas Mais Médicos e leilão de Libra. Ao exaltá-los, foi confrontado com a estagnação dos índices de intenções de voto e da avaliação do governo. Em seu socorro, o diretor do Instituto MDA, Marcelo Souza, disse ao repórter que a avaliação do presidente da CNT tinha base nas "simulações de segundo turno" e não "nos cenários de primeiro turno". Compreender, quem há de?

No berço das pesquisas eleitorais o cidadão não é mais um paciente dessas distorções. Se o eleitor vê uma pesquisa da CNN, sabe que foi feita por um instituto que não conduz a campanha eleitoral de ninguém. Quando a imprensa divulga uma pesquisa de instituto que trabalha para partidos, diz isso com todas as letras - instituto que trabalha para os republicanos, ou instituto que trabalha para os democratas. E há os que trabalham para meios de comunicação, emissoras de TV, jornais, e atualmente também para blogs.

Não há restrições nem legislação sobre pesquisa, e o bom senso do mercado fez todas as distinções por ele mesmo. Aqui há legislação, limites, metodologia, regras de divulgação, proibições, que resultam num cipoal de descontrole que transforma as pesquisas em peças de campanha quase individuais, pois qualquer político pode usar o instrumento como uma baliza de sua própria carreira.

Tudo isso, principalmente a dupla militância dos Institutos, tem minado a credibilidade das pesquisas, mas com certeza não será o projeto do senador Luiz Henrique (PMDB-SC), que proíbe divulgação de pesquisa 15 dias antes do pleito, que vai corrigir tão acentuado desvio.

Fonte: Valor Econômico

terça-feira, 12 de novembro de 2013

A última (última?) da Ideli (Roberto Beling)


Figueirense Futebol Clube - Florianópolis, Brazil

Quem conhece Ideli Salvatti sabe que ela não é flor que se cheire.
Quem acompanha a política catarinense está sempre sabendo da última da Ideli.
Agora, a última passou dos limites para uma política acostumada a aceitar todas as coisas.  
O Correio Braziliense traz a tona a história do uso indevido de helicóptero da PRF em SC.
Para quem não sabe, a Polícia Rodoviária tem uma única aeronave para realizar as atividades de resgate e atendimento médico de urgência em convênio com o Samu nas estradas federais do Estado. 
Pois bem, quando a Ministra vem ao Estado para "vistoriar obras" (leia-se, visita a redutos eleitorais pois é candidatíssima em 2014) a aeronave é readaptada para ficar a serviço de Sua Excelência, essa ex-líder sindical que não saía das ruas para denunciar tudo e todos e ser "contra tudo que está aí" em tempos remotos, que, de tão remotos, já não são lembrados nas memórias dessa nova elite estatal. 
Ocorre que essa mordomia e desvio de finalidade no uso da aeronave tem um custo. Em três dias deste ano, quando estava à disposição da ministra, houve 116 acidentes, com 63 feridos e dois mortos no estado.
Após a denúncia, a Comissão de Ética da Presidência quer que a ministra Ideli Salvattí explique o inexplicável, ou seja, o uso de helicóptero da PRF para aparente fins eleitorais. Certamente, vai ser difícil explicar que entre as funções do Ministério das Relações Institucionais está a supervisão e vistoria de obras públicas localizadas exatamente em seus redutos eleitorais. 
Mas, assim como aconteceu com Erenice Guerra e Rosemari Noronha, para ficar em casos mais conhecidos, a depender da ação da Comissão,  a coisa não terá muitas consequências e a Ministra seguirá leve, livre e solta com sua campanha para 2014.
Ahhh!!!, antes que esqueça, essa Ministra só pode ser torcedora do Avaí.

