quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O Rei está morto. Viva o Rei! (Joca Simonetti)


Morto, o governo de João Coser vive agora seu longo velório de dois meses, até ser definitivamente enterrado em 31 de dezembro. Vencedor, Luciano Rezende vive agora curtos dois meses para organizar a transição, montar equipe e iniciar seu mandado em 1º de janeiro. Derrotados, o PSDB e Paulo Hartung precisarão de tempo para ajustar seu posicionamento à uma nova cidade de Vitoria.
Não tratarei hoje de reis mortos ou derrotados, nem de caneladas, golpes baixos ou ofensas trocadas durante a eleição. Partidários dos dois candidatos que foram para o segundo turno sentiram-se ofendidos, e basta. Deixemos esse assunto restrito ao seu campo de batalha, o embate eleitoral. Hoje, me interessa somente o rei posto.
Não votei em Luciano Rezende, e minhas razões para essa escolha permanecem intactas (ver Declaração de voto), embora importem menos hoje. Agora, a hora é de felicitar o prefeito eleito e refletir sobre expectativas.
Conheço Luciano há muitos anos, já votei nele e já trabalhei com Luciano no governo e participei de sua campanha eleitoral de 2008. Tenho convicções pessoais de que ele tem condições de fazer um bom governo, manifestei essa opinião várias vezes, inclusive durante a campanha desse ano. Sou um otimista e otimista são minhas expectativas.
A disposição de Luciano em dialogar com a sociedade, em fazer um governo fortemente participativo é uma boa notícia - especialmente se não vier acompanhada da cooptação de liderança comunitárias, populares e intelectuais, se for um governo popular e não populista.
Bons também são alguns projetos esboçados na campanha, como as Casas do Saber, a serem implantadas em cada uma das regiões da cidade, e o retorno de projetos exitosos do governo Luiz Paulo - interrompidos por picuinha política do moribundo governo apeado do poder pela porta dos fundos - como o Educação Ampliada, também é positivo. Mas, sobre os projetos, é hora de esperar o detalhamento das propostas, a configuração prática do plano de governo - coisa para os 100 primeiros dias.

Preocupações também há. Tenho duas especialmente: Uma sobre qual será a presença e influência de políticos populistas e fundamentalistas que estiveram junto com Luciano na campanha. Outra sobre a ausência da utopia - senti muito a falta da utopia no discurso de Luciano, senti muito a falta de um visão acima das contingências da realidade imediata e que projete um salto qualitativo para a cidade de Vitória. Esses também são temas para observar nos 100 primeiros dias.
Findo o processo eleitoral, estou convencido de que foi bom. As críticas, a necessidade de justificar posições, de responder às demandas levantadas pela sociedade e pelos outros candidatos, de enfrentar as contradições de cada candidatura preparam a cidade e ajudam o prefeito a ajustar suas práticas.

Boa sorte, Luciano Rezende. E um abraço.



Fonte: casa-de-joca.blogspot.com.br  (30/10/12)

terça-feira, 30 de outubro de 2012

O STF, a lei e a política no Brasil (Lourdes Sola)


O julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) suscita uma unanimidade perturbadora quanto ao alcance histórico das decisões tomadas até aqui. O que se entende por alcance histórico, porém, varia muito, o que não surpreende. Os aspectos a explorar são muitos e dependem do foco do analista. Conforme se privilegiem as dimensões político-eleitoral ou institucional, a legal-constitucional, ou se adote uma perspectiva histórica fundamentalista do tipo "nunca antes neste país", ter-se-ão apostas distintas sobre o impacto das decisões do STF. Por certo, há muito em comum entre os que compartilhamos a percepção de que elas marcam um daqueles pontos de virada que geram um impulso transformador dos mores políticos e, sobretudo, das expectativas em que se baseiam os cálculos políticos. Um de seus efeitos subversivos é a reversão das expectativas gêmeas que poluíram as discussões anteriores: a da impunidade e a do ceticismo entre os indignados.
Isto posto, qual o foco privilegiado aqui? Como situar o Rubicão que atravessamos pela mão dos membros do STF e com apoio nas análises que a mídia propicia? Atenho-me a um par de aspectos em registro de médio e de longo prazos. Descarto o foco político-eleitoral pelo repúdio ao que a campanha em São Paulo conteve de cinismo de ambos os lados: de um, o argumento de que a voz das urnas equivale a uma absolvição, com o que se deslegitima o ordenamento jurídico; de outro, a tentativa de estender a um partido como o PT - cujos representatividade e compromisso com avanços sociais é inquestionável - uma condenação que todos os atores do sistema de Justiça circunscrevem a alguns de seus membros.
O alcance histórico das decisões do STF é também "geográfico", pela relevância geopolítica. Valho-me do olhar de um cientista político americano, Douglas Chalmers, que ainda nos anos de chumbo se empenhou em entender como nossa formação histórica afetava o modo de fazer política na região. Atenho-me exclusivamente à relação com a lei. Numa intuição profética, destacava "uma característica estrutural dominante" no século 20, que consistiria na instabilidade inerente tanto aos regimes autoritários quanto democráticos. Diz ele: "A razão está na percepção generalizada de que as instituições são um meio instrumental e tentativo para resolver conflitos". É a percepção de que "os conflitos se resolvem pelo choque de forças, quer dizer, politicamente, e não por referência a um conjunto fixo e estabelecido de procedimentos". Trocando em miúdos, a força da lei, quando se exerce, é sempre passível de contestação nesse tipo de Estado que Chalmers caracterizava como "o Estado politizado", por contraposição ao Estado institucionalizado.
É fácil explorar outras especificidades derivadas dessa. Por um lado, a falta de credibilidade do Estado enquanto lei, ou seja, o ceticismo quanto à sua capacidade de fazer valer o ordenamento jurídico previamente acordado. Por outro, a tendência a redefinir a lei ao sabor das resultantes dos embates políticos. Isso explica, a meu ver, seja a dificuldade de aceitar como final a intermediação do sistema de Justiça pelas partes em conflito, seja a tentação de redefinir continuamente o ordenamento jurídico. Basta lembrar as crises de sucessão durante nosso regime autoritário, ou a contínua redefinição do sistema partidário em resposta à eleições tuteladas, para situar a nossa versão de Estado politizado. Pouco que ver com o Estado autoritário institucionalizado da Espanha ou do Chile. Nos anos de chumbo, porém, a constatação dessa instabilidade congênita soava como música aos ouvidos de uma democrata.
Mas até que ponto o insight de Chalmers vale para os dias de hoje? Cabe como luva à Venezuela de Chávez, à Argentina dos Kirchners, ao Equador de Correa. Mas não se aplica ao Brasil, ao menos não nos mesmos termos (apesar da "insegurança jurídica" detectada pelos economistas). Nosso avanço se deve a um processo cumulativo de institucionalização, cuja peça central foi a Constituição de 1988 e o consequente apoderamento dos atores do sistema de Justiça, notadamente os do Ministério Público. Se é verdade que culmina hoje com a reafirmação do Estado como lei pelos membros do STF, vale lembrar que foram subsidiados pelos juízes de instrução e pelos dois procuradores-gerais que analisaram as denúncias pertinentes. As decisões do STF, portanto, aproximam-nos mais do Chile e nos distanciam dos outros vizinhos. Seu alcance potencial, no entanto, deverá ser testado, em dois registros. Um: o Estado de Direito é uma construção política coletiva e, como toda construção, pode ser fragilizado. Entre nós, está exposto à vocação restauradora que busca sobrepor legitimidade política, êxito econômico e popularidade ao império da lei. Dois: valendo para todos, depende da reiteração desse princípio, na prática, e quando cabível pelo sistema de Justiça.
É possível detectar outros desdobramentos desse impulso transformador. Minha aposta é que nos próximos anos os profissionais da Justiça deverão (re)conquistar um espaço privilegiado enquanto atores políticos. Similar ao dos economistas, na esteira das democratizações marcadas pela crise econômica e por megainflações. O espaço reservado na mídia ao debate político centrado na economia foi e é uma das características distintivas da nossa democratização, pela quantidade e pelo vigor. Entra em cena agora o debate político centrado na Justiça e o aprendizado que isso exige de nós, leigos. E dos próprios especialistas obrigados a renunciar ao aconchego de seu dialeto. A exposição pública é essencial: pela exemplaridade da argumentação cerrada, da tolerância pelo contraditório, pela contestação da defesa e pelas tensões entre os ministros relator e revisor. Contribui para a redução de um dos hiatos que caracterizam a nossa (e toda) democracia: entre o acesso instantâneo às informações e a capacidade dos cidadãos leigos de elaborá-las.
Cientista política, professora aposentada da USP, ex-presidente da Associação Internacional de Ciência Política, membro de Academia Brasileira de Ciêncais, é autora de 'Democracia, mercado e estado' (fgv, 2011), seu livro mais recente
Fonte: O Estado de S. Paulo

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

“É uma refundação da República” (Luiz Werneck Vianna/entrevista)


