sexta-feira, 30 de agosto de 2019

A procura de um ator (Luiz Werneck Vianna)

Cumpridos sete meses de disputas encarniçadas ainda não se divisa qual partido tem levado vantagem na guerra de posições em que estão envolvidos o governo com as forças políticas que o apoiam no sentido de desviar o curso do nosso processo de modernização, vigente em linhas gerais desde os anos 1930, e as que se opõem, embora erraticamente, a tal movimento. De qualquer modo, pode-se constatar que se houve veleidades de uma ação do tipo blitzkrieg, rápida e fulminante, a fim de levar de roldão o sistema da ordem da Carta de 88, ela saiu do plano das cogitações oficiais, admitindo os estrategistas dessa operação que ela exige um tempo longo de maturação, para o que já se cogita mais um período presidencial.
Longe de serem uma linha maginot facilmente devassável, as instituições postas pela Carta de 88 tem-se mostrado robustas e resilientes, contrariando os incréus, ao assédio que lhes são feitas. Daí serem elas o objetivo estratégico do governo e seus aliados, principalmente o grande empresariado das finanças e do agronegócio, que identificam nelas obstáculos à expansão dos seus negócios, tal como na afirmação do princípio da solidariedade social, obstáculo ao modelo de capitalização desejado pelo super ministro da economia em favor das finanças, e da defesa do meio ambiente e das terras indígenas cobiçadas pelo agronegócio e pelo setor da mineração.
É próprio das guerras de posição de que as partes em conflito não só se mantenham firmes na defesa do terreno ocupado como procurem se assegurar das suas bases de abastecimento, de apoio político e social. Na atual circunstância em que ora se vive aqui é preciso destacar as vantagens com que contam o governo e seus aliados sobre seus oponentes, a começar pelo fato elementar de deterem a iniciativa das ações, com o que selecionam a seu favor o tipo dos embates com que fustigam seus adversários. Outra vantagem não negligenciável deriva da inexistência no campo das oposições de lideranças que organizem sua heterogênea composição, quer as de origem política quer as intelectuais, viciadas em seu gosto idiossincrático pelo protagonismo, dificultando, quando não impedindo, ações concertadas.
Contudo, pode-se considerar como passageiras algumas dessas desvantagens por que de fácil remédio. O estoque de reservas mobilizáveis pela oposição é muitas vezes superior ao que se apresenta como disponível pelo governo e aliados, e que tende a crescer em razão do estilo truculento e errático que tem caracterizado suas ações, prisioneiro até então da biografia e da personalidade agressiva do seu maior condutor, o presidente da República. O sindicalismo, os intelectuais, os estudantes, o amplo mundo das classes subalternas, a massa considerável da população se encontra à margem da agenda governamental que não dispõe de políticas de legitimação para elas. No caso, vale lembrar que o regime militar – pretenso espelho do governo atual – adotou em busca de legitimação, com êxito durante certo tempo, a via da expansão econômica, objetivo inteiramente ignorado pelos agentes atuais da política econômica.
Nesse cenário de disputa não se trata de uma corrida contra o tempo. Salvo imprevistos dramáticos, os atores que se contendem devem continuar em seus esforços de acumulação de forças, contrapondo o projeto de erradicação da Carta de 88, fórmula concisa da estratégia do governo e seus aliados, dos que a defendem. São dois projetos antagônicos de concepção de ordem e de sociedade, e nisso a vantagem se encontra mais no lado dos seus defensores do que naqueles que a atacam, em razão do óbvio motivo de que a Carta já está aí, conta com trinta anos de existência e penetração capilar em todas as regiões do social.
Daí estarmos envolvidos numa batalha de ideias, apesar de se ter uma débil compreensão a respeito desse fato. Grande parte dos nossos intelectuais, como reação à rusticidade e à brutalidade das ações do governo, tem-se dedicado, muitas vezes com brilho, a explorar pelas artes da ironia a fraqueza e a ausência de argumentos com que são formuladas as suas iniciativas. Ficar nisso não altera em nada a atual disposição de forças. O endereço principal da crítica deve ser o da estagnação da economia, do crescimento das desigualdades sociais, da falta de alento na vida social, da baixa estima quanto aos nossos valores e à nossa história. Para tanto, conta-se com um rico inventário na nossa bibliografia a ser expandido e exposto a uma revisão crítica e que tenha como alvo a valorização da nossa cultura e o reconhecimento dos nossos êxitos civilizatórios, recusados arbitrariamente pelo conjunto de forças que animam o governo que aí está.
Lembrar que o movimento vitorioso na derrota do regime militar nasceu escorado numa larga produção cultural, inclusive universitária, constante desse acervo a produção de teses de doutorado que se dedicaram à pesquisa das raízes do nosso autoritarismo e das nossas desigualdades sociais, exemplares dessa vasta coleção a obra de Florestan Fernandes em a Revolução Burguesa no Brasil e São Paulo, crescimento e pobreza, trabalho coletivo inspirado pelo Cardeal Paulo Evaristo Arns, ambos de meados dos anos 1970. São fios a serem retomados a fim de dotar as forças da oposição ao que aí está de um plano de navegação em meio a essa tempestade que se abateu sobre nós, cuja duração parece longe de arrefecer.
Finalmente, deve-se atentar para o contexto internacional em que o país vem dando largos passos em direção a um alinhamento incondicional à política do presidente norte-americano Donald Trump, rompendo com a tradição de autonomia da sua política externa, vigente inclusive durante o recente regime militar, e que, no limite, pode trazer prejuízos a muitas de suas atividades econômicas, como no caso do agronegócio. Contradições severas, portanto, caracterizam o momento atual, e que demandam por parte de um ator, que ainda não temos, amplo descortino da situação, sangue frio e perseverança no sentido de afastar os perigos que rondam a nossa democracia e o destino do seu povo. O esforço de agora é para construir um ator capaz de intervir com eficácia nessa cena.
21 de agosto de 2019

A miopia da direita e esquerda (Vera Chemim)

A República Federativa do Brasil tornou-se palco de constantes movimentos de “esquerda” e de “direita” que, graças a um regime democrático cada vez mais maduro acolhe posições ideológicas diferenciadas, tendo como pano de fundo, ainda, a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (ex-governo de esquerda) e por outro lado, a vontade da maioria que elegeu Jair Bolsonaro (governo de direita) para a Presidência da República, sem falar da consolidação da Operação Lava Jato no que diz respeito ao combate à corrupção, independentemente de qualquer ideologia de plantão.
