terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Sofia e seu ensaio sobre a solidão

Em Um Lugar Qualquer, La Coppola vasculha vidas sem sentido e motivação e mapeia o mundo do espetáculo
A.O. Scott, The New York Times – O Estado de S.Paulo

A abertura de Um Lugar Qualquer (Somewhere), o quarto longa de Sofia Coppola, que estreia no Brasil na sexta, um filme delicado, melancólico e ousado do ponto de vista formal, prepara o espectador para o que vem em seguida, de uma maneira sutil. Uma Ferrari preta circula por uma estrada deserta, entrando e saindo do campo coberto pela câmera, enquanto o ruído do motor também oscila entre um lamento distante e um profundo estrondo.

O carro dá mais voltas do que seria necessário, mas o que ela diz na realidade é: Prestem atenção e vejam o que acontece.

E ocorre algo maravilhoso: Um filme que não apela para as emoções do espectador e mostra uma história triste e tocante sobre a solidão de um pai e a devoção de uma filha. Mas assistir a Um Lugar Qualquer, rodadono Sul da Califórnia, é uma experiência que nos aproxima da leitura de um poema, o que constitui a evidência mais concreta da arte poderosa e sutil de Sofia.

Quem dirige o carro é Johnny Marco, um astro do cinema interpretado, entre a contenção e a catatonia, por Stephen Dorff. Johnny mora no Chateau Marmont, um hotel de Hollywood, o paraíso da fácil satisfação dos desejos ou o purgatório do desregramento das celebridades. Aparentemente, ele está terminando um filme e, ao mesmo tempo, trabalha na divulgação de outro, mas na maior parte do tempo fica perambulando, fumando, bebendo e fazendo sexo com mulheres que possivelmente estão no hotel para essa finalidade. A façanha de Sofia está em transmitir o vazio da existência de Johnny sem negar seu charme.

Somewhere é em parte uma comédia com um olhar de cumplicidade sobre o mundo do espetáculo, vida que Sofia conheceu em primeira mão. Mas ela ilumina desde o seu interior a bolha da fama e do privilégio, e mapeia seus contornos emocionais e existenciais com precisão desconcertante. Conhecemos então sua filha de 11 anos, Cleo, interpretada por Elle Fanning, que transmite ciúme, preocupação e, acima de tudo, a sabedoria e a inocência de uma pessoa que já assistiu ao mau comportamento dos adultos, em parte por ter um pai que nunca amadureceu.

Sofia expõe o seu domínio da arte, da sensibilidade e da descoberta de um vocabulário visual adequado à história e ao seu ambiente. Se prestarem atenção, Somewhere mostrará tudo isso. / TRADUÇÃO ANA CAPOVILLA

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