Roberto Beling

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Pobreza e enganação (Suely Caldas)


No palanque eleitoral, políticos e governantes juram que irão acabar com a pobreza. Passada a eleição, o juramento cai no vazio: as ações dirigidas aos pobres são inócuas porque ineficazes, não resolvem e, em muitos casos, são permeadas de fraudes, roubalheira, desvio do dinheiro. Exceção feita ao programa Bolsa Família, que gerou bons resultados pois o cartão magnético de acesso ao dinheiro é manejado diretamente pela mãe pobre, não transita pelas mãos de políticos nem de ONGs mal-intencionadas. É certo que alguns prefeitos cadastram parentes e cabos eleitorais no programa, mas são fraudes residuais, não chegam a comprometê-lo. O Bolsa Família cumpriu e seguirá cumprindo a missão de ajudar a combater a pobreza. Mas ele não basta: 18 anos depois das primeiras experiências, os programas de transferência de renda dão sinais de esgotamento, detectados em pesquisa feita pelo economista Cláudio Decca, da Unicamp, que a expôs em entrevista ao Estadão de 3/11/2013.

Outra pesquisa, do IBGE, conhecida na quarta-feira, denuncia o trágico retrato da pobreza em favelas e palafitas das grandes cidades e comprova o diagnóstico do economista da Unicamp: o Bolsa Família já fez, mas não faz mais a diferença. Sua rénda foi incorporada ao orçamento do pobre, mas não foi capaz de tirá-lo da condição de vida degradante. Na verdade, o cerne das ações de combate à pobreza está onde sempre esteve: em educação, saúde, transporte, habitação, saneamento e segurança. Não em paliativos e nas maquiagens das construções precárias do programa Minha Casa, Minha Vida; ou de hospitais e ambulatórios insuficientes, desaparelhados e inoperantes; ou em escolas que produzem analfabetos funcionais. Enquanto não for universalizado o acesso aos serviços públicos nem oferecido aos usuários padrão de qualidade (aquele padrão Fifa proposto nas manifestações de junho), a pobreza e a desigualdade persistirão.

Políticos e governantes sabem disso, mas, em vez de trabalharem para fechar as brechas por onde escorre a corrupção, escolhem o caminho do discurso demagógico. Gomo fizeram na última semana a presidente Dilma e o ex-presidente Lula. Em falas decoradas, iguais e orquestradas, os dois foram à TV atacar anônimos que não identificaram e que estariam agindo para acabar com o Bolsa Família: a(0 programa) veio para ser a porta de saída da miséria e a porta de entrada de um mundo de esperança", repetiram, em j ogo de palavras para emocionar ingênuos. Como se algum adversário estivesse disposto a praticar harakiri político extinguindo o programa. Demagogia como o candidato tucano Aécio Neves vir a público declarar a intenção de transformar o Bolsa Família em política de Estado. Política de Estado seria oferecer saúde, educação e transporte de qualidade, multiplicar redes de esgoto e água tratada, construir casas seguras para 11,4 milhões de pessoas que moram em lixões, favelas e palafitas, mostradas na pesquisa do IBGE.

Pela primeira vez o IBGE mapeou a pobreza urbana das grandes cidades. Constatou que 11,4 milhões de pessoas vivem em áreas de risco, contaminadas, sujeitas a doenças. São favelas e palafitas onde vivem, em média, 3,5 pessoas por domicílio, que têm TV, geladeira, máquina de lavar e telefone celular (54%), o que o mundo de consumo oferece e que pode ser comprado a crédito. Mas vivem em condições indignas e degradadas, onde saúde e educação são precaríssimas, não há saneamento e água tratada e levam quase 2 horas para chegar ao trabalho - quando o têm, porque 28% vivem de biscates. Segundo o IBGE, 6% da população brasileira vive nessas condições, diverte-se com a TV e sofre com a exclusão de direitos básicos e de cidadania.

O ineditismo da pesquisa deveria atrair governantes a trabalharem na definição de políticas públicas para essa população marginalizada. Mas não só ela. O Estado precisa ser dotado de uma estrutura de leis e regras que dificultem a corrupção e garantam serviços públicos competentes, de qualidade. Será um passo firme, sem volta, para combater a pobreza.