Tais protestos estimulam uma reflexão extremamente útil e oportuna para a atual conjuntura política brasileira. Afinal! O que leva todas essas pessoas a defenderem uma pretensa posição denominada “de esquerda”, em contraposição, agora mais forte do que nunca, à posição “de direita”?
Até que ponto, as pessoas que se intitulam em uma ou outra posição têm consciência daquilo que elas pensam ter afinidades?
Trata-se de um engajamento que visa ao crescimento econômico do país? Uma justa distribuição de renda? Uma estabilidade macroeconômica?
Ou se direciona para uma questão puramente político-ideológica?
O eterno conflito entre capital e trabalho, tão explorado por diversos autores, desde Marx até os teóricos contemporâneos remetem a análise para o significado real ou tentativas exaustivas para se chegar a compreender a chamada “direita conservadora” ou a ”esquerda progressista” (nomenclaturas utilizadas no contexto americano).
O que se quer aprofundar nessa direção é a dicotomia existente entre as duas posições, as quais estabelecem desde o seu surgimento, um maniqueísmo teórico, tanto do ponto de vista político, quanto econômico.
Existem ainda, outros questionamentos procedentes dessa divisão: até que ponto a direita é supostamente conservadora e a esquerda é supostamente progressista?
Quais são os critérios que permitem aferir com segurança, tais afirmativas?
Acrescente-se também, que aquela divisão, seja analisada sob o ângulo da política ou da economia percorre diferentes metodologias que podem levar a resultados igualmente divergentes.
Por outro lado, a prática governamental em diversos países, tanto da Europa, quanto, da América Latina corrobora a complexidade do tema, quando se constata o sucesso de modelos ditos de “direita” como os de “esquerda”, como é o caso do Chile e de Portugal, respectivamente.
As políticas econômicas levadas a efeito naqueles países, assim como em outros se diferenciam por si só, até porque as peculiaridades geográficas, históricas, culturais, e políticas nunca serão iguais, assim como, os resultados positivos ou negativos também dependerão do tipo de ações governamentais a serem operacionalizadas em cada um daqueles contextos.
Diante de todos os questionamentos acima, o Brasil assiste no presente momento a um acirramento entre as classes de direita e as de esquerda, tanto do ponto de vista social e político, quanto econômico.
O que se depreende desse antagonismo agudo é que a chamada esquerda representa apenas um eco remoto e distante do que se entende daquele conceito que compõe a dicotomia direita-esquerda.
Afinal! O que a esquerda tem como objetivo? A defesa de um líder “personalista”? E o que esse líder conhece da verdadeira ideologia de esquerda?
Constatou-se de forma extremamente dura, as consequências econômicas do recente governo de esquerda.
Não se conseguiu delinear qualquer linha de política econômica ou metas de ações governamentais que tivessem a mínima identidade com a chamada política de esquerda.
O que se testemunhou de modo deprimente foi a decadência da política como um todo, provocada por gestores ineficientes pari passu com um viés ideológico negativo visando tão somente, as vantagens que poderiam angariar, com o comércio de cargos e funções públicas em instituições tradicionais, como a Petrobrás que sempre teve um histórico de sucesso e hoje se encontra juntando os remendos para poder se reerguer.
Porquanto, a esquerda brasileira esteve longe de seguir minimamente, os valores e princípios que norteiam aquela ideologia.
A busca por uma justa repartição de renda e a obtenção da igualdade ou pelo menos, de uma minimização da desigualdade social esteve longe de ser implementada no último governo.
Tampouco, as políticas micro e macroeconômicas marcaram presença, no sentido de manter ou promover o crescimento econômico. Ao contrário, a sua permanente ausência acentuou as disparidades sociais e provocou incontinenti, uma progressiva e séria recessão econômica, responsável pelo crescente desemprego e diminuição de renda.
O que se constatou indubitavelmente foi um total desprezo das questões econômicas, marginalizando qualquer tipo de política que pudesse ao menos, ser reconhecida como de “esquerda”.
Nessa direção há que se remeter do ponto de vista da doutrina, a uma das principais características que identificam uma política macroeconômica chamada de “esquerda”.
Trata-se especialmente, da função distributiva do Estado e por esta razão seria supostamente de “esquerda”, por privilegiar o objetivo de operacionalizar uma justa repartição de renda, como o meio essencial para se promover o crescimento econômico.
Perfilha-se o caminho inverso do modelo dito “conservador” ou de “direita”, uma vez que este persegue inicialmente, o crescimento econômico para que se tenham recursos suficientes para se repartir a renda.
É sabido de todos a afirmação extremamente criticada de Delfim Neto, ex- Ministro da Fazenda de alguns dos governos militares (1965-1974):
“primeiro é preciso fazer o bolo crescer para depois repartir”.
Por sua vez, o modelo distributivista prefere colocar em prática, políticas públicas voltadas do ponto de vista macroeconômico a dar acesso à população, à educação, saúde, assistência social e previdência social, tendo como pressuposto, o de que, uma pessoa sã e educada está devidamente preparada para entrar no mercado de trabalho, ter a sua renda e num segundo momento, contribuir para a promoção do crescimento econômico.
Porquanto, o pressuposto desse modelo é a redução da desigualdade social e econômica, por meio daquelas políticas.
Longe de tais objetivos, o que se tentou implementar a todo custo foi o fortalecimento do PT, em conjunto com as iguais e pretensas esquerdas de outros países latino-americanos ambicionando o protagonismo de um Partido Único que, seguramente, representaria uma perigosa ditadura de esquerda, aos moldes do que a história mundial já contou.
Para isso, não se pouparam os recursos públicos desviados para o seu atingimento, em conjunto com parcas políticas sociais populistas de um lado e de outro, concessões às classes mais abastadas para a manutenção do poder.
Por sua vez, a chamada “direita” insiste em focar no combate à “esquerda do passado” ressuscitando esqueletos, tal qual a própria “esquerda” que não cansa de remeter o debate para a “ditadura de direita” dos anos 1964-1984 como pressuposto para alçar o seu voo para o poder.