O cientista social diz que as instituições democráticas saíram vitoriosas no julgamento do mensalão e que agora é preciso fortalecê-las com uma reforma política
Guilherme Evelin
O CARIOCA LUIZ WERNECK VIANNA, DE 74 ANOS, É UM DOS PRINCIPAIS CIENTISTAS SOCIAIS DO Brasil. Muitos de seus livros, como Liberalismo e sindicato no Brasil, escrito na década de 1970, são considerados referência na área. Por 30 anos, foi professor do extinto Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (luperj). Atualmente, é pesquisador na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, onde coordena o Centro de Estudos Direito e Sociedade e se dedica a questões como a influência do Judiciário na politiza À carreira acadêmica, Werneck somou a militância política no antigo Partido Comunista Brasileiro. Durante o regime militar, foi preso, torturado e viveu no exílio. Um dos principais estudiosos no Brasil das ideias do filósofo comunista italiano Antonio Gramsci, considera-se um "marxista sem partido". Nessa condição, deu esta entrevista a ÉPOCA.
ÉPOCA - Como o senhor avalia o resultado do julgamento do mensalão pelo STF? Quais serão as consequências para a vida política nacional?
Luiz Werneck Vianna - Estamos diante da mutação de uma República de fachada, existente na retórica oficial, para uma República verdadeira. Para que essa mudança se efetive, é preciso haver ainda mudanças institucionais por meio de uma reforma política de envergadura. Fsse julgamento é um seminário aberto, com a audiência de milhões, que demons­tra à sociedade que as práticas que são objeto da Ação Penal 470 são constitutivas do sistema político brasileiro.
ÉPOCA - Qual deveria ser essa reforma política?
Werneck - Ela terá de interferir no sistema eleitoral, na vida partidária, criar um financiamento público de campanha. Outras mudanças necessárias são o fim das coligações nas eleições proporcionais e a introdução de mecanismos que protejam o sistema partidário dessa invasão de pequenas siglas não representativas que ganham lugar no espaço públi­co, que deveria ser reservado a partidos com expressividade eleitoral. Qual tem sido a finalidade dessas pequenas siglas? Elas funcionam inteiramente a margem dos cidadãos, ajudam a compor maiorias governamentais e servem unicamente aos interesses de reprodução eleitoral de seus dirigentes.
ÉPOCA - A adoção da cláusula de desempenho pode ser um mecanismo para impedir essa proliferação de partidos?
Werneck - Depende Não deve haver interdição para que se organizem partidos novos, porque nossa sociedade e plural, e essa pluralidade tem de ser respeitada. Mas e preciso ter critério e mecanismos de filtro para que os partidos novos alcancem as verbas do fundo partidário. Ter 30 partidos abre o sistema político brasileiro à irracionalidade. Hoie, no Brasil, vivemos, em política, sob o imperativo do pensamento do laissez-faire. Há uma ideia de deixar tudo como se encontra, que o sistema se acertaria com o tempo por meio de um processo vegetativo. Essa perspectiva panglossiana de uma depuração natural não está acontecendo nem acontecerá. É preciso aprofundar a regulamentação do sistema político para torná-lo mais representativo.
ÉPOCA- O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu que o julgamento é um sinal da formação de uma cidadania no Brasil, algo de que o país sempre foi carente. Dá para ser otimista assim?
Werneck- É precoce afirmar isso. Estamos diante de um novo começo, que pode ser traduzido como uma refundação da República. Hoje, em política no Brasil, vale tudo no sentido de reproduzir as legendas, vale tudo na conquista do voto. O poder da administração intervém. O poder econômico intervém, às vezes um mancomunado com o outro. Fala- se de caixa dois como se isso fosse parte da normalidade. Caixa dois, disse a ministra Cármen Lúcia, é crime. É essa a patologia em que vivemos. Vamos imaginar que mudaremos isso de baixo para cima, apenas com o esforço e a vontade virtuosa dos cidadãos? Não! A vontade virtuosa dos cidadãos é certamente muito importante, mas o decisivo é a organização da vida republicana. Neste julgamento, assiste-se sim a uma reação das instituições republicanas, como o Ministério Público. E não existe República sem boas instituições.
ÉPOCA- Em artigo, o senhor afirmou que a sociedade assiste passivamente a esse julgamento. É isso mesmo? Por que isso ocorre?
Werneck- A sociedade tem sido conduzida a isso. Nossa marca tem sido a modernização sem o moderno. Vivemos vários surtos de modernização, mas sempre resultantes de processos verticais, em que uma vontade, como que encarnando o interesse de todos, desaba sobre a sociedade, abrindo os caminhos por onde ela tem de ir. Você teve o ciclo de Vargas, o ciclo de Juscelino, o ciclo do regime militar e agora o do Lula. É uma sociedade que vive sua modernização sob o signo da prevalência do Estado, da tutela, da assistência. A sociedade não se auto-organiza. Minha esperança é que esse julgamento seja um marco no sentido de que o moderno finalmente encontre sua passagem.
ÉPOCA- Um ex-colega seu de luperj, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, defendeu a tese, reproduzida pelos petistas, de " que esse é um julgamento de exceção. Como o senhor vê essa tese?
Werneck- Não concordo. Esse não é um julgamento de exceção. Ele está sendo realizado no foro devido, com o respeito ao devido processo legal, de acordo com as leis do país. Apuram- se delitos comuns praticados por políticos e entidades políticas, capitulados no Código Penal, e não numa lei de exceção.
ÉPOCA- Os petistas também dizem que o Supremo só julgou dessa forma por pressão da imprensa. Falam também em golpe das "elites conservadoras" e fazem uma analogia com Getúlio Vargas.
Wemeck- Essa fórmula foi usada em 2005. Usá-la agora é a reiteração de um argumento cediço. Além do mais, não há Getúlio algum nem UDN. A oposição brasileira é melancólica. Houve uma mudança muito importante neste país na hora da transição democrática, com a convocação de uma Assembleia Constituinte, o processo de discussão e a Constituição que resultou dela. Essa Constituição tem uma marca forte de orientação para a vida republicana. Foi ela que botou o Ministério Público na posição de tribuno da República, em que ele aí está. Foi ela que começou a institucionalizar mecanismos severos de controle do Poder Executivo. Esse Judiciário é filho disso. A Cármen Lúcia, o Celso de Mello, o Gilmar Mendes são todos cultores da Carta de 1988, republicana até a medula, e se acham guardiães dela. Postos na posição de ministros do Supremo, eles se acharam na obrigação de defender uma República que foi objeto de atentados. O sumo é isso. É uma questão de valores. A sociedade brasileira foi para essa direção? Ainda não! Poderá ir? Espero que sim. Está indo, vagarosamente, mas está indo, sinalizada pela Carta e por essas novas instituições. Trata-se de um projeto de sociedade formulado lá atrás, depois de uma luta gigantesca do nosso povo contra o regime militar e em favor da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. É preciso pôr as questões nesse diapasão, e não no mesquinho filtro eleitoral.
ÉPOCA- O senhor é um homem de posições de esquerda. Como vê esse discurso de ex-companheiros?
Werneck - É muito difícil para quem tem identidade partidária forte admitir os erros de seu próprio partido. A esquerda tem larga tradição em situações desse tipo. A esquerda levou décadas e décadas sem querer reconhecer as perversões do stalinismo. Mas vida que segue. Erro é erro. E, nesse caso, é erro capitulado no Código Penal. Acho admissível que as pessoas queiram defender suas identidades e suas legendas. O que não podem fazer com as baionetas, como dizia Napoleão, é sentar em cima delas.
ÉPOCA- O senhor se preocupa com a judicialização da política...
Werneck - A judicialização da política ocorre quando o Judiciário chama a si políticas públicas, intervém em questões substantivas, pensando nas consequências. Esse julgamento nada tem a ver com judicialização. É um processo criminal, em que as questões examinadas são afetas ao Direito Penal.
ÉPOCA- Mas o julgamento, da forma como está ocorrendo, sob os holofotes das TVs, não contribui para acentuar essa judicialização da politica, transformando cada vez mais os juizes em protagonistas da cena pública?
Werneck - Não há uma demanda generalizada por transparência? Se o julgamento fosse realizado a portas fechadas, não se estaria reclamando disso? Além disso, há casos que comovem a opinião pública. Nos Estados Unidos, o julgamento do jogador de futebol americano O.J. Simpson também dominou a opinião pública durante um tempão.
ÉPOCA - Quais serão as consequências desse julgamento para o PT e para o ex-presidente Lula?
Werneck- O PT continuará como um partido forte, provavelmente hegemônico. Imagino que ele será palco agora de um processo forte de discussões internas. Não é verdade que o PT seja um partido monolítico. Nenhum partido moderno pode ser dirigido por uma liderança que seja entendida como dotada de poderes mágicos e celestiais, como a Marta Suplicy fez com o Lula, chamando-o de Deus. Um partido democrático não convive bem com isso. Há novas lideranças emergindo no PT que não têm nada a ver com isso.
ÉPOCA- Esse julgamento é uma nódoa que ficará na biografia do Lula?
Werneck - Essas coisas não são assim. O Getúlio mais que flertou com os nazistas. Depois, passou-se uma água e sabão nisso, e essa marca sumiu. Foi eleito presidente da República em 1950, com o apoio da esmagadora maioria da população.
ÉPOCA - O senhor disse que o julgamento poderá significar a plenitude da investidura de Dilma Rousseff no cargo de presidente, sua independência em relação a Lula.
Werneck - Essa será a questão de fundo nos próximos meses. Terminada a sucessão municipal, está aberta a sucessão presidencial. Qual será o candidato da situação? Dilma ou Lula? Não diria que essa questão esteja fechada. Para um grupo petista, especialmente o paulista, a volta de Lula é um elemento fundamental para sua sobrevivência. Essa facção, que é muito poderosa, pressionará para que Lula seja o candidato a presidente da República. Se a Dilma quiser ser candidata à reeleição, terá de se colocar. Não se trata de ser infiel ou romper, mas de definir sua liderança, inclusive em termos partidários. Ela tem de ser forte no partido, e ela não é. Ela tem de ser consagrada pelo PT. A não ser que o Lula, mais uma vez, abdique da candidatura e peça ao PT que sufrague publicamente o nome dela. Agora, quem, hoje, em sã consciência, sem ter informações de intimidade, pode dizer que Lula não será candidato a presidente da República?
Fonte: Revista Época