Suely Caldas é jornalista e professora da Puc-Rio

Fonte: O Estado de S. Paulo

Marina, candidata? (Renato Janine Ribeiro)

 
A política, como as casas, tem piso e teto. O piso vem antes do teto. Piso são as intenções de voto garantidas para um candidato, chova ou faça sol; são um ponto de partida mais ou menos real (na verdade, mais imaginário que real, porque nem sempre o eleitor honra esse cheque que parecia visado). Teto é o máximo que um candidato pode obter. Maior a rejeição, menor o teto. Mas piso alto pode implicar teto baixo. Ser bem conhecido, como José Serra, pode gerar altas intenções de voto - e também de rejeição. O teto pode estar bem perto do piso.

Piso e teto são decisivos para as avaliações, arriscadas por definição, que os partidos fazem pensando em seu futuro candidato. Um piso alto é um trunfo inicial importante - mas, se vier acompanhado, como no caso acima, de uma rejeição elevada? Candidatos de opiniões fortes podem gerar alta recusa, o que não implica que sejam ruins - porque, se medirmos as coisas só pelo teto, beneficiaremos quem não fede nem cheira. Às vezes vale a pena insistir. Um candidato de alta rejeição, que segundo Delfim Neto seria derrotado até mesmo por um poste, acabou se elegendo na terceira tentativa e se tornou modelo de presidente popular: Lula.

Teto alto quer dizer que o céu é o limite. Significa que, no segundo turno, o candidato é competitivo para vencer o adversário. É essa a diferença, dizem-nos, entre Serra, bom para se classificar no primeiro turno, e Aécio, competitivo no segundo. Mas, para chegar ao segundo, ele precisa emplacar no primeiro... De que adiantará Serra se classificar, se sua derrota estiver garantida no segundo turno? E por que lançar Aécio, se esse possível vitorioso na final nem chegar a ela? Por isso, cada lado apoia o seu nome, mas com uma justificativa oposta. Para salvar os guardados, Serra pode ser o melhor. Se quiserem disputar a presidência para valer, Aécio pode ser a aposta. E é, mesmo, aposta - tudo ou nada, a presidência ou o terceiro lugar, que nos campeonatos eleitorais equivale a uma desclassificação.

Marina Silva tem piso e teto elevados
Mas a novidade da próxima eleição é que temos hoje, no banco de reservas, um nome de piso alto e teto idem: Marina Silva. De maneira consistente, ela tem recebido a segunda maior intenção de votos. Se as eleições fossem hoje e, como na França, qualquer um pudesse concorrer, nosso segundo turno assim oporia duas mulheres, ambas ex-ministras de Lula - ela e Dilma Rousseff.

Aqui temos uma série de paradoxos: a segunda maior intenção de voto, hoje a melhor desafiante ao PT, não é candidata provável por partido algum. Não discuto aqui por quê, se isso foi causado por nossa lei partidária, se pela demora da Rede em se constituir. Apenas, constato um quase-buraco negro nas projeções eleitorais. Porque há outro paradoxo, que é o PSB + Rede ter como candidato presidencial alguém que dificilmente alçará voo. Eduardo Campos pode ser ótimo governador, mas não tem as qualidades dela para multiplicar votos.

Marina é admirada por muita gente fora dos partidos. No atual panorama, é a única candidata que tem o considerável "asset" de não ser, ou não parecer, política. Galgou uma carreira política, sim, mas o que mais se nota nela são qualidades éticas, de quem superou analfabetismo, miséria e doença, e prega há anos, ao mundo dos negócios, que não destrua o verde das matas, do hino, da bandeira. Seus elevados piso e teto se devem a esta percepção, tão difundida, de que Marina não é política. Essas características apontam para a órbita do carisma, o que por sua vez explica por que ela e a Rede procuram mimetizar a trajetória que foi de Lula, nosso maior líder carismático desde Getúlio Vargas, e do PT.