Diante de todo esse contexto, o que se pergunta é: qual é a identidade da direita e da esquerda brasileira?
Ao adentrar na clássica dicotomia “direita-esquerda” há muito o que debater, especialmente, se ainda existem razões suficientemente fortes para se corroborar aquela díade, usando as palavras de Norberto Bobbio.
A divisão entre direita e esquerda adquiriu maior importância, com a Revolução Francesa, quando o universo político se dividiu e deu o passo crucial para o fortalecimento do capitalismo. A partir daí, há numerosas vozes afirmando por meio de Sartre, que aquelas divisões constituem duas caixas vazias.
Bobbio explica aquelas razões. Em primeiro lugar, porque está se vivenciando uma crise das ideologias que nas entrelinhas demonstra mais do que nunca, que os seus defensores vêm perdendo progressivamente o real significado daqueles conceitos.
Ademais, o trade-off entre a busca de igualdade e da liberdade não mais se justifica, embora tenha tido a maior relevância do ponto de vista histórico (a partir da Revolução Francesa), tendo em vista as diferentes roupagens utilizadas em vários países, durante alguns séculos, em que se teve o enfrentamento de regimes ditatoriais de direita e de esquerda, ambos responsáveis pelas restrições radicais dos direitos civis, principalmente o da liberdade e dos direitos sociais.
Partindo do pressuposto de que se tem hoje, a garantia de preservação de um Estado Democrático de Direito exaustivamente previsto nas Constituições, aquele trade-off se torna inócuo.
O importante na caracterização da chamada “direita e “esquerda” ainda se justifica, pela natureza das políticas sociais e econômicas, que, ao serem contrapostas abrem a janela para a defesa de uma ou de outra “ideologia”.
Na verdade, as ideologias constituem um fator determinante do atraso político e econômico de uma Nação, haja visto que, em nome da ideologia, tal como, em nome de uma religião, se cometem atos totalmente atrozes e irracionais.
Cabe citar oportunamente: socialismo, capitalismo, comunismo, fascismo, nazismo, nacionalismo, marxismo, assim como o islamismo, cristianismo, judaísmo e outros…
As ideologias ou “visões ideológicas” pretendem promover mudanças radicais no sistema social, político cultural e econômico, visando a sua total transformação no que diz respeito às pessoas, grupos ou regimes.
Do ponto de vista político, a “direita” teria conquistado os “direitos civis” ou mais especificamente a liberdade de ir e vir, a liberdade de expressão, a igualdade perante a lei, enquanto a “esquerda” teria lutado pelos “direitos sociais”, como o direito à educação e à saúde, o direito a um trabalho com justa remuneração, até os nossos dias em que se alcançaram os chamados “direitos coletivos (lato sensu)”, cujo exemplo mais relevante remete ao direito a um meio-ambiente saudável, além de outros.
Da mesma forma, conquistaram-se os direitos políticos propriamente ditos, como o direito ao voto, à participação popular inclusive por meio de representantes políticos agrupados em diferentes partidos políticos com o objetivo de satisfazer as demandas reclamadas pela “vontade da maioria”.
Nessa direção, a história registrou o surgimento de diferentes formas de governo, como a república e a monarquia, assim como os sistemas de governo, como o presidencialismo e o parlamentarismo e os regimes ditatoriais e democráticos.
A partir dessas constatações, surgiram outras dicotomias (mais sofisticadas!), como a que se comentou no início desse artigo: direita conservadora ou esquerda progressista, especialmente no contexto norte-americano.
Portanto, a “direita” e a “esquerda” podem ser pretensamente identificadas a partir dos seus programas sociais, políticos e econômicos que se contrapõem, com relação à solução de problemas, uma vez que, os seus pressupostos remetem a uma escala, com diferentes interesses e valores.
Do ponto de vista econômico, a direita conservadora teria afinidades com uma política voltada à livre concorrência e a manutenção do equilíbrio micro e macroeconômico de responsabilidade do mercado. Com isso, o Estado é mínimo, isto é, interviria apenas no que diz respeito às necessidades fundamentais dos cidadãos, como a saúde, educação, justiça e segurança.
A quase-ausência de intervenção do Estado no sistema econômico significa, a princípio, a operacionalização de políticas austeras que privilegiam o rigoroso atendimento ao orçamento fiscal, evitando a todo o custo, o déficit orçamentário.
Nesse sentido, as políticas de cunho social têm pouco protagonismo, relativamente às políticas que visem ao crescimento econômico.
Tais características se harmonizam com o chamado Estado Liberal de Adam Smith (1776), Ricardo, Stuart Mill e outros que deram origem ao Capitalismo pós-Revolução Francesa.
Nos Estados Unidos, a terminologia utilizada para a direita conservadora é o Neoliberalismo, cujos representantes políticos pertencem predominantemente, ao Partido Republicano.
A esquerda progressista americana, representada pelo Partido dos Democratas tenderia para a implementação de políticas sociais afirmativas visando uma justa repartição de renda, relativamente às ações governamentais de caráter estritamente econômico.
As ações governamentais desse modelo podem ser identificadas pela construção de escolas, hospitais, construção de rodovias, as quais venham a contribuir para o aumento do emprego, da renda e finalmente, do consumo e do investimento privado.
Por esta razão, o Estado adquire um maior protagonismo e consequentemente, interfere significativamente no sistema econômico, por meio de expressivos gastos orçamentários que, na maioria das vezes provocam déficits correspondentes àquela forma de intervenção.
É o chamado Estado do bem-estar social, cuja origem remete ao Welfare State colocado em prática nos Estados Unidos, no período, pós-Depressão Econômica de 1929 espalhando-se progressivamente aos demais países americanos e da Europa.
Tratava-se do antigo modelo keynesiano de John Maynard Keynes (economista originalmente monetarista), hoje denominado pós-keynesiano ou neokeynesiano.
Por outro lado, quando se intensifica a intervenção do Estado surge inevitavelmente a forte possibilidade de perda da liberdade individual, sob o pretexto da busca de igualdade. Aí, sim, emerge e se justica novamente o trade-off entre a liberdade e a igualdade, cujo trade-off, o artigo 170 e seguintes da Constituição Federal de 1988 procuram minimizar e levar a um macro equilíbrio óbvio entre o capital e o trabalho humano e por consequência, entre os conflitos da direita e esquerda, tanto do ponto de vista econômico, quanto político.