sábado, 27 de outubro de 2012

No compasso da espera (Carlos Melo)


A eleição em São Paulo tem alcance nacional não apenas por colocar um novo ator no centro da cena, mas também por ser capaz de processar modificações nos jogos partidários; influir em futuras disputas. No compasso da espera desta eleição, não se pode afirmar quem a vencerá: pesquisa é pesquisa, voto é voto. Mas é possível diminuir a ansiedade discutindo o alcance de eventual vitória de um ou de outro candidato.
A vitória de Fernando Haddad moverá placas tectônicas sob solo petista. Haddad não representa o PT tradicional. Seu PT não é dos movimentos, parlamentos, sindicatos ou sacristias; menos ainda da máquina burocrática que se conformou. É um professor universitário que se fez político pela via da administração no governo federal. Possui outra racionalidade, é pouco ideológico; não se confunde com oligarquias, grupos e esquemas de financiamento. Claro, prefeito, terá que compor, mas é pouco provável que se faça refém, como se deu com Marta Suplicy.
Haddad foi intervenção de Lula em um PT desgastado, capaz comprometer o governo federal e a eleição de 2014. É, aliás, sua segunda intervenção - a primeira foi Dilma -, resultado do temor de entregar o poder real dos governos à burocracia partidária, com suas mazelas. Poder mais consistente que o figurativo dos corredores, das cizânias entre grupos, indivíduos e ideologias do partido; poder que requer pragmatismo, pois exige resultados. Lula aprendeu isso; é sua realpolitik.
Os indícios estão no governo Dilma. Lá, os mais relevantes ministérios não são resultado de indicações dos conclaves petistas; seus titulares possuem autonomia em relação à burocracia e são, antes, escolhas da presidente; não do partido. O PT de São Paulo, por exemplo, foi colocado de canto. Os petistas lá presentes por essa via estão na periferia, não no centro nervoso do governo. A grande parte dos ministros paulistas, antes de tudo, é lulista e ou dilmista.
Se vier a seguir a lógica dos padrinhos, como parece lógico, a eleição de Haddad pode significar o enfraquecimento da velha militância - não mais militante, mas profissional - e dos caciques e famílias desgastados pela corrosão do tempo e dos métodos. Seria o encerramento de um ciclo geracional iniciado na fundação do partido, naturalmente debilitado pelo julgamento do mensalão. É razoável imaginar uma renovação, cujos efeitos possam pesar nas articulações de 2014 e 2018.
Também no PSDB, a eleição de José Serra implicará redefinições. Prefeito, confirmará a perspectiva de poder que sempre lhe cerca, origem do fascínio que emana. Talhado ao poder, sabe exercê-lo na perspectiva de seu projeto e não abre mão de influenciar pessoas, grupos e governos, quando não de dirigi-los diretamente. É legítimo que queira manter-se. Soube desde sempre que esta eleição era sua única chance - antes, até mesmo a presidência da Fundação Teotônio Vilela lhe fora negada.
É pouco provável que, para além da propaganda do adversário, Serra realmente abandone o eventual mandato na prefeitura para se candidatar ao governo do Estado ou à Presidência da República. Após tudo o que passou na campanha, sabe que não haveria condições, a não ser por circunstâncias extraordinárias. Todavia, o controle de uma máquina do tamanho da capital de São Paulo lhe traria poder suficiente para continuar a intervir com vigor no partido; influenciar linhas gerais, na oposição, nas campanhas eleitorais de 2014 aos diversos governos de Estado e à Presidência. Na eventualidade de vitórias, influenciar os governos.
Nesta quadra de espera, são duas as perspectivas e dois os projetos. Um será colocado em andamento imediatamente após a divulgação dos resultados das pesquisas de boca de urna. Outro, não terá passado de hipótese. Mas, como disse o poeta, vida é luta renhida; se vencer, Serra continuará na lida. Se perder, não se sabe... Já para Fernando Haddad, ganhando ou perdendo, a liça começa agora.
Carlos Melo - cientista político, professor do Insper
Fonte: O Estado de S. Paulo

Depois do segundo turno (Marco Aurélio Nogueira)


Independentemente dos candidatos que sairão vitoriosos das urnas do segundo turno das eleições municipais, a democracia brasileira dele emergirá em boa forma física. Eleições são sempre um teste para a qualidade da democracia. Ajudam a que se visualizem as falhas e virtudes do sistema político. Fornecem um observatório para que se estudem os humores e expectativas sociais, o sucesso ou insucesso das políticas públicas, os traços da cultura política que orienta a luta interpartidária, os projetos de sociedade que estão sendo oferecidos pelos políticos e por seus partidos.
As disputas deste ano ocorreram em clima de "normalidade" e é de se esperar que os vitoriosos sejam diplomados, tomem posse e recebam, ao menos nos primeiros meses, a confiança e o apoio do conjunto da população. Em 2012 a sociedade deu mais um passo em direção à consolidação de sua democracia, processo que passou pelo declínio da ditadura militar, pela Nova República de 1985 e pela elaboração da nova Carta Constitucional em 1988 e se foi afirmando eleição após eleição, governo a governo. Três décadas depois, o País transformou-se e está muito melhor em termos políticos.
Pode-se associar a esse processo a valorização dos órgãos superiores do Estado. O prestígio adquirido pelo Supremo Tribunal Federal surge aqui como o maior exemplo, graças, em parte, ao julgamento do mensalão. Nesse episódio, trabalhando em meio a um tiroteio de aplausos e apupos, o tribunal escudou-se na interpretação da Constituição para avançar no combate à corrupção e a alguns dos maus hábitos que fragilizam a República e o Estado democrático. Sua mensagem ainda não chegou à corrente sanguínea da sociedade, pois depende de novos passos, de reformas institucionais estratégicas e do julgamento de outros casos semelhantes. Mas foi dada.
Muitos criticaram a coincidência do julgamento com as eleições, o rigor das sentenças e a doutrina escolhida pelos juízes para fundamentá-las. Viram no julgamento um fator de arbítrio e "exceção" utilizado para prejudicar o Partido dos Trabalhadores. No entanto, como escreveu o governador Tarso Genro (PT), do Rio Grande do Sul, "seu resultado não está manchado de ilegitimidade: os procedimentos garantiram a ampla defesa dos réus e, embora se possa discordar da apreciação das provas e da doutrina penal abraçada pelo relator, a publicidade do julgamento e a ausência de coerção insuportável sobre os juízes dão suficiente suporte de legitimidade à decisão da Suprema Corte". Reclama-se que o julgamento foi mais político que jurídico, mas não se leva em conta que "todo Estado de Direito tem espaços normativos amplos para permitir-se, com legitimidade, tanto condenar sem provas como absolver com provas, nos seus Tribunais Superiores. Nas decisões das suas Cortes, às vezes predomina o Direito, às vezes predomina a Política. O patamar da sua decisão legítima é alcançado, então, não somente através das suas instâncias jurídicas de decisão, mas - nos seus casos mais relevantes - na esfera da política, por dentro e por fora dos Tribunais" (Carta Maior, 22/10).
Exprimindo a desigual maturação da democratização, os embates do segundo turno foram particularmente pobres em conteúdo. As campanhas concentraram-se em estratégias "mercadológicas" de ataque e defesa. Particularmente na cidade de São Paulo, esse rebaixamento atingiu proporções dramáticas. Na cidade em que se pode encontrar tudo, não se conseguiu achar a política com P maiúsculo.
A disputa entre PT e PSDB teria inevitavelmente de ocorrer em doses elevadas, ainda que pouco houvesse de substantivo a diferenciar os combatentes. Mas foi vivida como se se estivesse a decidir a derradeira batalha de uma guerra que se deseja sem fim porque se imagina que é ela que organiza a política nacional.
Donde a manifestação de um efeito colateral: o segundo turno paulistano pode ter sido o último suspiro de uma oposição que pretendeu ser (e em alguns momentos da História chegou a sê-lo) a opção mais qualificada seja para a superação do velho Brasil de caciques oligárquicos e barões patrimoniais, seja para o oferecimento de uma alternativa à ascensão do PT.
Sem discurso, sem equilíbrio, rumo e discernimento, com excesso de fel e ressentimento, a campanha de José Serra desmereceu a sua biografia política e deve ser diretamente responsabilizada pela dificuldade que teve de agregar votos. Muitos de seus eleitores no primeiro turno devem ter condicionado a confirmação do voto a uma mudança positiva na qualidade de seu desempenho, o que não ocorreu.
O ocaso do PSDB como partido de proposta e projeto pode conviver com sua sobrevivência como legenda eleitoral e mesmo com a afirmação de candidatos competitivos a ele vinculados, como é o caso de Aécio Neves. Mas significa o aniquilamento de um patrimônio e impõe um repto ao PSDB: renovar-se radicalmente ou perecer. Terá efeitos no universo político, incentivando deslocamentos de expectativas e lealdades. Em termos imediatos, expressará o encolhimento da oposição ao predomínio do PT, embora não represente a abertura de um céu de brigadeiro no País, dada a preservação das coalizões sem eixo programático e vínculos de identidade. Mesmo na base governista, os partidos continuarão a brigar entre si, ora por motivos nobres, mas quase sempre pelo controle de mais recursos de poder.
Para nossas cidades o período que se abrirá com o fechamento das urnas não deverá introduzir mudanças categóricas. Poderá haver melhor desempenho governamental em alguns municípios, mas nada sugere que se revolucionará a gestão urbana, processo que, de resto, se espalha por períodos longos e requer a combinação de muitos fatores, que estão ausentes no contexto atual. Em termos da dinâmica política do País, porém, há indícios suficientes de que um novo ciclo se iniciará.
Marco Aurélio Nogueira - professor titular de Teoria Política e Diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp.
Fonte: O Estado de S. Paulo