Faz sentido, nesse quadro, Eduardo Campos ser o candidato? O mesmo sistema político que barra candidaturas independentes reúne fatores de alta racionalidade. Ora, neste caso, o racional - para o próprio Campos - é ele ter um prazo para decolar, mesmo que não conte isso a ninguém (o segredo, aqui, é não contar). Se empolgar o eleitorado em, digamos, seis meses, o lugar é dele (mas, se ele divulgar que tem um prazo, acabou). Se não conseguir, o governador de Pernambuco tem ainda uma excelente perspectiva. Pode ser vice de Marina. Não perde nada. Se continuar com poucas intenções de voto, e ela com muitas, será vantajoso ele ser vice-presidente com uma eleição possível, quase provável. Poderá ter uma fatia na administração, tema que não desperta paixão em Marina (como não despertava em FHC ou Lula, ao contrário de Serra e Dilma, que gostam de gestão) - quem sabe num cargo de superministro ou coordenando alguns ministérios-chave, por exemplo, na área da produção. Quem sabe, ainda, a promessa da candidatura presidencial em 2018, vitaminada por quatro anos na vice e no governo. Tudo isso é muito melhor do que correr o provável risco de acabar em terceiro lugar no ano que vem.

Uma nota, aqui. Há artifícios para dar a vitória a candidatos com baixa rejeição - aqueles que, sendo a segunda opção de muitos, são a primeira de poucos. Basicamente, são variações em torno de um tema: o eleitor hierarquiza os candidatos. Em vez de votar "seco" num só, ele escolhe 1º, 2º, 3º. E a apuração levará em conta não só a preferência, mas também o não-repúdio. O Oscar é atribuído assim (veja www.newyorker.com/ talk/comment/2010/02/15/ 100215taco_talk_hertzberg).

A vantagem é encontrar um ponto de convergência, que não exaspere os eleitores. A desvantagem é beneficiar o que é morno, sem projeto, sem odor, que deixa as coisas na mesma. Foi assim que em 2009 "Avatar" perdeu para "Guerra ao terror". Não há sistema de escolhas que seja perfeito.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

"Manda quem pode, obedece ..." (Roberto Beling)


Roberto BelingAntigamente a Sociologia distinguia no debate sobre o Brasil o país real (do fato) do país legal (da lei). 
Com Lula tivemos o inicio da era da Presidência de fato e da Presidência Legal. Lula governa, Dilma homologa. Uma versão brasileira da famosa "co-habitação" do sistema presidencialista francês.
Agora Lula e Dilma resolvem inovar também com o ES.
Há 15 dias o ex-presidente reuniu-se com o ex-governador e bateu o martelo sobre a candidatura do PMDB ao governo. Deixou claro seu entendimento que em eleição presidencial não é o local que define o nacional, mas que o "centro" define a "periferia". 
Na eleição de 2010 coube a José Dirceu realizar o devido processo de entubamento do então governador e do PT. Entubamento ou enquadramento foi um autêntico em "sendo inevitável o estupro, então relaxe e goze" (na velha forma de Paulo Mafuf, devidamente atualizada por Marta Suplicy quando da crise dos aeroportos).
Dirceu não se preocupou com muitas sutilezas, afinal, desde os tempos da Casa Civil da Presidência tornou-se um cultor da velha máxima  "manda quem pode, obedece quem tem juízo".  Desceu no aeroporto, foi para o Palácio Anchieta, falou grosso, não esperou a sobremesa e foi embora. No dia seguinte, o Governador chamou coletiva de  imprensa e anunciou o que na crônica política foi chamado de o "Abril Sangrento". 
Agora, conforme matérias dos jornais de ontem, Hartung, aparentemente ungido para enfrentar Casagrande, passou duas exatas horas com Dilma e Ferraço, "esquadrinhando obras que poderiam ser anunciadas na primeira visita que ela pretende fazer ao Espírito Santo desde que foi eleita". Dito de outra  forma, não satisfeita em usar o horário de expediente para uma agenda eleitoral referente a sua reeleição e construção de palanques no Estado (para citar alguém: muita política, pouca gestão), a Presidenta "em vez de discutir a agenda administrativa com o governador de fato, o socialista Renato Casagrande, ... preferiu chamar ao Planalto o ex-governador. De plataforma de petróleo, passando por aeroporto e retomada de obras da BR-262, tudo e mais um pouco será levado por ela quando aterrissar com seu pacote de bondades em Vitória, no próximo mês."
 