Finamente, o que se pode depreender de todo esse universo histórico, tanto do ponto de vista estrutural, quanto conjuntural – independentemente do caso brasileiro – é que as ideologias de plantão (esquerda e direita) são as armas utilizadas para a satisfação de objetivos corporativistas de toda a sorte de grupos políticos e sobretudo econômicos nacionais e internacionais, cujas metas constituem “os meios que justificam os fins”, as quais em ambos os casos remetem ao poder acima de tudo e de todos.
Assim, os Poderes Públicos – Executivo, Legislativo e Judiciário por si só caminham inevitavelmente naquela direção, ao aprovarem respectivamente, políticas públicas, criarem legislações e julgarem temas que venham a corroborar aquelas metas e objetivos, mesmo que isoladamente, no seio de cada um daqueles Poderes.
Daí, o surgimento de conflitos institucionais, quando os objetivos e metas de cada Poder Público diferem entre si e provocam o protagonismo de um deles, a depender da sua parcela de poder perante os demais Poderes e consequentemente, o potencial aumento de seu grau de intervenção no sistema político e econômico, o qual adquire nuances positivas ou negativas para o desenvolvimento de uma Nação.
Um claro exemplo nesse sentido é a recente aprovação da Lei de Abuso de Autoridade já aprovado pelas duas Casas do Congresso Nacional (Poder Legislativo) e extremamente criticada pelo Poder Judiciário e pelas demais instituições públicas interessadas, como o Ministério Público e a Polícia, sem olvidar da opinião pública que defende de modo geral, a atuação da Operação Java Jato que aparentemente tenderia a ser prejudicada por alguns dispositivos daquela legislação.
Do mesmo modo, a decisão em caráter monocrático do Presidente do STF, em suspender ações relacionadas às investigações levadas a cabo pela Polícia Federal, Ministério Público e a Receita Federal em conjunto com o Banco Central, sem a devida autorização judicial teriam contrariado a legislação existente sobre o tema (Lei nº 9.613/1998 – Lei de Lavagem de Dinheiro –, além de acarretar críticas incisivas de membros daquelas instituições pertencentes ao Poder Executivo – à exceção do MP que é uma instituição independente – e da sociedade civil em geral.
Independentemente do ativismo daqueles Poderes e especialmente, do ativismo judicial em razão das ideologias que os embalam, o que se percebe claramente é a conveniência daquela união de ideologias (de esquerda e direita) quanto os interesses em jogo são convergentes e denunciam os seus objetivos comuns e não necessariamente éticos e desenvolvimentistas.
O que se torna ainda mais relevante é que a união de ideologias expõe a sua inutilidade e irrelevância, quando os interesses se voltam para questões de real interesse nacional.
A despeito de tais constatações existem alguns exemplos de ideologias de direita ou de esquerda inteligentes que promovem o desenvolvimento em alguns países, como os já citados no presente artigo, sem contar os países tradicionalmente considerados desenvolvidos.
Contudo, o que realmente importa, não são as posições adotadas e sim a solução dos problemas a serem enfrentados por uma sociedade democrática, até porque, as relações atuais, independentemente de serem ou não globalizadas adquirem cada vez maior complexidade, levando a um leque infinito de “convergências” e “divergências” que, dificilmente se enquadram naquelas posições (exclusivamente de direita ou exclusivamente de esquerda!).
Ao contrário, a tendência é que haja uma crescente teia de múltiplas combinações que passam ao largo daquela dicotomia, no sentido de, ora se aproximar da suposta esquerda, ora da suposta direita, a depender da conjuntura política e econômica, cujos problemas demandarão políticas mais conservadoras ou mais progressistas, não representando necessariamente, aquelas posições radicais e até certo ponto, superadas.
E é nessa linha de pensamento que se deve tender para que se possa alcançar o pleno desenvolvimento…
(*) Advogada constitucionalista
O Estado de S. Paulo/19 de agosto de 2019

Ouro de tolo (Angela Alonso)

O presidente fala para chocar e distrair. Jair repete Fernando (Collor), com motos, jet-skis e escatologias.
Para muitos, essa vitrine obscurantista acha contraponto no fundo liberal da loja. A despeito das presidenciadas cotidianas, lá estão Paulo, Tarcísio e Tereza Cristina a embalar a esperança do mercado na melhora do ambiente de negócios. Seriam o ouro escondido em meio ao cascalho. Cascalhada precificada.
Como sabe Bolsonaro, que já garimpou, peneira-se muito para achar pepita. A jazida da pujança deveria luzir aos cem dias de governo, mas impôs reentrâncias políticas e jurídicas incontornáveis mesmo para o gênio de Chicago. Guedes pede paciência, mas não pede água. É movido pela crença no triunfo da vontade —a sua.
Acontece que o brilho da pepita e a opacidade do cascalho se amalgamam no mesmo riacho. Não são as cabeças de Janus, uma olhando o passado e a outra, o futuro. São serpentes da mesma Medusa, como mostra a tópica das universidades públicas.
A turma do cascalho ataca ciência, pesquisa, liberdade de pensamento. Na retórica obscurantista, crença vale mais que argumento, fé mais que demonstração. Seu dogma é o da verdade revelada. Como pensam assim, supõem que os demais também assim pensem.
Daí julgarem a universidade um celeiro de esquerdistas que passariam, como os bolsonaristas, o dia todo produzindo fake news e incitando estudantes a repeti-las.
Creem nisso porque, decerto, nunca usufruíram do ambiente intelectual de uma universidade. Nesta instituição convivem diferentes credos, valores e opções políticas. A convergência está no engajamento na produção e transmissão intergeracional de conhecimento.
A universidade é o contrário de tudo o que diz a turma do cascalho. É espaço de pluralidade de disciplinas, teorias, argumentos e métodos. Não se rege por ideologia unificadora, mas por ethos comum, a adesão aos pilares da produção do conhecimento científico: o raciocínio lógico, o rigor dos métodos, a apresentação de provas e a legitimação intersubjetiva dos resultados.
Tudo isso dá trabalho e leva tempo. Pesquisadores estão em processo de atualização permanente, nunca param de estudar. E estão sob constante avaliação.