Sentença política e “paz política”: o julgamento que não terminará (Tarso Genro)


Da nossa parte – esquerda em geral e do PT – não podemos esquecer que é preciso não só discutir os efeitos políticos do julgamento, mas também as condições institucionais e políticas que abriram espaços para os nossos erros. Isso significa privilegiar duas lutas de fundo, sem as quais tudo pode acontecer de novo: financiamento público das campanhas e verticalidade das alianças, para formar partidos fortes. 
Quero encerrar a minha série de artigos, sobre o processo do “mensalão”, defendendo uma tese que não será simpática para os que, através de um olhar apressado – baseados no princípio da solidariedade com quem “está sendo condenado sem provas” (o que parece ser certo em alguns casos) – gostariam que se dissesse, rapidamente, que o processo redundou num resultado, tanto “ilegal” como “ilegítimo”. Entendo que isso seria uma solidariedade, além de ineficaz, jurídica e politicamente incorreta.
Sustento que o processo foi “devido” e “legal”. E o seu resultado não está manchado de ilegitimidade: os procedimentos garantiram a ampla defesa dos réus e, embora se possa discordar da apreciação das provas e da doutrina penal abraçada pelo relator (“domínio funcional dos fatos”), a publicidade do julgamento, a ausência de coerção insuportável sobre os Juízes – inclusive levando em conta que boa parte deles foi nomeada pelo próprio Presidente Lula – dão suficiente suporte de legitimidade à decisão da Suprema Corte.
Entendo que todo o Estado de Direito tem espaços normativos amplos para permitir-se, com legitimidade, tanto condenar sem provas como absolver com provas, nos seus Tribunais Superiores. Isso é parte de sua engenharia institucional e do processo político que caracteriza as suas funções. Nas decisões das suas Cortes, às vezes predomina o Direito, às vezes predomina a Política. O patamar da sua decisão legitíma – importante nos regimes de democracia política ampla – é alcançado, então, não somente através das suas instâncias jurídicas de decisão, mas – nos seus casos mais relevantes- na esfera da política, por dentro e por fora dos Tribunais.
Kelsen diria que a função de todo o Tribunal Constitucional é, em última instância, “garantir a paz política no interior do Estado.” Marx, se pudesse corrigir Kelsen, provavelmente acrescentasse: “para manter as relações de dominação e controle reguladas nas instâncias formais do Direito.” Eu diria, se tivesse alguma estatura para ombrear com estes dois gigantes: “ambos tem razão”. No período atual, juristas eminentes como Luigi Ferrajoli sustentam que a globalização também já é uma crise do direito em duplo sentido: um, objetivo e institucional, e outro, subjetivo e cultural, o que implica conceber que as Cortes superiores, na esteira do aprofundamento desta grave crise do Direito, poderão aumentar a sua autonomia para julgar acima das leis.
Esta função política do Tribunal Constitucional no Estado de Direito é cumprida em qualquer Estado Democrático. Não a partir do Direito como instância “pura” de caráter jurisdicional, mas através das influências ideológicas e culturais, que refletem nas Cortes Supremas. Estas influências se originam, principalmente, dos indivíduos e grupos organizados que dominam os espaços de controle e formação da opinião, onde a política esteriliza o Direito: a mídia, os aparatos culturais, dentro e fora do Estado, os partidos, os centros de produção do pensamento e da cultura. Isso ocorre não somente em julgamentos de quadros políticos da sociedade civil ou de Estado, mas em todos os julgamentos em que a disputa se dá – como juízo de fundo- sobre qual o projeto social e político que caracteriza o caso que está sendo julgado no tribunal.
Algumas vezes, as demandas que versam sobre direitos que estão nas instituições libertárias do Direito Constitucional moderno “ganham”: a constitucionalidade das cotas para negros e a constitucionalidade do Prouni, por exemplo; outras vezes – na minha opinião na maioria das vezes- quando se julga um caso que refletirá um juízo sobre conflitos de um período inteiro (por exemplo a capacidade da elite política neoliberal dar uma saída para a miséria e o desemprego), as decisões tendem a ser “estruturantes” da reação conservadora.
E isso não é feito porque os Juizes são mal intencionados ou, necessariamente, reacionários. São os mesmo Juizes que potencializaram direitos importantes em julgamentos históricos, como no caso “Raposa Serra do Sol”. A conservação das diferenças de “status” social e político – no regime do capital – é, também, uma das funções mais importantes do Estado Democrático de Direito. Este Estado tanto deve absorver conquistas como manter as diferenças dentro de certos limites, que são da natureza do regime do capital.
As diferenças a serem preservadas, porém, não se esgotam nas diferenças de classe, que naturalmente existem no capitalismo. São, também, as diferenças no tratamento que o Poder Judiciário necessariamente dá às distintas correntes ideológicas e de opinião. Foi esta a carga cultural que se apresentou na mídia de maneira uniforme sobre o Supremo. No caso, travestida de “luta contra a corrupção” e que, certamente, teve um impacto brutal na cabeça de cada Juiz do Supremo.
Perceba-se que, num ponto, ocorreu um empate estratégico: nem a mídia conseguiu mobilizar apoios de massas, para a condenação que ela já tinha feito, nem o PT conseguiu – sequer pretendeu – mobilizar bases sociais para pressionar legítima e legalmente o STF, por um “julgamento justo”. O que, por si só, indica que sabíamos que as nossas bases desconfiavam que algumas contas deveriam ser ajustadas.
No caso concreto do mensalão, como em tantos outros, não se trata de uma divisão linear ou de alinhamento automático a partir de classes sociais, nas distintas posições políticas sobre o julgamento, trata-se de um juízo dividido sobre a vida presente: as políticas do governo Lula, a “ralé” melhorando a vida dos pobres, os sindicalistas e intelectuais de esquerda “mandando” milhões de pessoas para fora da miséria; os negros pobres e os pobres do campo chegando nas Universidades, nas escolas técnicas federais, a Presidenta enfrentando a “sanha dos bancos”. Ou seja, uma pequena cobertura “real”, que o cheque com poucos fundos da democracia “formal” jamais ofereceu para a maioria do povo brasileiro.
No caso do “mensalão”, os foros de legitimação do julgamento foram amplos e não foram feitos somente pela mídia: a extrema esquerda corporativa se uniu, de maneira siamesa, ao “conglomerado” demo-tucano. Não somente apresentando candidatos “contra os políticos”, mas também fiéis escudeiros do moralismo udenista, promovido pela grande mídia. Perfilaram o lado dos “puros” contra os “políticos impuros”: o neoliberalismo, como utopia da direita, abraçou-se ao economicismo adjetivado de impropérios esquerdistas, para atacar um projeto político que vem resgatando da miséria milhões de brasileiros.
Os delitos que os réus cometeram – ou não cometeram – foram secundarizados neste processo do “mensalão”. Mas, o “lado” que os réus estiveram no processo político recente este, sim, foi muito importante e precisava ser vulnerabilizado. Tratava-se – como foi repetido exaustivamente em horário nobre – de “um esquema do PT para se eternizar no poder”.
As provas dos crimes se tornaram, assim, secundárias e o processo judicial poderá legar – num desserviço político à democracia – ao invés de condenados por crimes provados, “mártires” do ataque aos princípios “garantistas”. Alguns foram condenados, não pelos crimes provados, mas por suposições enquadradas (de fato) como “crimes políticos” para comprar reformas”.
O Estado Democrático de Direito não foi organizado para ser perfeitamente “justo”, mas o foi para ser adequado a um período histórico democrático do desenvolvimento capitalista, com desigualdades. E, muito menos, foi produzido para “revogar” o controle do capital sobre a vida pública e privada. Nem tiveram esta pretensão os seus constituintes. O que o Estado de Direito reflete, em geral, é o encravamento de conquistas do mundo do trabalho, do iluminismo democrático e das lutas libertárias da inteligência socialista mundial, no cerne do Estado.
Esta sua virtude é, todavia, uma finalidade secundária da sua organização jurídica, embora ela seja real e importante. A sua finalidade principal é manter, com um mínimo de coesão social, as desigualdades num nível em que as demandas de igualdade real não ameacem o desenvolvimento do capitalismo.
Da nossa parte – da esquerda em geral e do PT – não podemos esquecer que é preciso não só discutir os efeitos políticos do julgamento, mas também as condições institucionais e políticas, que abriram espaços para os nossos erros. Isso significa privilegiar duas lutas de fundo, sem as quais tudo poderá acontecer de novo: financiamento público das campanhas, para reduzir a influência das empresas no comportamento dos políticos e verticalidade das alianças, para formar partidos fortes, que possam se libertar das alianças sem princípios no Estado. Estas reformas sim ajudarão a melhorar todo o espectro político do país e, especialmente, ajudarão a viabilizar uma atuação mais autêntica da esquerda no palco da democracia e no cenário da Revolução Democrática.
(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Julgamento levou PT a se modernizar (Werneck Vianna/entrevista)

