sábado, 1 de janeiro de 2011

Freudiana despedida de Lula (Vitor Hugo Soares)

Observo os derradeiros passos e descompassos do presidente da República na semana de sua despedida (?), com a atenção redobrada de veterano repórter e novo blogueiro baiano. Não é difícil constatar: Luis Inácio Lula da Silva oscila entre sentimentos opostos, que mexem profundamente com o “perfil psicológico freudiano” do ex-retirante da seca nordestina com tudo para dar errado na vida, mas que chegou ao posto mais alto de comando de seu País – como resumiu o analista de comportamento Jacob Pinheiro Goldberg na retrospectiva dos “anos Lula” da Radio Band News-FM.

De um lado, a eufórica felicidade do governante que sai nos braços do povo e pode exibir na partida, dentro de casa e ao mundo, boletins que lhes dão quase 90% de aprovação popular, a exemplo da mais recente pesquisa CNT/Sensos que ele brandia do alto do palanque oficial de seu adeus na capital baiana na última quarta-feira (29).

Em contraste, a mágoa profunda exposta na face, nos gestos e nos atos em meio aos festejos, pajelanças e rapapés destes últimos dias na viagem entre Recife e Salvador – e ontem também em Brasília. Nesse caso, o que se vê é um governante incomodado, a esmurrar o vento que sopra à sua frente. Lula não consegue engolir as críticas que pipocam na imprensa nas edições de balanço de seu governo. E reage com o que sabe fazer como ninguém: gerar polêmica e notícias em seu entorno.

Muito menos ele tolera ou silencia – como sugerem advogados do politicamente correto – quando as avaliações negativas partem de adversários políticos que o fustigam e lhe dão nos nervos. Em especial as que chegam pelas palavras ditas ou escritas por ex-ocupantes do posto cujo comando ele transmite neste sábado, primeiro dia de 2011, para a petista Dilma Rousseff – carregada no verbo e no muque até colocar no lugar que ele deixa vago a partir de hoje no Palácio do Planalto.

Pior ainda se as análises e comentários pouco gratificantes, quanto ao seu comportamento pessoal ou aos seus oito anos de administração, chegam pela boca ou pela escrita, com timbre e açoite de PHD acadêmico, do ex-amigo, ex-colega e atualmente um dos críticos mais incômodos do presidente que sai. “Aquele mesmo que dois anos antes de terminar o mandato presidencial, já não havia mais nenhum muro disponível no País onde a população tivesse espaço para escrever: “Fora não sei quem”, reagiu o presidente de partida, do alto do palanque oficial em Salvador, ao lado do governador petista reeleito, Jaques Wagner.

Era um ato de entrega de casas populares pelo governo federal, na passagem de despedida do presidente pela Bahia. Lula não citou nome nem sigla, mas todo mundo entendeu. E foi um dos momentos mais aplaudidos do discurso. Emoção à flor da pele e língua afiada, como sempre, Luís Inácio Lula da Silva, com os dados da pesquisa CNT/Sensus nas mãos, proclamava a boa notícia dos 87% de aprovação popular como um troféu de Copa do Mundo que acabasse de conquistar.

Mas, logo em seguida, ainda na Bahia, a mágoa pelas críticas aflora de novo e marca o rosto e os gestos do presidente. Revela-se outra vez o contraste de sentimentos que molda com perfeição o perfil do governante nestes dias de final de mando. E ele reage bem ao seu estilo, devolvendo as pedras que mais lhe incomodam o sapato.

“Foi um torneiro mecânico, pernambucano, presidente do Brasil, com a ajuda de sua equipe econômica, que soube lidar com a crise. Acrescentou: a passagem pelo Planalto lhe deu voz na cena internacional, enquanto chefes de Estado estrangeiros custavam para lidar com a crise econômica. Ainda assim, frisou, não deixou de receber todos os representantes da sociedade. “Nunca me chamaram de excelência”. E, da Bahia, arremessou mais um dardo na direção dos críticos na imprensa e adversários políticos: ”Deviam pedir desculpas”.

Ao traçar o perfil psicológico do presidente na retrospectiva da Band News, Jacob Goldberg destacou traços freudianos de Lula, o retirante nordestino pobre, filho de pai ausente “Self made man” típico, que absorveu o desejo de “ser pai de todo mundo” como um dos traços mais marcantes de sua personalidade. “Filho de família numerosa tinha só duas alternativas: se perder na mediocridade entre tantos irmãos, ou fazer de tudo para se destacar. Foi esta última a escolha salvadora de Lula”, explica o analista de comportamento paulista.

Ontem, em Brasília, o ato administrativo final foi emblemático deste perfil tão complexo e polêmico do presidente que passa o posto. Lula negou a extradição de Cesare Battisti, assegurando asilo no Brasil ao ex-ativista político italiano. O rastilho de críticas e ataques começou a se espalhar ontem mesmo na imprensa brasileira e italiana, sem falar nos adversários políticos e “juristas” de ocasião.

Cercado de ministros civis e militares, que disputavam com auxiliares comuns e familiares uma foto de despedida ao lado do presidente, no palácio do Planalto na manhã de ontem, Lula parecia o personagem da música ”Tô nem aí”. Seguramente convencido de ter assegurado, mesmo fora do governo, que ainda será o centro do debate, da polêmica e das notícias pelo menos durante este primeiro mês do governo Dilma.

A conferir.

Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail:vitor-soares1@terra.com.br

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