Cada artigo submetido a um periódico, cada projeto de pesquisa enviado a uma agência de fomento, cada passo na carreira universitária, tudo está sob escrutínio. Ninguém de fora precisa fazê-lo, a comunidade acadêmica controla-se a si mesma. É assim aqui e em todos os sistemas universitários de respeito do mundo.
A turma da pepita o sabe. Reconhece a racionalidade econômica, brandindo planilhas e gráficos. Ampara-se na ciência e se beneficia do investimento público nela. De 1974 a 1978, Guedes estudou na caríssima Universidade de Chicago com a mesma bolsa do CNPq que o governo agora nega a novos pesquisadores. Sua turma acha que ascendeu por mérito, sem reconhecer a catapulta dos incentivos estatais à educação e à pesquisa.
Por isso não mexe uma palha pela ciência. Delegou o assunto à turma do cascalho, com seu ataque, este sim ideológico, à autonomia universitária.
Nenhuma das turmas está nem aí para a universidade pública. Compartilham o diagnóstico nunca fundamentado de que ensino superior público não funciona. E direcionam recursos e filhos para instituições privadas.
Magnatas brasileiros doam para universidades americanas, caso de Jorge Paulo Lemann, em vez de investir nas nacionais. Boa parte de nossa elite social retirou apoio à ideia da universidade pública acessível pelo mérito, independentemente de renda, cor ou credo.
Pepitas e cascalhos convergem numa operação de asfixia. Um lado amordaça, com desrespeito à lista tríplice para reitor e perseguição funcional e legal a dirigentes ou ex-dirigentes de universidades e institutos de pesquisa. O outro sangra, secando os cofres.
O corte de verbas para custeio, pesquisa e bolsas porá a perder esforços cumulativos dos governos FHC, Lula e Dilma na consolidação, democratização e internacionalização da ciência brasileira. Em país sério, educação e ciência são prioridades do Estado. Mesmo na pátria do liberalismo, os Estados Unidos, as universidades não sobrevivem sem a mãozinha pública. Aqui, o governo nos passa o pé.
A turma da pepita está pagando caro a turma do cascalho, que inviabilizará não só a universidade, mas os negócios, com sua verve antiambientalista e anti-humanista.
A crer no presidente, no fundo não há um poço, mas uma fossa sanitária. Quem nela busca pepitas acabará com a peneira cheia de ouro de tolo.
(*) Angela Alonso, professora de sociologia da USP e pesquisadora sênior do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.
Folha de S. Paulo/18 de agosto de 2019

Esquerda positiva e frente política (Luiz Sérgio Henriques)

Em situações críticas, quando tradicionais correntes constatam a presença disruptiva de um novo adversário percebido como ameaça a si próprias e às instituições, o tema das frentes reaparece mais ou menos ritualmente, e é natural que assim seja. Não é certo que triunfem ou sequer alcancem seus fins imediatos, assim como não escapam da incompreensão de parte dos contemporâneos, por vezes atônitos com o exercício de uma das dimensões essenciais da política, que, afinal, não vive só de conflitos nem constrói muralhas da China. Adversários leais, sem minimizar o que os divide nem renunciar à própria identidade, conversam, estabelecem pactos, delimitam o terreno de luta, pondo a salvo o que lhes parece patrimônio comum e que permitirá mais adiante a continuação civilizada do conflito.
A moderna história política brasileira conheceu movimentos dessa natureza. Relembrá-los pode servir como alento para os democratas convictos e, ao mesmo tempo, antídoto contra a ação de quem deliberadamente quer repetir indefinidamente os choques mais óbvios que assinalaram os 21 anos do regime de exceção, ceifando vidas e turvando o horizonte do País. Valorizar aqueles movimentos pode ser um guia para a ação em ambiente distinto, como este no qual nascem, ou dão sinais de querer nascer, as inéditas antidemocracias do século 21.
Não teve êxito algum, para dar um exemplo que, apesar do malogro, merece reverência, a frente imaginada por um homem de raro talento, o petebista San Tiago Dantas, às vésperas de março de 1964. A frente que propôs, numa corrida inglória contra o golpe iminente e a própria doença que o mataria, deveria reunir a maior parte do seu PTB, mas também políticos do PSD e até os udenistas “bossa nova”, em defesa da legalidade do mandato do presidente Goulart e de reformas consensuais, que levariam o País até as eleições de 1965 sem quebra da normalidade constitucional - esse bem precioso que nos obriga a cuidar permanentemente da saúde das instituições, dos partidos e do Parlamento.
A frente costurada por Dantas fracassou depois de alguns meses de frenéticas negociações, sem conseguir conter o radicalismo generalizado que atropelaria a democracia de 1946. É que quase todos os atores esperavam ganhar alguma coisa com o acirramento da crise, apostando no “dia D” da explosão revolucionária ou, como seria previsivelmente o caso, contrarrevolucionária. Mas Dantas, como contou recentemente o estudo de Gabriel da Fonseca Onofre Em Busca da Esquerda Esquecida (Prismas, 2015), legou-nos, junto com sua derrota política, o conceito de “esquerda positiva”: uma esquerda que, sem renegar a si mesma nem às razões da luta por justiça social, conduz seu combate no campo das instituições e, por isso, admite plenamente a dialética da democracia, estabelecendo alianças e se comportando com lealdade com aliados e adversários.
Há algo desse movimento aliancista na “frente ampla” que, um ou dois anos mais tarde, animaria as conversas e os acordos de grandes líderes civis de então. Esmagada em abril de 1964, como em todo regime de força, a política faria sua reentrada em cena com Juscelino, Goulart e Lacerda, surpreendendo os que, congelados doutrinariamente, não podem compreender as implicações que decorrem naturalmente do extraordinário fato de adversários históricos, mesmo encarniçados, passarem a reconhecer mutuamente a legitimidade uns dos outros. A vida civil, nesse ponto, transforma-se de um modo que não é dado aos dogmáticos de todas as tendências prever e acompanhar.