Chico Santos


ÁGUAS DE LINDOIA - O processo do mensalão e as eleições municipais que terminam no domingo estão associados para demonstrar que "é possível avançar [na democracia social] através dos procedimentos democráticos institucionais" e denunciar que "não há nenhuma Muralha da China entre a democracia social e a democracia política". E, mesmo com membros da sua cúpula julgados e condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o PT deverá sair fortalecido das eleições municipais, em pleno processo de renovação de quadros de liderança.
São análises do sociólogo Luiz Werneck Vianna, professor e pesquisador da PUC-Rio, que vê na emergência de nomes como o candidato petista à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, e Marcio Pochmann, candidato em Campinas, a continuidade de um processo de renovação iniciado pelo próprio presidente de honra do partido, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, ao indicar o nome de Dilma Rousseff para disputar, e vencer, sua sucessão na Presidência.
Nesta entrevista, concedida em um intervalo da sua participação no 36º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, em Águas de Lindoia (SP), Werneck Vianna aponta para uma disputa entre o PT e o tucano Aécio Neves pela Presidência em 2014, com remotas possibilidades de o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB) lançar-se como uma terceira via. No PT ele não crava se o nome será o da presidente Dilma ou do ex-presidente Lula, mas diz que ela quer a reeleição. A seguir, trechos da entrevista:
Valor: Como preservar a conquista que o senhor vê no julgamento da Ação Penal 470 [mensalão] que seria o surgimento de uma nova República, não mais sujeita ao poder da Administração do Estado?
Luiz Werneck Vianna: São dois processos: o julgamento da Ação Penal 470 e as eleições municipais. Praticamente encerrados os dois processos, saltam aos olhos as motivações e ações que levaram ao grande escândalo que o país viveu a partir das declarações do Roberto Jefferson denunciando a existência de uma conspiração contra as instituições republicanas. Enquanto isso, a sucessão municipal mostra, à saciedade, que é possível avançar através dos procedimentos democráticos institucionais. Talvez a melhor indicação disso ainda esteja por vir.
Valor: O resultado de São Paulo?
Vianna: A crer nas pesquisas, o [Fernando] Haddad ganha em São Paulo. Mesmo que não haja a vitória do Haddad, a votação do porte que ele terá, e que já teve no primeiro turno, denuncia como inepta a tentativa lá no começo da década de 2000, de se procurar se assenhorar dos controles da política por cima. A tentativa de controle das instituições pelo dinheiro e pelo poder, os desmandos que hoje estão em julgamento. Denuncia de maneira solar que não há nenhuma Muralha da China entre a democracia social e a democracia política.
Valor: A instituição, no caso o partido (PT) sobrevive a essa tentativa...
Vianna: Acho que não ficou ainda claro, mas o ponto é relevante. Dois processos: um que nos seus inícios foi formulado no sentido de partir da ação do poder administrativo e do poder do dinheiro pra se assenhorar do poder legislativo, com o pretexto, com a ideia implícita de que era para avançar mais no social. O que a sucessão municipal demonstra é que os avanços podem até ser mais profundos e amplos se eles forem percebidos por meio dos canais democráticos, pelas vias republicanas institucionais. O PT sai dessa sucessão muito fortalecido, embora houvesse sobre esse processo eleitoral a sombra do processo que tramitava no Supremo Tribunal Federal contra as lideranças partidárias, as lideranças do PT, que maquinaram essa tentativa de usurpação da vontade do poder soberano.
“Sai a velha elite política e entra outra sob o impacto da Lei da Ficha Limpa e do julgamento da Ação Penal 470 no STF"
Valor: A quem veja nesse resultado que o Haddad está obtendo mais uma vitória pessoal do personagem Lula. Isso macularia de algum modo esse raciocínio que o senhor acaba de fazer?
Vianna: Não, não. Porque, inclusive, se nós olharmos bem esse processo que está ocorrendo, vários observadores já apontaram isso, traz uma mudança geracional.
Valor: Tem também o [candidato do PT] Marcio Pochmann em Campinas...
Vianna: Dois quadros muito interessantes... O Haddad e o Pochmann foram alçados a um protagonismo político inesperado. Evidentemente que são duas novas personalidades que irão atuar nesse jogo que não tem mais nada a ver com as velhas práticas de controle da vida sindical que levaram a essa confusão entre governo e sindicatos, porque os sindicatos foram inteiramente absorvidos e apareceu até, não sei se isso é propriamente verdadeiro, mas alguma coisa disso é, quase uma nova classe, uma caracterização do [sociólogo] Francisco de Oliveira, essas elites sindicais se apropriando de posições importantes no sistema de Estado. Nós lembramos aqui do Pochmann e do Haddad, mas essa pesquisa precisa ser feita em todo o país: o que vem de novo nessa sucessão municipal. Está saindo uma velha elite política e entrando outra, e essa outra entra sob o impacto de dois extraordinários eventos, o primeiro foi a Lei da Ficha Limpa e o segundo, o julgamento da Ação Penal 470, com condenação de praticamente todos os réus, principalmente as grandes lideranças políticas, do PT e do governo [passado].
Valor: A própria eleição em 2010 da presidente Dilma Rousseff, ela mesma uma nova liderança, já seria um embrião desse fenômeno que o senhor está apontando?
Vianna: Eu não quero estabelecer uma relação de causa e efeito, mas acho que alguma coisa na eleição dela já significava isso. O que é um pouco misterioso porque, perceba por favor, Dilma, Haddad e Pochmann foram escolhas pessoais do Lula. Como se ele estivesse com isso anunciando o começo de um novo ciclo. Isso precisa ser melhor apurado.
Valor: Mas os adversários podem dizer que se trata de uma esperteza de velha raposa...
Vianna: Certamente a esperteza da velha raposa está presente, mas o fato de essa esperteza ter como resultado a mudança no sentido de opção por quadros mais modernos, como Dilma, como Haddad e Pochmann, mostra que algo mudou. Eu não estou querendo com isso insinuar que o Lula tenha tido plena consciência desse movimento e de no que isso importa. A Dilma, por exemplo, ela não é uma mulher da política, é uma mulher da administração, da gestão. E aí, as marcas de racionalização que ela vem procurando trazer ficaram muito claras a esta altura de dois anos de governo. Então, o que eu digo é o seguinte: embora haja um tom muito otimista nas coisas que estou falando e analisando, acho que há sinais por dentro, no interior do PT, de que haverá um "aggiornamento" (palavra italiana que simbolizou a modernização da igreja no Concílio Vaticano 2º, na década de 1960) aí.
Valor: Ou seja, independentemente da intenção do Lula, ele introduziu o novo...
Vianna: E com nomes muito atentos à questão social, especialmente o Pochmann, o que mostra que o tema da democracia social pode avançar perfeitamente no limpo terreno republicano, denunciando a prática anterior. A percepção desses dois processos que eu mencionei, a Ação Penal 470 e as eleições municipais, é de que um movimento denuncia o erro do outro.
“A emergência de Aécio e Eduardo realça temas regionais e mostra que vivemos numa Federação às vezes ocultada"
Valor: Extrapolando para fora do PT, como o senhor analisa a afirmação de nomes como o do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e do governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) nesse processo de renovação?
Vianna: É a consolidação dessa moderna ordem burguesa brasileira que faz com que a sociedade torne-se cada vez mais complexa e diferenciada. Além do mais, esse país, embora frequentemente oculte o fato, a significação do fato, é uma Federação. E o que nós estamos assistindo é a emergência de quadros com uma história muito regional. O Eduardo Campos em Pernambuco e o Aécio Neves em Minas. Os dois, herdeiros dinásticos de duas casas governantes, a de [Miguel] Arraes e a de Tancredo Neves. O que mostra que as raízes fundas da expressão atual política deles. Os temas regionais aparecem com eles muito fortemente.
Valor: Como o senhor acha que esse quadro que se desenha agora irá reproduzir-se na eleição presidencial de 2014?
Vianna: Isso vai depender muito, e eu não sou o primeiro a dizer, da situação econômica do país. Com um andamento favorável na economia, as possibilidades do quadro posto [o PT no poder] permanecer são muito altas. Aécio será candidato. Candidato em 2014 com vistas a 2018. Para consolidar uma posição nacional. Ele precisa sair de Minas. O Eduardo Campos, por sua vez, as circunstâncias econômicas lhe sendo desfavoráveis, isto é, crescimento da economia, ele vai se alinhar à coalizão majoritária. Em que posição? Terá forças para deslocar Michel Temer da vice-presidência? Muito difícil porque a essa altura o PMDB já deu seguras manifestações de que a âncora verdadeira dessa política é ele. Então, o Eduardo Campos, a meu ver, não terá acesso a vice. O que ele vai fazer? Não sei. Ele tem um movimento de alto risco: pode ficar fora da vice-presidência, ver seu antagonista, seu rival imediato, que é o Aécio, se lançar nacionalmente, e ficar sem lugar até 2018. É um movimento de alto risco. Ele pode ainda, calculando riscos, lançar-se como uma terceira via, imaginando que não ganha em 2014, mas que em 2018 estará em situação de forte competição com Aécio. De terceira força ele pode passar a segunda em 2018. São estratégias, são cálculos cuja materialização vai depender das circunstâncias.
Valor: Uma derrota domingo é o ocaso para José Serra (PSDB)?
Vianna: O Serra perdendo, pela idade, fica muito complicado. Liderança emergente no PSDB, com a derrota dele [Serra], é o Aécio.
Valor: Agora, jogando para 2018, supondo que a presidente Dilma se reeleja em 2014, o senhor imagina que o Lula queira retornar?
Vianna: Não, a questão para mim é outra, e essa questão não é minha, é de todos: quem é o candidato do PT em 2014, Dilma ou Lula? O Lula pode se afeiçoar a esse papel de dirigente partidário, no qual ele está se saindo muito bem agora em 2012.
Valor: O senhor acha que a presidente Dilma não se rebelaria contra um desejo dele de se candidatar?
Vianna: Rebelar, não. Resistir acho que ela está resistindo da forma que lhe é possível. Ela vem sinalizando claramente que quer a reeleição, não na retórica explícita, mas na forma como se resguarda. Ela se resguardou muito no processo da Ação Penal 470, como que dizendo: não tenho nada com isso.
Valor: Só para concluir esse assunto da Ação Penal: na segunda-feira, durante o debate sobre a conjuntura econômica aqui na Anpocs, o senhor foi muito claro ao dizer que não se deve confundir a Ação Penal 470 com a judicialização da política. A continuidade da judicialização da política é um obstáculo à instalação dessa nova república?
Vianna: Não, obstáculo não. Olhe, esse teme mereceria uma outra entrevista. A presença do Judiciário na cena política, que é uma marca da modernização burguesa brasileira - Justiça do Trabalho [anos 1930/1940], Justiça Eleitoral [anos 1930]... Com que intenção isso foi feito lá atrás? Tutelar e controlar a sociedade. Agora, essa marca ficou. O que a Carta [Constitucional] de 1988 disse foi o seguinte: eu vou preservar esse Judiciário que vem da tradição autoritária brasileira, mas vou democratizar as suas funções. O julgamento da Ação Penal 470 foi uma vitória da Carta de 1988.
Valor: Como fazer para preservar essa consagração da Carta que o senhor apontou, como assegurar a reforma política, por exemplo?
Vianna: Essa é a hora do legislador. É o legislador que tem que operar no sentido de tornar nossa legislação eleitoral mais adaptada às nossas circunstâncias.
Valor: E o Congresso Nacional está à altura dessa tarefa?
Vianna: Vai ser obrigado a ficar, porque o impacto do julgamento da Ação Penal 470 foi exatamente no sentido de produzir resultados nessa direção, chamando a atenção do legislador para a urgência da reforma política.
O repórter está em Águas de Lindoia a convite da organização da Anpocs
Fonte: Valor Econômico