Enquanto Dilma fazia o dever de casa com Hartung e Ferraço, o Presidente (sic) Lula conversava com a cúpula petista do estado (Givaldo, Coser e Ana Rita). Ou seja, se o PT do ES está dividido entre Casagrande e Hartung, Lula não tem dúvidas ou crises de identidade, sua chapa está montada com  Hartung para governador e o indefectível Coser de vice. O PT capixaba nada, nada e vai morrer na praia ..... 
Não se trata de um a "Hora do pesadelo parte II", mas de um "Abril sangrento Parte II".
Além do horizonte, digo de qualquer ideologia, Lula é uma máquina movida a pragmatismo e focado no cálculo eleitoral. Para ele, trata-se de buscar uma virada de página da história de 2010 no estado  e as tendências de hoje.
Só para lembrar, em 2010, Dilma  perdeu no primeiro turno para Marina Silva (PV), e no segundo, para o ex-ministro José Serra (PSDB). Hoje, acreditando no que indicam os números das pesquisas de intenção de voto, o Espírito Santo prepara uma nova e desagradável surpresa para a dupla Lula/Dilma.
Como uma discípula  obediente ao seu "mestre", Dilma resolveu institucionalizar no ES o sistema do "governador de fato" do "governador de direito". E mais uma vez, o PT no estado vai ser devidamente entubado. 

Roberto Beling

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

‘Reduzir pobreza, agora, é melhorar os serviços’ (Claudio Dedecca/entrevista)

Para economista, Bolsa Família "perdeu eficácia" no combate à miséria e nova etapa é dar acesso a saúde, educação e moradia

Roldão Arruda

Diversos estudos já apontaram que os índices de pobreza caíram nos últimos anos em decorrência da transferência de renda por meio dos programas sociais do governo, do aumento do salário e da geração de emprego. Esse trinômio, no entanto, começou a se estabilizar em 2008 e agora dá sinais de esgotamento. Quem diz isso é o economista e pesquisador Claudio Dedecca, do Instituto de Economia da Unicamp.

Em estudo que acaba de concluir, no qual cruzou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2012 e do Produto Interno Bruto do País (PIB), ele afirma que famílias beneficiadas por programas como o Bolsa Família não estão conseguindo romper as barreiras em termos de inserção produtiva e tendem a se tornar cada vez mais dependentes da transferência de renda. Segundo o economista, apesar de terem tido mais acesso ao consumo, os mais pobres continuam sem acesso a serviços públicos de qualidade em áreas fundamentais, como educação.


• A interpretação dos resultados da Pnad 2012 foi muito controversa em relação à redução da desigualdade. O que o senhor viu?

Vi uma luz amarela. O movimento de queda da desigualdade, que esteve fortemente associado ao aumento do emprego e da renda e dos programas de transferência monetária, está bloqueado para 2013, 2014 e 2015. No caso do aumento de renda dos mais pobres, sabemos que está colado ao salário mínimo, cujo reajuste é vinculado ao crescimento econômico. Como esse crescimento será relativamente baixo nesses anos, o aumento do salário também será baixo.

• E quanto a programas como o Bolsa Família?

A eficácia do Bolsa Família no combate à pobreza se esgotou. Até aqui, ela esteve muito associada ao aumento da cobertura. Milhões de famílias foram incluídas no programa nos últimos anos. Mas isso acabou: não há mais famílias a incluir -dentro dos limites estabelecidos. Daqui para a frente, o programa só pode ter efeito sobre a pobreza se houver aumento significativo, se dobrar o valor do benefício. Com o crescimento baixo da economia, não há como fazer isso.

• Como vê o impacto da transferência de renda sobre o consumo e, consequentemente, o crescimento econômico?