Se a frente ampla terminou entre os destroços de 1968, um partido-frente marcaria os anos a seguir, firmando-se dessa vez com perseverança e heroísmo - os homens da mal chamada “velha política”, como Ulysses e Tancredo, sabem ser heróis a seu modo, cultivando com mãos de jardineiro a planta tenra da democracia e disseminando com coragem cívica “ódio e nojo” às ditaduras. Estiveram ao lado deles outros expoentes da esquerda positiva, recusando a insensata autodissolução do partido oposicionista, rejeitando o voto nulo e apontando as eleições, não as armas, como a forma verdadeiramente superior de luta. A esquerda positiva foi ao centro, não só no sentido de deixar-se “contaminar” pelos valores do liberalismo político, mas também no de apreender o centro da política, que passava muito longe da atualização do mito da revolução armada - impossível e, sobretudo, indesejável - e consistia na defesa da anistia e da Constituinte, com a participação de todas as forças. A reconciliação dos brasileiros, em suma.
Antidemocratas de novo tipo, aproveitando-se de erros cometidos nestes últimos 30 anos, especialmente pelo principal partido de esquerda, agora dão as cartas, ainda que constrangidos pelos freios e contrapesos do sistema constitucional. O presidente Bolsonaro não esconde a filiação à família dos populismos contemporâneos: uma mistura de nativismo histriônico, subalterno ao trumpismo, instrumentalização de valores religiosos redefinidos anacronicamente e, não em último lugar, submissão a uma agenda radical de mercantilização. Em âmbitos que definem o padrão civilizatório, como ambiente ou direitos humanos, o que se quer afirmar é um individualismo agressivo e, no fundo, niilista, que está longe de ser mera cobertura para a agenda econômica fundamentalista, mas sua necessária projeção num cotidiano tomado pela barbárie.
Dispersa em vários partidos e fora deles, a esquerda positiva tem nova e decisiva oportunidade. A “ida ao centro”, como no passado, servirá para revalidar suas credenciais, influenciando liberais e conservadores fiéis à Constituição e deixando-se por eles influenciar. Não se pode excluir uma frente, ainda que informal, para isolar e derrotar os extremistas. Há de ser possível relegá-los às margens e minimizar seu impacto na vida de todos.
O Estado de S.Paulo/18 de agosto de 2019

Bolsonaro y la irrupción del fascismo escatológico (Fernando de la Cuadra)

Solo me cabe certificarlo, Brasil es gobernado por un individuo ignorante y vulgar. Nada de la complejidad de la vida y de las problemáticas que enfrenta el mundo y su país es del interés del actual presidente del país. Cada vez queda más claro que Bolsonaro todavía no supera su etapa anal, pues son ya varios los episodios en que utiliza recursos escatológicos para referirse a los problemas de la nación. Hace una semana, cuando fue indagado sobre la posible relación contradictoria entre crecimiento y medioambiente, el gobernante no encontró nada mejor que decir que para cuidar del medioambiente “hay que hacer caca un día sí y otro día no” (sic). Días después señaló que la “caca petrificada de indígena consigue parar el licenciamiento de obras”. En su última manifestación en Piauí inaugurando una escuela insistió en su escatología “Vamos a acabar con la caca en Brasil”, refiriéndose a los comunistas.
El psicoanalista y académico de la Universidad de Sao Paulo, Christian Dunker, entrega una explicación instigante para este fenómeno: “El discurso moral, cuando se exprime psicoanalíticamente, frecuentemente termina en la mierda, en la bosta, exactamente lo que el presidente está practicando”.
Si Bolsonaro solo se dedicara a proferir sus necedades y abrir su cloaca verbal hasta podría ser un personaje inconveniente e irrelevante. El problema es que su gobierno se encuentra desmontando todas las políticas públicas que aseguraban un nivel mínimo de convivencia y aspiraciones de desarrollo entre la población. Y en todos los ámbitos.
Solo por mencionar el impacto de sus políticas sobre la acelerada desforestación del territorio amazónico, los datos recopilados en este primer semestre por organismos especializados como el Instituto de Pesquisa Espaciales (INPE) han demostrado que dicho proceso ha aumentado casi en un 90% en el presente año. Además de desconocer los datos entregados por el INPE, el ejecutivo no encontró nada mejor para impugnar las conclusiones de esta institución que remover a su director.
La postura radical de Bolsonaro contra los temas medioambientales lo ubica como un líder de la ultraderecha en esta cuestión, desconociendo tratados internacionales y provocando el corte de financiamiento en proyectos para esa región de países como Alemania o Noruega, que hasta ahora apoyaban el Fondo Amazonia. Su desafecto con los países europeos que dejaron de apoyar este Fondo, también se ha extendido hacia Alberto Fernández y Cristina Kirchner, que se perfilan como favoritos para ganar las próximas elecciones en Argentina, diciendo que “Bandidos de izquierda empezaron a volver al poder”.
A pesar de que se han escrito millares de páginas sobre este tema, no deja de resonar la pregunta sobre las razones que llevaron al electorado brasileño a elegir un candidato tan escaso de cualidades para ejercer un cargo de esa magnitud. Como entregar los destinos de la nación a un personaje tan nefasto y perverso. Puede ser el malestar acumulado contra los gobiernos del PT, la corrupción desatada en la última década, la creciente criminalidad y la inseguridad cotidiana, la manipulación efectuada en las redes sociales, la expectativa de cambios fuera de la estructura política tradicional, el hartazgo generalizado, la apatía republicana y un largo etcétera.
¿Y qué pasó con la valorización de la democracia, conquistada con tanto esfuerzo después de 21 años de dictadura?, ¿Cómo la ciudadanía le dio carta blanca a este grupo de apologistas de la tortura y el asesinato, reaccionarios delirantes, económicamente ultraliberales y fundamentalistas religiosos? ¿Cómo se puede soportar el retroceso cultural y social que quiere imponer ese grupo de descalificados, paranoicos y terraplanistas que niegan el cambio climático y la globalización?
Hace un par de años Yascha Mounk y Roberto Foa pusieron las alarmas sobre lo que denominaron como el proceso de “desconsolidación” democrática que comenzaba a campear por el mundo. Este desapego o desinterés por las formas de regímenes democráticos se puede atribuir al hecho de que las personas han aumentado sus expectativas sobre este sistema de gobierno, expectativas que no se cumplirían actualmente. En efecto, lo que la democracia proporcionaría en términos de estabilidad, inclusión, mejoras en la calidad de vida de las personas ya no se está consumando. En función de ello, los ciudadanos han ido perdiendo su aprecio y apoyo por la democracia. Para estos autores, los gobiernos de baja calidad colocan en riesgo la democracia y van minando su legitimidad.