O PT não é quadrilha (Demétrio Magnoli)


Fernando Haddad está cercado por José Dirceu e Paulo Maluf. Sobre Dirceu, aparece a palavra "condenado"; sobre Maluf, "procurado". Contaminada pelo desespero, a propaganda eleitoral de José Serra não viola a verdade factual, mas envereda por uma perigosa narrativa política. O candidato tucano está dizendo que eleger o petista equivale a colocar uma quadrilha no comando da prefeitura paulistana. A substituição da divergência política pela acusação criminal evidencia o estado falimentar da oposição no país e, mais importante, inocula veneno no sistema circulatório de nossa democracia.
Demóstenes Torres foi expulso do DEM antes de qualquer condenação, quando patenteou-se que ele operava como despachante de luxo da quadrilha de Carlinhos Cachoeira. José Dirceu foi aclamado como herói e mártir pela direção do PT depois da decisão da corte suprema de uma democracia de condená-lo por corrupção ativa e formação de quadrilha. O mensalão é um tema legítimo de campanha eleitoral e nada há de errado na exposição dos vínculos entre Haddad e Dirceu. Contudo, a linguagem da política não deveria se confundir com a linguagem da polícia.
Dirceu permanece na alta direção petista pois é um dos artífices de uma concepção da política que rejeita a separação entre o Estado e o partido. No mensalão, a imbricação Estado/partido assumiu o formato de um conjunto de crimes tipificados. Entretanto, tal imbricação manifesta-se sob as formas mais diversas desde que Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto. O código genético do mensalão está impresso no movimento de partidarização da administração pública, das empresas estatais, dos fundos de pensão, dos sindicatos, das políticas sociais e da política externa conduzido ao longo de uma década de lulismo triunfante. Na linguagem da política, Dirceu figuraria como símbolo da visão de mundo do lulo-petismo. Mas a campanha de Serra não é capaz de escapar ao círculo de ferro da linguagem policial.
A Interpol define Paulo Maluf como um foragido da Justiça. Lula e Haddad não se limitaram a firmar um pacto eleitoral com o partido de Maluf, mas peregrinaram até a mansão do fugitivo para desempenhar o papel abjeto de cortejá-lo como liderança política. Faz sentido divulgar, no horário de campanha, as imagens da macabra confraternização. Contudo, uma vez mais, seria indispensável traduzir o evento na linguagem da política, que não é a da Interpol.
Maluf é um caso extremo, mas não um ponto fora da curva. Lula e o PT insuflaram uma segunda vida aos cadáveres políticos de Fernando Collor, Jader Barbalho, José Sarney, Renan Calheiros e tantos outros. As alianças recendem a oportunismo, um vício menor, mas a extensão da prática exige uma explicação de fundo. O paradoxo aparente do encontro entre "esquerda" e "direita" é fruto de um interesse compartilhado: a continuidade da tradição patrimonial de apropriação da "coisa pública" pela elite política. As "estranhas alianças" lulistas funcionam como ferramentas para a repartição do imponente castelo de cargos públicos na administração direta e nas empresas estatais. Até hoje, o Brasil não concluiu o processo de criação de uma burocracia pública profissional. Na linguagem da política, a confraternização de Lula e Haddad com Maluf ajudaria a esclarecer os motivos desse fracasso. Mas a propaganda eleitoral de Serra preferiu operar em outro registro.
A campanha do tucano oscila entre os registros administrativo, moral e policial, sem nunca sincronizar o registro político. De certo modo, ela é um reflexo fiel da falência geral da oposição, que jamais conseguiu elaborar uma crítica sistemática ao lulo-petismo. Entretanto, nas circunstâncias produzidas pelo julgamento do mensalão, a inclinação oposicionista a apelar para a linguagem policial tem efeitos nefastos de largas implicações. Na democracia, não se acusa um dos principais partidos políticos do país de ser uma quadrilha.
O PT não é igual à sua direção eventual, nem é uma emanação da vontade de Dirceu ou mesmo de Lula. O PT não se confunde com o que dizem seus líderes ou parlamentares em determinada conjuntura, nem mesmo com as resoluções aprovadas nesse ou naquele encontro partidário. Embora tudo isso tenha relevância, o PT é algo maior: uma história e uma representação. A trajetória petista de mais de três décadas inscreve-se no percurso da sociedade brasileira de superação da ditadura militar e de construção de um sistema político democrático. O PT é a representação partidária de uma parcela significativa dos cidadãos brasileiros. A crítica ao partido e às suas concepções políticas não é apenas legítima, mas indispensável. Coisa muito diferente é tentar marcá-lo a fogo como uma coleção de marginais.
O jogo do pluralismo depende do respeito à sua regra de ouro: a presunção de legitimidade de todos os atores envolvidos. Nas democracias, eleições se concluem pelo clássico telefonema no qual o derrotado oferece congratulações ao vencedor.
Em 1999, após o terceiro insucesso eleitoral de Lula, o PT violou a regra do jogo, ao desfraldar a bandeira do "Fora FHC". Serra ficou longe disso dois anos atrás, mas seu discurso de derrota continha a estranha insinuação de que a vitória de Dilma Rousseff representaria uma ameaça à democracia. Agora, na eleição paulistana, a propaganda do tucano sugere que um triunfo de Haddad equivaleria à transferência da prefeitura da cidade para uma quadrilha. Na hipótese de derrota, como será o seu telefonema de domingo à noite?
Marqueteiros designam ataques ao adversário eleitoral pela expressão "propaganda negativa". O rótulo dos vendedores de sabonete abrange tudo, desde a crítica política fundamentada até as mais sórdidas agressões pessoais. O problema da campanha de Serra não está no uso da "propaganda negativa", mas na violação da regra do jogo. Não é assim que se faz oposição.
Fonte: O Globo