Quando olho de maneira ampla o que houve com a extrema pobreza, vejo que houve uma evolução significativa em relação ao consumo de geladeira, fogão, vestuário e outros bens. Do ponto de vista das condições de vida, porém, não houve muito impacto: o acesso a serviços públicos como educação, transporte, saúde, habitação e segurança foi mais lento. Isso é ruim, porque a redução efetiva da pobreza depende mais do acesso a bons serviços público do que a bens de consumo. O cruzamento dos dados da Pnad e do PIB mostram que esse modelo que está aí se esgotou: o consumo estabilizou, o crescimento estabilizou.

• O senhor não considera significativa a redução no índice de pobreza que ocorreu no País?

O Bolsa Família foi importante porque amenizou a pobreza, combateu a fome. Daqui para a frente, porém, a superação da pobreza depende fundamentalmente da melhoria dos sistemas de educação, transporte público, saúde, habitação. Quando se observa, porém, a composição dos investimentos do Estado, aquilo que o governo privilegia, é fácil perceber que estas questões ficam em segundo plano. O transporte individual recebe mais atenção que o transporte público. O dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador está financiando reformas de aeroportos. Os projetos e as casas do Programa Minha Casa Minha Vida são tão ruins e precários que precisarão ser reconstruídos daqui a dez anos. Em termos gerais, estamos garantindo o acesso à escola, mas permanecem os entraves para que o jovem pobre tenha um processo de aprendizagem com qualidade.

• Os programas sociais não melhoraram as condições de inserção econômica dos mais pobres?

Os dados mostram que as barreiras para a inserção produtiva permanecem para a população em extrema pobreza. O desemprego é mais elevado, assim como a informalidade. O que a Pnad sugere é que a superação não virá pelo mercado de trabalho, mas das transformações das condições sociais.

• O que deve mudar é o padrão de investimento no País?

Sim. Os avanços agora dependerão principalmente dos investimentos em infraestrutura e políticas sociais. O impasse é igual ao que houve no final da década de 1970, com o esgotamento do milagre econômico, que havia sido alimentado sobretudo pelo crescimento do consumo da classe média. Foi quando surgiu o 2.° Plano Nacional de Desenvolvimento, que, entre outras coisas, deu atenção enorme à área social, com programas de habitação, abastecimento de água, saneamento, transporte. Nunca se investiu tanto em abastecimento de água e saneamento.

Fonte: O Estado de S. Paulo

As alianças no segundo turno (Renato Janine Ribeiro)


A chave é blindar seus eleitores contra o PT

A 26 de outubro de 2014, daqui a quase um ano, deveremos escolher o próximo presidente entre Dilma Rousseff e um candidato da oposição. Hoje, este é o cenário provável. Dilma terá sido a mais votada no primeiro turno, mas com menos votos do que os sufrágios tucanos somados aos da Rede+PSB. Matematicamente, isso significa que a oposição poderá vencer - mas apenas se o oposicionista que for para o segundo turno conseguir a transferência quase integral dos votos do oposicionista que não for.

A grande questão, desde já, é: os dois candidatos de oposição - que se opõem mais ao PT do que entre si - se unirão para o segundo turno? Desculpem, a pergunta está errada. Pode bem ser, sim, que se unam. Mas a verdadeira questão é: os eleitores do terceiro colocado, que estará fora da disputa, apoiarão quem disputar a final contra Dilma? Eis o ponto.

Nosso eleitor não dá tanta importância às recomendações dos candidatos em quem votou antes. Decide em função de outros critérios. Isso pode decorrer de uma politização menor do que na Europa, mas tem o condão de deixar nosso votante mais independente, de permitir surpresas políticas e de dar mais oportunidade política à renovação. Os movimentos de votos que ocorrerão entre 5 e 26 de outubro não resultarão tanto de um acordo tardio entre os dois oposicionistas. Mas serão influenciados, sim, por suas campanhas.