Especialmente propicios para la inclinación hacia gobiernos autoritarios son aquellos escenarios en los que está ausente un sistema de seguridad pública y la falta de confianza en que las formas democráticas puedan resolver los problemas de inseguridad y acceso a los servicios básicos de las personas.
Parece que Brasil todavía no ha tomado plena conciencia sobre los riesgos que representa la inauguración de este ciclo perverso en que la ultraderecha de la mano de las fuerzas armadas ha ido asumiendo el control sobre la nación. Ello sin duda plantea un peligroso precedente para que otras derechas en otros países aspiren a contar con el concurso de los militares para imponer una dictadura definitiva e irreversible.
Hasta ahora las democracias de la región han mantenido una relación ambigua con el autoritarismo y su versión fascista, aunque si el autoritarismo sigue tomando la iniciativa en plantearse como alternativa frente al malestar y la inseguridad que experimentan los ciudadanos, no pasará mucho tiempo para que fantasma del fascismo se apodere de nuestros países y nos lleve de regreso a un periodo de tinieblas.
En otro artículo señalábamos que para Umberto Eco siempre existirá la amenaza de restauración de un ur-fascismo o fascismo eterno. El ur-fascismo crece y busca el consenso explotando y exacerbando el miedo a la diferencia, a los otros. El primer llamamiento de un movimiento fascista, o prematuramente fascista, es contra los intrusos. El ur-fascismo es, pues, racista por definición. Pero él también se nutre del culto a la tradición y el rechazo a lo moderno, en la misoginia y la homofobia, en el odio a los extranjeros, en el desprecio a los pobres.
Por eso, el fascismo escatológico de Bolsonaro no se distingue fundamentalmente de estas claves apuntadas por Eco. Al contrario, este tipo de fascismo libera la excrecencia que llevamos dentro, se nutre de los despojos corporales, se complace en exponer los residuos del espíritu humano, los códigos nauseabundos de nuestras vísceras y nuestros prejuicios. El fascismo es escatológico por antonomasia y quizás si la gran apuesta de futuro consiste en desterrarlo definitivamente de la convivencia humana a través del simple imperio de la democracia, la tolerancia y la fraternidad.
(*) Doctor en Ciencias Sociales.

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Um caminho possível para o país (Fernando Schüler)

À época em que Donald Trump ainda montava seu governo, após as eleições de 2016, o veterano líder democrata Newt Gingrich fez um alerta: não tratem o novo estilo presidencial como uma bizarrice. Há certo método ali. O recado era para a mídia, que havia entrado de cabeça na polarização política. Mas servia para muito mais gente. Gingrich resumia o método Trump: “você tem que ter coelhos que a mídia vai perseguir, ou eles vão inventar seus próprios coelhos”.
Ter a hegemonia, no mundo politico, funciona assim. Você dá a pauta e escolhe as armas do jogo, e os outros correm atrás. Na era do populismo eletrônico, isso é feito frequentemente de maneira grotesca. O líder político, que deveria agir como estadista, buscar consensos, falar com todos de modo igual, funciona ele mesmo como o agitador-chefe do país. Estes dias me corrigiram: como humorista-chefe. Ok, há gosto para tudo.
Boa parte dos coelhos inventados pelo presidente não faz sentido nenhum. Não passa de conversa fiada, por exemplo, dizer que o governo não irá financiar filmes que agridam “nossa tradição judaico-cristã”. Incentivos culturais são regidos por lei e a escolha de filmes (felizmente) independe da vontade presidencial. Imagino que Bolsonaro saiba perfeitamente disso. Sua insistência nesse tipo de bravata diz respeito ao tal “método”.
Boa parte do mundo intelectual gosta desse modus vivendi. As provocações presidenciais são um jogo fácil de jogar. São uma disputa de “valores”, como me disse, dias atrás, um ativista. É isso. Bate-boca em torno de valores é o terreno no qual Bolsonaro ganhou as eleições, sente-se bem e sabe mobilizar sua legião de seguidores. Ele sabe que, para azar do bom debate público, as pessoas não irão se mobilizar em torno da nova lei de recuperação judicial e do marco legal do saneamento básico. E isso não tem conserto.
O ponto interessante é que, em meio à estridência política, o país vem construindo, gradativamente, um novo centro político. Ele funciona no Congresso e vem dando as cartas na aprovação de uma agenda de reformas. A última foi a MP da Liberdade Econômica, na Câmara. Vai se desenhando, na prática, um novo arranjo político, feito de um paradoxo: exasperação e certo tom delirante, no mundo da retórica política, e relativa convergência e capacidade de produzir consensos na tomada de decisão institucional.
O mundo real vai superando a velha ideia de que não funcionaria um arranjo político em que o presidente não contasse com um bloco majoritário estável no Congresso. O fato é que o sistema se reciclou, novos atores ocuparam o centro político e funcionam à base de um protagonismo compartilhado. Rodrigo Maia, espécie de oposto estético do presidente da República, é sua expressão mais nítida: hostilizadopelo ativismo digital governista, atua, não obstante, como o fiel da balança da agenda estrutural do próprio governo.
Nesse processo, duas visões de mundo vão ficando para trás: a agenda econômica da esquerda e a chamada pauta de costumes da nova direita. A primeira tem sido essencialmente reativa e historicamente avessa a tudo que diga respeito à modernização do Estado e da economia. Sua narrativa remonta aos anos 1980. Não à transição, não à Constituição, não ao real, não à Lei de Responsabilidade Fiscal, e por aí andamos até os últimos resmungos ainda agora, na reforma da Previdência e na votação da MP 881 (Liberdade Econômica).
A agenda de costumes, com a qual Bolsonaro ganhou as eleições, é a contrapartida cultural do atraso econômico da esquerda. Ela corre no sentido inverso da boa tradição republicana e, além disso, é politicamente inviável. Sempre que o governo insistir por ali será barrado pelo Congresso. Isto já aconteceu com a flexibilização do Estatuto do Desarmamento e o Escola sem Partido. Se passar no Congresso (o que é difícil), tudo será devidamente “metabolizado” pelo Supremo.
Saldo positivo disso tudo é a percepção de que há um caminho possível para o país, longe do atraso cultural da nova direita e do atraso econômico da velha esquerda. Essa é a mensagem que o avanço da agenda reformista, no Congresso, desde a PEC do Teto de Gastos, e os insucessos da agenda conservadora, nos oferecem. O ensaio de um país que deseja ser simultaneamente moderno, no terreno econômico, e laico, aberto e plural, no plano das instituições.
*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.
Folha de S. Paulo/15 de agosto de 2019

Blow-up (Paulo Delgado)

Blow-up é a ampliação do negativo. Ao revelar a cena e desconfiar da aparência do presidente, que fala em mudança e age como se não a quisesse, o Parlamento entendeu o recado. Partiu para agenda própria e precisa de ímpeto pontual e permanente diante do quotidiano disperso e ambíguo do Executivo.
Tem ainda a temporada no inferno por que passam o Judiciário e o Ministério Público. Seria bom os dois interromperem por um momento a troca de ofensas para explicarem, em nota conjunta, o que é mesmo a justiça para todos.
Convenhamos, não dá mais para alguém dizer essas coisas desse jeito. Sem modos nunca houve sociedade livre. Tem sido comum presidentes desfrutarem uma perigosa liberdade de expressão visando a dirigir os sentimentos da Nação para si próprios. Opiniões e atitudes nesse cargo deveriam ser fatos políticos extraordinários, e não o retrato dos princípios pessoais que estão por trás deles.
Ninguém é herdeiro das lutas do povo por ganhar uma eleição. Especialmente numa época em que milhões de mensagens angulam a percepção do eleitor numa determinada direção, violando sua privacidade. O escondido embaralha os critérios da pessoa, o flagrante esconde o principal. O truque da eleição continua.
Perder o equilíbrio da aparência para ser notícia contém uma carga de orgulho que, contrariada, pode desabar em violência. O insulto é uma forma de defesa. Nomear os outros para segregá-los, simplificando o sentido de tudo, revela um Brasil gigante anêmico.
Nada do que só fecha a porta ao entendimento é liberalismo. Tudo esconde seu oposto, especialmente venenosas atitudes cênicas. E ao deixar a economia se conduzir liberal, enquanto deixa claro que o que vale são acertos de contas, o presidente revela um mal inconsciente em sua compreensão das coisas. Explica a seus eleitores o que quer condenar supondo a rendição do País, que não gosta. Mais rígido, mais se enrola no paradoxo.
Se o Executivo não encara a imensidão de possibilidades que são a liberdade e a diversidade humana, sendo ela a única que pode realmente produzir o resultado econômico e cultural que faz qualquer governo dar certo, melhor o Congresso dar as cartas.
Querer prosperar economicamente sob um governo liberal e ao mesmo tempo ampliar o sectarismo sobre a sociedade é uma equação inexistente. A estagnação econômica permanecerá se não for enfrentada com a árdua missão de governar com autoridade, discernimento e sacrifício. Aqui é assim: a dificuldade no poder ampara o emocionalismo retrógrado do populismo brasileiro.
O coração do povo é mais vasto do que se supõe. Mira o futuro. Polêmicas políticas são piadas velhas. Provocam emoção num tipo de mercado paralelo onde opera uma cabeça de negócios superada.
Polêmicas morais, de querer costurar a letra escarlate em pessoas e instituições, nenhum governo transitório pode se pretender senhor assim. O erro nessa área será devastador se a razão que vê em tudo uma desordem inexistente preparar a justificativa para uma ordem indesejada. É risco na veia governar por antagonismos.
Muitos equívocos entre nós são fruto do esquecimento, que vem depressa. Sempre ficamos sabendo tarde demais que a oportunidade criada pela idiossincrasia das autoridades costuma ser cozida e comida para ser entregue em endereço certo. Assim, tudo pode começar a deturpar o comércio de bens democráticos e ampliar a fragilidade da vida política.
O Parlamento é a principal instituição do País. Existe uma afinidade vocacional e originária no bom parlamentar que é ser responsável sem precisar ser governista em tudo. Sua urgência é romper o despreocupado estado de espírito com os grandes desafios da hora e exercer o papel de organizar o debate nacional compondo interesses conflitantes e legítimos.
Em relação à ordem econômica, é mantra dizer que as economias bem-sucedidas se diferenciam pela duração dos períodos de crescimento. Já é consenso que a boa economia nem deve ser tratada como uma peça de moralidade, nem deve ser imoral.
O País está paralisado por uma espécie de “fada da confiança” vestida pela incerteza que é a natureza do estilo do presidente. E continua dividido entre os economistas sociais, certos de que é a desigualdade que está refreando a demanda, esmagando nossa recuperação e mantendo a crise permanente; e os economistas liberais, convencidos de que a ideia do crescimento é uma onda, traduzida na velha imagem de que é a maré alta que levanta todos os barcos.
Há expectativa e temor no Congresso de que a recuperação do País não seja compatível com o calor que emana do controle político desse presidencialismo de atritos. Só esfriando os ânimos se diminui o potencial da combustão que está no ar.
Outro desafio para a ação parlamentar é deter a tendência de mais um presidente querer inventar uma política externa. Fato que mais nos afasta da hipótese de termos algum papel na balança de poder mundial. Situação possível se o Senado não impedir que o Itamaraty continue a acumular desequilíbrios. É um erro político centrar o debate da ocupação do posto de Washington como problema familiar.
Não se trata de ofender o presidente, mas salvá-lo do risco de sonhar com grandezas que não nos dizem respeito, que é embarcar na encruzilhada em que Trump meteu os EUA com essa ideia de reconstruir o “Sistema de Yalta”, redividir o mundo em áreas de influência e apostar em conflitos regionais.
Se isso acontecer, o Brasil assumirá contornos que podem esfacelar nossa ordem continental, enfraquecer nossa força de poder brando em temas transnacionais, pôr em dúvida nossa legitimidade em operações de paz e quebrar nossa agricultura na OCDE ao ampliar a repercussão desse proselitismo ambiental equivocado. Um Brasil big stick e antieuropeu é um contrassenso cultural e um irrealismo político-militar inédito em 130 anos de História da República.
O Estado de S.Paulo/ 14 de agosto de 2019