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A condenação do PT (Marco Antonio Villa)


O julgamento do mensalão atingiu duramente o Partido dos Trabalhadores. As revelações acabaram por enterrar definitivamente o figurino construído ao longo de décadas de um partido ético, republicano e defensor dos mais pobres. Agora é possível entender as razões da sua liderança de tentar, por todos os meios, impedir a realização do julgamento. Não queriam a publicização das práticas criminosas, das reuniões clandestinas, algumas delas ocorridas no interior do próprio Palácio do Planalto, caso único na história brasileira.
Muito distante das pesquisas acadêmicas - instrumentalizadas por petistas - e, portanto, mais próximos da realidade, os ministros do STF acertaram na mosca ao definir a liderança petista, em 2005, como uma sofisticada organização criminosa e que, no entender do ministro Joaquim Barbosa, tinha como chefe José Dirceu, ex-presidente do PT e ministro da Casa Civil de Lula. Segundo o ministro Celso de Mello: "Este processo criminal revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho de Estado, transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de poder." E concluiu: "É macrodelinquência governamental." O presidente Ayres Brito foi direto: "É continuísmo governamental. É golpe."
O julgamento do mensalão desnudou o PT, daí o ódio dos seus fanáticos militantes com a Suprema Corte e, principalmente, contra o que eles consideram os "ministros traidores", isto é, aqueles que julgaram segundo os autos do processo e não de acordo com as determinações emanadas da direção partidária. Como estão acostumados a lotear as funções públicas, até hoje não entenderam o significado da existência de três poderes independentes e, mais ainda, o que é ser ministro do STF. Para eles, especialmente Lula, ministro da Suprema Corte é cargo de confiança, como os milhares criados pelo partido desde 2003. Daí que já começaram a fazer campanha para que os próximos nomeados, a começar do substituto de Ayres Brito, sejam somente aqueles de absoluta confiança do PT, uma espécie de ministro companheiro. E assim, sucessivamente, até conseguirem ter um STF absolutamente sob controle partidário.
A recepção da liderança às condenações demonstra como os petistas têm uma enorme dificuldade de conviver com a democracia. Primeiramente, logo após a eclosão do escândalo, Lula pediu desculpas em pronunciamento por rede nacional. No final do governo mudou de opinião: iria investigar o que aconteceu, sem explicar como e com quais instrumentos, pois seria um ex-presidente. Em 2011 apresentou uma terceira explicação: tudo era uma farsa, não tinha existido o mensalão. Agora apresentou uma quarta versão: disse que foi absolvido pelas urnas - um ato falho, registre-se, pois não eram um dos réus do processo. Ao associar uma simples eleição com um julgamento demonstrou mais uma vez o seu desconhecimento do funcionamento das instituições - registre-se que, em todas estas versões, Lula sempre contou com o beneplácito dos intelectuais chapas-brancas para ecoar sua fala.
As lideranças condenadas pelo STF insistem em dizer que o partido tem que manter seu projeto estratégico. Qual? O socialismo foi abandonado e faz muito tempo. A retórica anticapitalista é reservada para os bate-papos nostálgicos de suas velhas lideranças, assim como fazem parte do passado o uso das indefectíveis bolsas de couro, as sandálias, as roupas desalinhadas e a barba por fazer. A única revolução petista foi na aparência das suas lideranças. O look guevarista foi abandonado. Ficou reservado somente à base partidária. A direção, como eles próprios diriam em 1980, "se aburguesou". Vestem roupas caras, fizeram plásticas, aplicam botox a três por quatro. Só frequentam restaurantes caros e a cachaça foi substituída pelo uísque e o vinho, sempre importados, claro.
O único projeto da aristocracia petista - conservadora, oportunista e reacionária - é de se perpetuar no poder. Para isso precisa contar com uma sociedade civil amorfa, invertebrada. Não é acidental que passaram a falar em controle social da imprensa e... do Judiciário. Sabem que a imprensa e o Judiciário acabaram se tornando, mesmo sem o querer, nos maiores obstáculos à ditadura de novo tipo que almejam criar, dada ausência de uma oposição político-partidária.
A estratégia petista conta com o apoio do que há de pior no Brasil. É uma associação entre políticos corruptos, empresários inescrupulosos e oportunistas de todos os tipos. O que os une é o desejo de saquear o Estado. O PT acabou virando o instrumento de uma burguesia predatória, que sobrevive graças às benesses do Estado. De uma burguesia corrupta que, no fundo, odeia o capitalismo e a concorrência. E que encontrou no partido - depois de um século de desencontros, namorando os militares e setores políticos ultraconservadores - o melhor instrumento para a manutenção e expansão dos seus interesses. Não deram nenhum passo atrás na defesa dos seus interesses de classe. Ficaram onde sempre estiveram. Quem se movimentou em direção a eles foi o PT.
Vivemos uma quadra muito difícil. Remar contra a corrente não é tarefa das mais fáceis. As hordas governistas estão sempre prontas para calar seus adversários.
Mas as decisões do STF dão um alento, uma esperança, de que é possível imaginar uma república em que os valores predominantes não sejam o da malandragem e da corrupção, onde o desrespeito à coisa pública é uma espécie de lema governamental e a mala recheada de dinheiro roubado do Erário tenha se transformado em símbolo nacional.
Fonte: O Globo

O fator Eduardo Campos na sucessão (Raymundo Costa)


A presidente Dilma Rousseff continua tratando o governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos, como um aliado, mas desde já procura criar alternativas a sua eventual candidatura presidencial em 2014. No Palácio do Planalto e no PT, ninguém sabe exatamente qual é o jogo de Campos.
Ontem, Dilma foi a Manaus (AM) para participar de um comício da candidata do PCdoB a prefeito, Vanessa Grazziotin. A candidata comunista tem chances remotas de vitória. Segundo as últimas pesquisas conhecidas, o candidato tucano, o ex-líder do PSDB no Senado Artur Virgílio lidera com mais de 30 pontos de diferença.
Um cenário desfavorável que Dilma poderia muito bem evitar. Associar-se à derrota de Vanessa, sem dúvida, dá um gostinho a mais à provável vitória de Virgílio, já considerada "simbólica" pelos tucanos. Mas o que Dilma quer é fazer um afago no PCdoB e enviar um sinal a Eduardo Campos. O partido de Vanessa, aliado histórico do PT, nos últimos anos tem orbitado o PSB de Eduardo Campos.
Dilma já trabalha para isolar eventual candidatura do PSB
Ao mesmo tempo, Dilma decidiu não se envolver na eleição de Fortaleza, onde PSB e PT disputam o segundo turno no próximo domingo. Na capital do Ceará o aceno é para os irmãos Gomes, o governador Cid e o ex-ministro Ciro, os únicos integrantes do PSB em condições de tentar, pelo menos em parte, minar a hegemonia de Campos no PSB. Com Cid e Ciro ela mantém uma ponte com o PSB, se vier a precisar da sigla, mais tarde, na campanha sucessória.
À exceção de São Paulo, Eduardo Campos em geral situou-se com o candidato contrário aos interesses do PT e do governo. Um caso exemplar é São Luis do Maranhão, onde campos desembarcou logo após o primeiro turno a fim de fazer campanha para o candidato do presidente da Embratur, Flávio Dino (PCdoB), inimigo do clã Sarney.
Dilma poderia apoiar o candidato de Flávio Dino em São Luis. O adversário é da oposição. Tucano de ocasião. Mas o chefe do clã, José Sarney, pediu que ela não se envolvesse na eleição da ilha. E a presidente prefere não comprar briga com o presidente do Senado. Além de ser do PMDB, partido com o qual deve manter aliança preferencial, ajuda mais que atrapalha. Veja-se o caso dos vetos presidenciais ao Código Florestal, cuja votação o presidente do Senado jogou para o fim da fila.
A última sexta-feira só reforçou a necessidade de a presidente ter um Plano B para a hipótese de Campos ser candidato à sua sucessão: o governador de Pernambuco fez campanha em Uberaba (MG), ao lado do tucano Aécio Neves, o mais provável candidato do PSDB em 2014.
Aécio flertou abertamente com Eduardo Campos: "Quem sabe no futuro Deus permita que esses laços sejam mais fortes pelo bem do país", disse. Aliado do governo, Campos foi mais comedido. Destacou a importância do governo Lula e elogiou a oposição feita ao governo pelo PSDB que "olha os interesses do país acima das condições políticas conjunturais".
Não bastasse a aproximação com Aécio Neves, o governador de Pernambuco também resolveu entrar no quintal de Lula, a campanha de segundo turno em Campinas, onde o PSB enfrenta outro candidato "inventado" pelo ex-presidente da República: Márcio Pochmann, ex-presidente do Ipea, que a exemplo de Dilma Rousseff e Fernando Haddad nunca disputou antes uma eleição, seja para cargo proporcional ou majoritário.
Há no PT quem considere a eventual vitória de Pochmann em Campinas, onde o PT enfrenta uma conjuntura difícil já há alguns anos, um feito de Lula maior até que a invenção da candidatura Haddad, hoje favorita em São Paulo.
Campos, na realidade, ao mesmo tempo que deixa correr solta a hipótese de ser candidato já em 2014, afirma que o PSB apoiará a reeleição de Dilma. No calor do segundo turno das eleições municipais já declarou que na segunda-feira, quando os palanques forem desmontados, "a gente vai se juntar para trabalhar e ajudar a presidente Dilma a mudar este país".
A presidente considera as duas possibilidades, tanto a de Campos ser candidato já em 2014, como a do PSB permanecer na aliança da reeleição. Por via das dúvidas, trata de fazer os afagos a potenciais aliados de uma candidatura do governador e enviar os sinais que julga necessários para mostrar que está atenta à movimentação do aliado. Por enquanto, Campos é aliado e mantém o ministro que indicou para o governo em nome do PSB.
Campos sempre foi mais próximo de Lula que da atual presidente, cuja referência no Nordeste passou a ser o governador da Bahia, Jaques Wagner. Ocorre que Lula e Campos se desentenderam sobre a montagem da chapa do candidato a prefeito do Recife. Poucos, além dos dois, sabem exatamente a extensão da divergência e se há sequelas. A se acreditar em dirigentes do PT, Lula se sentiu "traído".
Segundo dirigentes petistas, quando "melou" a prévia do PT do Recife e indicou o senador, ex-líder da bancada e ex-ministro da Saúde Humberto Costa, Lula avisou o governador de Pernambuco de sua decisão. Eduardo Campos não teria vetado como fez com o atual prefeito João da Costa, o vencedor da prévia contra Maurício Rands, o petista apoiado pelo governador. Apenas tirou a carta que tinha guardada na manga, no melhor estilo Lula: seu secretário Geraldo Júlio (PSB), afinal eleito no primeiro turno.
O certo é que o PT não perdoa o governador e diz que ele agora está por sua conta no Nordeste. "Por la libre", como se costuma dizer em Cuba. Para os petistas, Eduardo Campos está pavimentando o caminho de sua candidatura ou um eventual desembarque do governo Dilma. O certo é que está "enfraquecendo" o PT. Pode ser. Mas é preciso esperar assentar a poeira da campanha eleitoral para uma avaliação mais precisa. O fato é que o PT nunca aceitou que algum partido considerado à esquerda do espectro político lhe fizesse sombra. E é muito difícil imaginar Eduardo Campos em campo oposto a Lula numa eleição presidencial.
Fonte: Valor Econômico

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Lições de 2012 (José Roberto de Toledo)


Não importa o resultado do segundo turno, esta eleição deixará lições valiosas. Não é obrigatório prestar atenção, mas permite cometer erros novos, em vez de repetir os mesmos de sempre.
Lição dos partidos: quanto mais candidatos, mais prefeitos eleitos.
Parece óbvio e é, mas poucos partidos seguiram essa regra. PSB e PT cresceram em prefeituras porque lançaram mais candidatos a prefeito do que no pleito anterior. Já PMDB e PSDB começaram a encolher sua base municipal quando deixaram de lançar tantos candidatos em 2012 quanto em 2008. Os avanços petista e socialista não foram acaso, mas investimento.
O PT tem a menor eficiência entre os grandes partidos na eleição de candidatos a prefeito. Elege 1 a cada 3, enquanto o PMDB quase chega à relação de 1 para 2. Porém, a maior taxa de sucesso peemedebista tem a ver com o tamanho dos municípios onde disputa a eleição: em pequenas cidades é mais comum haver apenas dois candidatos, aumentando a probabilidade de vitória.
Isso significa que o PMDB é mais eficiente em quantidade de prefeituras conquistadas, mas não em eleitorado a governar. O PT conquistou cidades cujo porte médio é duas vezes maior do que dos municípios onde o PMDB elegeu seus prefeitos. O PSB está no meio do caminho. Vai governar prefeituras de cidades que são, em média, um terço maiores do que as peemedebistas e um terço menores do que as petistas. Os tucanos estão entre PSB e PT.
O tamanho médio das cidades que o PSDB governará é 22% maior do que as do PSB e 21% menor do que as do PT. Os tucanos elegeram 43% de seus candidatos a prefeito. Tudo isso seria ótimo se o partido não tivesse conquistado menos prefeituras do que em 2008. Para ser atraente, um partido precisa, acima de tudo, ser perspectiva de poder. O PSB saiu ganhando das urnas porque está em ascensão e, ao contrário do PSD, não apenas nos cafundós.
Lição dos candidatos: conhecimento alto importa menos que rejeição alta.
Candidatos muito conhecidos tendem a sair na frente nas pesquisas de intenção de voto graças ao que os pesquisadores chamam de "recall bias", ou viés de memória. Indagados muito tempo antes da eleição sobre em quem pretendem votar, os eleitores, em grande parte, tendem a apontar o nome que lhes é mais familiar – não porque de fato estejam pensando em votar nele, mas para não se mostrarem desinformados sobre a eleição.
Esse candidatos podem cansar cedo. Foram os casos de Moroni Torgan (DEM) em Fortaleza e de Humberto Costa (PT) no Recife. Saíram disparados na frente, mas nem pagaram placê no final.
Altas taxas de intenção de voto em pesquisas na fase pré-eleitoral não indicam necessariamente o candidato mais competitivo para um partido. Se o mesmo candidato aparecer nas mesmas pesquisas com percentuais altos de rejeição é provável que a taxa de intenção de voto dele seja, na prática, o teto do candidato. Dali é mais fácil ir para baixo do que para cima.
Quanto mais um partido se deixa levar pelo "recall bias" das pesquisas pré-eleitorais, menos ele areja seus quadros. Candidatos novos mas desconhecidos nunca têm vez. No curto prazo, o partido pode até ganhar, mas só quando o adversário é ainda mais rejeitado. No longo prazo, tende à extinção.
Lição das pesquisas: a tendência vale mais que o retrato.
A primeira reação da mídia ao resultado das urnas foi destacar os erros reais e imaginários das pesquisas de intenção de voto. E a segunda reação foi perguntar quando sairiam as primeiras pesquisas do segundo turno. Essa relação bipolar entre jornalistas e pesquisadores se deve, em grande parte, à fixação com o número estático e a dificuldade de identificar tendências.
Se o líder está caindo na reta final e, ao mesmo tempo, dois adversários estão subindo, em algum ponto os três estarão empatados. Mas só por um momento. No instante seguinte o ex-líder prosseguirá em sua rota rumo ao esquecimento e os adversários assumirão a liderança. Quem olha as curvas de tendência identifica os movimentos. Quem olha só as fotos não.
Nos EUA, a tendência é as pesquisas eleitorais serem cada vez mais frequentes e menos precisas. Porque é do movimento que vem a boa análise, não do retrato estático de um momento específico. Quanto mais pesquisas em um intervalo menor de tempo, maior a chance de assistirmos ao filme todo e antevermos o seu final. E isso é mais fácil de fazer com pesquisas online.
O instituto Ipsos, um dos maiores do mundo, começou a fazer pesquisas eleitorais 100% pela internet nesta eleição presidencial dos EUA. É uma revolução porque explode os conceitos de amostra probabilística, de intervalo de confiança e de margem de erro. Se fossem feitas no Brasil, estariam proibidas de serem publicadas porque não se adequariam à lei.
"É o futuro", diz o CEO mundial da divisão de pesquisas de opinião do Ipsos, Darrell Bricker. "Pode demorar, 5, 10 ou 15 anos, mas virá", prevê a CEO do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari. Enquanto isso, no Brasil, os institutos ainda são obrigados a fazer pesquisas eleitorais usando questionários de papel só para os partidos poderem contá-los se quiserem.
Fonte: O Estado de S. Paulo