Para que a aritmética (PSDB + PSB> PT) se torne realidade, será preciso muita política. Será necessário os candidatos de oposição blindarem seus eleitores contra a sereia petista - e isso começando agora, pensando já no segundo turno. Essa é a condição para uma transferência bem sucedida de votos. Têm assim de convencer seus eleitores de que a distância entre eles dois (Aécio ou Serra e Eduardo ou Marina) é menor do que o abismo separando todos eles do governo. Só que não adiantará pregar isso depois de abertas as urnas do primeiro turno. Na França, a cada eleição presidencial, aguarda-se com ansiedade o perdedor do primeiro turno - sempre um "centrista" - anunciar quem apoiará. No Brasil, será tarde. Nosso eleitor fará sua escolha para a final das presidenciais considerando, sim, o que dirá seu ex-candidato, mas apenas entre vários outros considerandos.

Se a oposição quiser levar em outubro de 2014, precisa começar a trabalhar desde já. Precisa preparar uma aliança implícita, não enunciada, discreta, que possa ter sucesso no segundo turno. Ou seja, não pode deixar para anunciar sua união após a primeira volta das eleições. Mas tampouco pode se apresentar unida antes do pleito. Os dois partidos precisam ter seus candidatos. Precisam ser diferentes. Precisam disputar para valer.

Não se trata de um pacto de não agressão. Agora deve baixar bastante o teor de críticas dos tucanos à Rede+PSB, ou desta ao PSDB. Mas o principal, para ambos, é fechar seus eleitores ao PT.

Um sinal disso se vê no aumento da tensão de Marina e mesmo Campos com o petismo. Até agora, Marina Silva se apresentou como a terceira via, propondo uma alternativa ao condomínio PT-PSDB que disputa o poder entre nós há quase 20 anos. Eduardo Campos procurava uma posição intermediária entre esses partidos, cultivando ao mesmo tempo Lula e Aécio, lançando-se candidato mas mantendo-se de bem com os dois. Marina é mais conceitual, mais utópica. Campos é intensamente pragmático. Ela é mais inovadora, queria uma terceira via; Campos, apenas um meio termo. Suas trajetórias, tão diferentes entre si, se os afastavam do PT, não os jogavam nos braços do PSDB. Agora, porém, ambos estão sendo marcados como oposicionistas.

Por itinerários distintos, os dois ex-ministros de Lula - que, separados, podiam não bater de frente no PT - ao se juntarem passaram a navegar em águas que têm mais traços tucanos do que petistas. Isso lhes dá força e fraqueza. Tornam-se fracos, porque o discurso da novidade, da terceira via de Marina, da moderação de Campos cede lugar a um endereço carimbado na oposição. Mas se fortalecem porque passam a disputar, com chances de êxito, o lugar que ainda é dos tucanos. Se Serra tem um teto baixo, limitando seu crescimento, e se Aécio não decola, abre-se espaço para um novo candidato, especialmente se for o membro mais popular da nova aliança, Marina.

Se ela ou Campos for para a final, contra Dilma, o eleitorado tucano os seguirá sem muita discussão. Se Aécio ou Serra for o finalista, a transferência é menos óbvia. Mas interessa aos dois partidos o apoio recíproco na final. E o importante é que, na cultura política brasileira, isso não se define em negociações entre as cúpulas partidárias na última hora, mas se lapida ao longo do tempo, na construção aos olhos do povo de duas figuras essenciais, a do antagonista e a do mero adversário.

Desde agora, na campanha para o primeiro turno, cada candidato elege um antagonista, aquele a quem vai se opor fortemente. Para o PSDB, é o PT, e vice-versa. E cada um elege adversários, com quem vai disputar, mas conservando espaço ou para seu apoio explícito, ou ao menos para garimpar votos entre seus eleitores.

Nesse conflito dos dois rivais históricos, o novo ator ganha, mas nem tanto. Porque o PT tentará desconstruir Marina e Campos com vários argumentos, acusando-os de abandonar seus compromissos históricos e procurando afastar deles os eleitores que valorizem a questão social. Porque Marina e Eduardo também se enfraquecem, ao deixarem de ser terceira via. Perdem justamente o que os distinguia. Em suma, os 12 meses prometem não ser fáceis para ninguém.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico